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“O mundo está observando o Brasil”, diz deputada alemã

Deutsche Welle – Três deputados alemães do Partido Social Democrata (SPD), que lidera a coalizão de governo na Alemanha, estão no Brasil para acompanhar a eleição deste domingo (30/10). Os parlamentares Isabel Cademartori, Frank Schwabe e Manuel Gava decidiram viajar ao país para acompanhar o pleito após um convite do candidato e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Não estamos aqui formalmente como observadores eleitorais, mas vamos acompanhar o processo”, afirmou Cademartori à DW Brasil. Ela cita temores de que, em caso de derrota, Bolsonaro não reconheça o resultado das urnas. “Há olhos internacionais observando o que se passa aqui para assegurar o cumprimento das regras da democracia.”

O SPD mantém laços históricos com o PT. No ano passado, após vencer as eleições legislativas alemãs e enquanto ainda negociava a costura da sua coalizão, o atual chanceler alemão, Olaf Scholz, recebeu Lula em Berlim. Diversas figuras de destaque da sigla alemã também manifestaram apoio público a Lula enquanto o petista permaneceu preso em Curitiba.

Em entrevista à DW Brasil, Cademartori é taxativa em suas críticas a Jair Bolsonaro (PL) e classifica uma eventual reeleição dele como “catastrófica”. A jovem deputada, de 34 anos, tem raízes latinoamericanas. Ela viveu parte da infância no Chile e é neta de José Cademartori, parlamentar ligado ao partido comunista e ex-ministro da Economia do chileno Salvador Allende, presidente deposto por um golpe militar que inaugurou uma das mais sanguinárias ditaduras no continente.

Para a deputada, não é só o clima que está em jogo com a reeleição do presidente: em uma nação onde a democracia se fragiliza, nem mesmo os negócios entre os dois países devem ser poupados. “Um ambiente instável afeta a economia mais cedo ou mais tarde”, destaca.

DW Brasil: O que traz a senhora ao Brasil agora, neste momento?

Isabel Cademartori: Não estamos aqui formalmente como observadores eleitorais, mas vamos acompanhar o processo. Nosso programa prevê a ida a uma seção eleitoral, mas não só isso: teremos conversas com diferentes pessoas e entidades, parceiros do SPD e da Fundação Friedrich Ebert. A visita foi motivada por um pedido de Lula a Lars Klingbeil [colíder do SPD que esteve em agosto no Brasil], no sentido de demonstrar a presença dos social-democratas alemães aqui – por motivos variados. Há uma conexão histórica entre o PT e o SPD. Também se deseja mostrar que Lula é alguém que dará destaque internacional de novo ao Brasil. Mas o terceiro motivo, talvez o mais importante, são os temores de que Bolsonaro não aceite o resultado. Nesse sentido, observadores internacionais ajudam a legitimar a eleição.

É claro que essa legitimidade não é formal – há outras organizações cumprindo esse papel –, mas podemos olhar tudo aqui com bastante atenção, conversar com as pessoas, de modo que se chegasse ao ponto de haver um golpe, ou conspirações embasadas em fake news, podemos deixar claro que o mundo está olhando para o Brasil neste momento. Há olhos internacionais observando o que se passa aqui para assegurar o cumprimento das regras da democracia.

O que essas eleições significam para a Alemanha, e por que interessa ao país o que acontece na política brasileira?

O Brasil é um parceiro estratégico da Alemanha de longa data. Precisamos de parceiros confiáveis para atingir vários objetivos – e, claro, principal e primeiramente nossas metas climáticas. O Brasil abriga 60% da Floresta Amazônica e sob Bolsonaro o desmatamento aumentou drasticamente, mais de 70% – se não conseguirmos freá-lo, nossos esforços climáticos na Europa terão sido ineficazes.

É um assunto importante também porque, no contexto da Ucrânia, temos que ter clareza de que vivemos em um mundo com diferentes centros de poder, e o Brasil é o maior país da América Latina, e por isso é importante manter nossas boas relações – ou retomá-las – depois de Bolsonaro, para que possamos endereçar juntos todos os problemas.

O que mudou nas relações Brasil-Alemanha sob Bolsonaro?

Bolsonaro significa a chegada de uma extrema direita ao poder que ataca e questiona instituições democráticas abertamente. Ao mesmo tempo, ele também adota um discurso nacionalista muito forte e um isolamento externo. O Brasil já não é mais um ator importante no palco internacional, evita acordos e segue um rumo antiglobalização que é totalmente contrário àquilo pelo qual nós prezamos. Nas negociações internacionais sobre a questão climática, o Brasil já não é mais o parceiro de confiança que um dia foi. E em temas como, por exemplo, proteção de povos indígenas, não é possível chegar a lugar nenhum com Bolsonaro. O exemplo mais importante para nós é o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Não é possível ter qualquer avanço com este governo com esse discurso antiglobalização e a rejeição a praticamente qualquer tipo de livre comércio.

Por outro lado, Lula já anunciou a intenção de renegociar os termos do acordo UE-Mercosul, o que certamente atrasaria a entrada dele em vigor…

Bolsonaro sequer negocia. O Brasil quer até certo ponto proteger a própria economia, e por isso, claro, o acordo não vai sair por conta própria no primeiro dia de um governo Lula. Mas há uma chance de engatar vários projetos de cooperação bilateral com Lula – econômicas, no setor de energia, na área do clima, na agricultura e pecuária. Se conseguíssemos dar esse primeiro passo, a partir daí aumentar a confiança, aí podem-se continuar as negociações sobre o acordo UE-Mercosul. Mas no momento não há nenhuma base para nada disso e por isso [a eleição de Lula] já seria um grande avanço.

Além do acordo, o que muda nas relações se Lula for eleito presidente?

Com Lula teremos alguém no Brasil que é aberto à comunidade internacional; que apoia valores democráticos, o Estado de Direito e o multilateralismo; que encara as mudanças climáticas como perigo real em vez de negá-las, e que está disposto a enfrentá-las; alguém com quem conversar sobre o acordo de proteção da floresta tropical.

No passado Lula foi sempre muito ativo em sua política externa. Acredito que ele teria um papel na América Latina de costurar os [diferentes] interesses. Do ponto de vista europeu, seria uma mudança muito positiva ter parceiros fortes no mundo democrático que compartilham de valores semelhantes aos nossos.

E se Bolsonaro for reeleito?

Será bem delicado, talvez até catastrófico. Precisamos nos preparar para o pior, no que diz respeito à democracia brasileira. Provavelmente as instituições continuarão a ser enfraquecidas. Talvez Bolsonaro tenha a chance de mudar a Constituição ou alterar a composição do Supremo Tribunal Federal. O país seguiria o caminho do autoritarismo, algo comparável à Turquia ou à Hungria. Se isso acontece no maior país da América Latina, não preciso explicar que as consequências serão devastadoras. Vai ser muito mais difícil atingir as metas do clima. E o Brasil continuaria a ser um parceiro extremamente difícil. Claro que se tentaria trabalhar junto apesar disso, mas seria muito, muito difícil.

Por outro lado, as relações econômicas permaneceram praticamente inalteradas sob o governo Bolsonaro – ao menos é o que dizem.

Não é só a questão climática. Tem a ver com a própria democracia. Se o Brasil segue o modelo de autoritarismo da Turquia, por exemplo, isso terá reflexos na economia, nas empresas alemãs. Existem leis que regem a cadeia de suprimentos na Europa. E um ambiente instável afeta a economia mais cedo ou mais tarde. O tema do livre comércio, que é muito importante para a economia alemã – nós somos uma nação exportadora –, terá progresso zero. Eu não estou dizendo que com Lula só vai ter comércio livre, com certeza esse não será o caso. Mas haverá muito mais possibilidades de cooperação. Seria muito valioso ter um parceiro forte em uma região democrática do Sul Global. Mas as perspectivas não serão boas se Bolsonaro for reeleito.

A economia brasileira está sob muita pressão, a pobreza aumentou enormemente – são mais de 30 milhões passando fome. Com isso, não há mais tantos que podem participar do mercado global, e isso vai se tornando cada vez mais difícil para nós. É por isso que estou convencida de que o caminho do totalitarismo ou do autoritarismo não é vantajoso para ninguém.

Fonte: DW Brasil

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