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Natalia Pasternak: “Existe um mercado perverso que lucra com desinformação da ciência”

Natalia Pasternark é autora de três livros sobre popularização da ciência com o jornalista científico, Carlos Orsi. O terceiro, já no prelo, fala sobre o que eles chamam de 12 pseudociências. Para ela, o conhecimento da disciplina é fundamental para a tomada de decisões acertadas tanto por indivíduos como por governos.

Ela lembra que a ciência é uma área colaborativa e que “nenhuma grande descoberta é feita por um único cientista solitário trancado no seu laboratório.”

Acompanhe a conversa com Monica Grayley e Eleutério Guevane, da ONU News.

ONU News: Eu sei que há pouco tempo com a pandemia, esteve muito contundente e firme. E tem esse Instituto Questão de Ciência. O que se está a olhar e ver mais lá para frente. Uma sociedade mais conectada à ciência?

Natalia Pasternak: Esperamos que sim. O Instituto Questão de Ciência, na verdade, ele foi criado no final de 2018. Então, praticamente, um ano depois, veio a pandemia. E, de repente, a gente tinha um instituto super jovem que a gente achou que teria uma atividade de nicho. Uma atividade super focada em promover ciências para políticas públicas. Então, a gente teria um braço de conversar diretamente com a população, pela nossa revista Questão de Ciência, publicação de artigos, seminários, eventos, e outro braço que que seria mais um braço de advocacy para falar com o governo, parlamento, para instruir que realmente as políticas públicas sejam baseadas em ciência e não em achismo e ideologia. E isso parecia uma atividade muito específica, que nunca estaria na grande mídia, no debate público como um todo.

Profissional de saúde segura um frasco da vacina Covid-19 em um hospital em Nova Delhi, na Índia
© UNICEF/Sujay Reddy – Profissional de saúde segura um frasco da vacina Covid-19 em um hospital em Nova Delhi, na Índia

E aí veio a pandemia. E, de repente, o trabalho que a gente se propôs a fazer com o Instituto Questão de Ciência era exatamente o trabalho que precisava ser feito durante a pandemia. Garantir que as políticas públicas de saúde fossem baseadas em ciência e não em achismo e ideologia. E traduzir a ciência tanto para a população quanto para os tomadores de decisão no governo e no parlamento era um trabalho essencial e que, de repente, era o centro do debate público.

Então, nós fomos pegos bem de surpresa, mas eu acho que a gente conseguiu entregar um bom trabalho. Esse trabalho de tradução da ciência para um público que não é especialista. Mas que precisa entender a ciência para tomar boas decisões.

ON: Uma prova de fogo. E com a pandemia, você acabou numa CPI, numa Comissão Parlamentar de Inquérito. Como foi isso?

NP: A Comissão Parlamentar de Inquérito foi instaurada pelo Congresso para averiguar a responsabilidade do Governo Federal e do então presidente Jair Bolsonaro pelo excesso de mortes da pandemia. Para ver se, realmente, alguma conduta tinha sido errada e esse conduta acabou resultando num excesso de mortes de pessoas, de brasileiros, que podiam ter sido evitadas. E a minha presença lá foi justamente como comunicadora de ciência, e nesse papel de traduzir a ciência para um público não especialista. O que me foi pedido na CPI foi que eu explicasse como a ciência via as decisões que foram tomadas pelo governo. Decisões de promover remédios, que na verdade, não tinham base científica para funcionar para Covid. Decisão de não atrasar a compra de vacinas que sim poderiam salvar vidas. Então explicar: como a gente sabe que esses medicamentos não funcionam para a Covid. Como a gente sabe que as vacinas são seguras e eficazes. Como são esses testes clínicos? Então, foi uma oportunidade incrível porque, de repente, eu tive o privilégio de falar, explicar método científico, explicar processo científico, explicar como a ciência funciona não só para os senadores ali, mas para milhões de pessoas que estavam assistindo.

ON: E nessa prova de fogo. O que deu para peneiras em termos de comunicação. O que deve prevalecer para as próximas ameaças e o que deve ser retirado, absolutamente, da mentalidade coletiva?

NP: Eu acho que o que mais chocou durante a pandemia, trabalhando com desinformação, perceber que existe um mercado perverso que vende, lucra com a desinformação. Não é só uma mentira inocente ou algo que a gente acredita porque ouviu dizer. Existe um público que realmente foi engando e que acredita de maneira inocente que vacinas fazem mal ou que cloroquina cura Covid. Mas existe um mercado de pessoas que promovem, deliberadamente, a desinformação porque lucram com isso. Então, a gente vê, por exemplo, tem uma ONG, aqui nos Estados Unidos, chamada Centro de Controlo do Ódio Digital. Esta ONG fez um levantamento dos perfis de mídias sociais, pegando Twitter e Facebook, que mais produzem conteúdo de desinformação sobre vacinas. E conseguiu reunir apenas 12 perfis que são responsáveis por mais de 60% do conteúdo anti vacinas de Facebook e Twitter. São apenas 12 perfis que fazem um barulho porque muitas pessoas reproduzem o conteúdo deles, traduzem para outras línguas, mas quem produz o conteúdo são aqueles 12, que essa ONG chamou de The Disinformation Dozen.  E todos esses 12 lucram com desinformação, por quê? Eles vendem Newsletter, livros, produtos associados. Então, é uma propaganda que diz o seguinte: ‘Olha, vacinar faz mal. Vacinar pode dar sequelas nos seus filhos. Se você vacinar os seus filhos e acontecer alguma coisa, a culpa é sua. Mas se você assinar minha Newsletter que custa só US$ 50 por ano, comprar o meu livro que ensina a ter uma alimentação saudável, que vai fortalecer o seu sistema imune e seus filhos nem vão precisar de vacina, ou clique aqui no meu vídeo no YouTube para descobrir como as vacinas fazem mal e por que você não precisa delas, e o que eles estão tentando esconder de vocês.’

Então são perfis que usam técnicas de propaganda, de marketing, e de teorias conspiratórias para vender produtos e serviços.

Firdausi Qadri foi nomeada Laureada L'Oréal-UNESCO For Women in Science de 2020 para a Ásia-Pacífico
© Fondation L’Oréal – Firdausi Qadri foi nomeada Laureada L’Oréal-UNESCO For Women in Science de 2020 para a Ásia-Pacífico

 

ON: Natália, você cresceu com o conhecimento. Seu pai e sua mãe são professores de Universidade. Você tem um pós-doutorado em microbiologia. Você faz Ted Talks, e é muito importante a maneira como se comunica. Mas por que ainda não temos tantas mulheres na ciência? A Unesco tem feito um trabalho para aumentar a participação de mulheres em STEM (Ciência, tecnologia, engenharia e matemática). Por que ainda é um ambiente tão dominado por homens?

NP: Está mudando. E eu acho que a gente já conseguiu conquistar muito espaço. Hoje na minha, área por exemplo, se você pegar o Departamento de Microbiologia da Universidade de São Paulo é bem dividido. É quase 50/50% de homens e mulheres. Onde começa a aparecer a diferença é em cargos mais altos. Cargos de diretoria, de reitoria, de presidente de universidade. Daí realmente você vê a diferença.

Ou seja: ainda existe um teto. As mulheres entram na Universidade. Elas estudam, elas fazem especialização, mestrado, doutorado, pós-doutorado, mas tem um momento, onde elas realmente sentem a resistência de um sistema que ainda é muito patriarcal, um sistema que ainda sofre com um machismo estrutural muito forte. Então, eu acho que, por um lado, eu acho que nós mulheres, temos muito do que nos orgulhar, do que a gente fez porque o movimento feminista começou, faz mais ou menos, 60 anos. Em 60 anos, apenas, olha o que a gente fez?

A mulher entrou no mercado de trabalho, conquistou posições. Hoje, a gente tem mulheres em posições de liderança ainda que não no número em que a gente gostaria. Mas então, eu acho que tem que olhar o lado positivo do que já foi feito e entender quais são os obstáculos. Onde está este teto de vidro que tanto se fala e por que ele acontece, por que a gente não consegue ultrapassar.

Documentário brasileiro sobre profissionais de saúde que responderam à pandemia de Covid-19 recebeu o Grande Prêmio Saúde para Todos da OMS
Unsplash/Fusion Medical Animation

 

Documentário brasileiro sobre profissionais de saúde que responderam à pandemia de Covid-19 recebeu o Grande Prêmio Saúde para Todos da OMS

ON: Talvez seja a forma como a mídia ou meios de comunicação em geral retrata o cientista como aquela pessoa fechada no laboratório com o microscópio, fazendo experimentos, saindo fumaça…Talvez seja essa percepção muito errônea?

NP: Acho que tem um estereótipo do “cientista maluco” que ainda aparece muito na mídia, na ficção. Quantos filmes aos quais a gente não assistiu que têm um “cientista maluco” que quer destruir o mundo? Então, existe muito esse estereótipo. E, por outro lado, existe um outro estereótipo que também não ajuda, e que também aparece nos filmes, que é o do cientista herói, solitário, que faz tudo sozinho. Então a gente vê histórias que merecem virar filme como história do Stephen Hawking. É claro que ele merece virar filme, é uma belíssima história. Mas acaba contribuindo para esse imaginário popular de que o cientista é um gênio solitário. Quando, na verdade, a ciência é uma atividade colaborativa. A ciência é feita por milhares e milhares de jovens que estão lá fazendo seus doutorados, seus pós-doutorados em equipes grandes que trabalham juntas. Nenhuma grande descoberta é feita por um único cientista solitário trancado no seu laboratório.

Natalia Pasternark é pós-doutora em microbiologia pela Universidade de São Paulo e pesquisadora da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos
ONU News

 

Natalia Pasternark é pós-doutora em microbiologia pela Universidade de São Paulo e pesquisadora da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos

ON: Falou aqui de dois aspectos o colaborativo e a busca de pontos positivos. E onde se encontram aqui a religião e a ciência, Deus?

NP: Eu acho que se encontram, talvez, numa característica muito humana, nossa, de buscar respostas. De buscar entender de onde a gente veio, quem a gente é, qual é o nosso papel no mundo. E eu não vejo, pessoalmente, a religião e a ciência como antagônicas nesse sentido. Eu acho que são aspectos diferentes da nossa vida. A vida não é feita só de ciência. A gente tem vários outros aspectos importantes na nossa vida como artes, esportes, música.

E, para algumas pessoas, religião também é um aspecto importante. Então, eu realmente não vejo nada de antagônico. E eu acho que elas nascem dessa mesma curiosidade humana de entender qual é o nosso papel no universo. Eu gosto de usar a ciência para entender essas perguntas, mas eu entendo que outras pessoas podem buscar outros caminhos que, de repente, pode ser a religião, a arte, a literatura. Por que não?

ON: Mas dentro daquilo que gosta de fazer e falou agora de literatura, vamos falar do “Que bobagem!”, o próximo livro?

NP: Eu tenho três livros de popularização da ciência contando com esse que vai sair agora, o “Que bobagem!” O primeiro foi o “Ciência no Cotidiano”, que ganhou o prêmio Jabuti pelo melhor livro de ciência dm 2021. O segundo foi o “Contra Realidade” que focou muito nas questões dos movimentos anti ciência e do negacionismo então é um livro um pouco mais pesado nesse sentido. E o terceiro é o “Que bobagem!”. Todos eles foram escritos em parceria com o jornalista científico, Carlos Orsi, também conhecido popularmente como meu marido. Então, a nossa parceria vai um pouco além dos livros. E o “Que bobagem!”, que vai ser lançado agora, é um livro que reúne 12 pseudociências. O que é na nossa visão uma pseudociência? São práticas popularmente vistas como científicas quando, na verdade, elas não são. Então, o “Que bobagem!” ele busca explorar e mostrar para as pessoas por que algumas práticas, que são popularmente tidas como ciência, como astrologia, homeopatia, algumas dietas da moda, suco detox, e que muitas vezes vêm com uma roupagem científica, elas parecem científicas, usam a linguagem da ciência, e popularmente são até vistas como ciência, no “Que bobagem!”, a gente mostra que elas não passam de bobagens pseudocientíficas.

Então, é um livro que a gente sabe que vai fazer barulho. Ele vai incomodar, mas ele é um livro necessário. E ele é um livro que a gente espera que as pessoas leiam antes de criticar. Estamos absolutamente abertos a críticas, mas depois de lerem o livro. O livro foi escrito. São 330 páginas, ele está todo referenciado. Nenhum capítulo deste livro é a nossa opinião. É referenciado nos melhores trabalhos científicos sobre aquelas práticas.

Então, críticas embasadas, após a leitura, serão muito bem-vindas. Críticas baseadas em achismo e ideologia, nós não vamos responder.

ON: Muito obrigada, dra. Natalia Pasternak, muito obrigada pela sua participação. 

NP: Muito obrigada a vocês por me receberem

Fonte: ONU News – Foto: Entrevistada desta semana do Podcast ONU News é a comunicadora de ciência, Natalia Pasternark

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