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Deputados apostam em promessa de Lira para liberar verbas apesar de decisão do STF

Apesar de o STF (Supremo Tribunal Federal) ter suspendido o pagamento das chamadas emendas de relator (usadas em negociações políticas entre o governo e o Congresso), parlamentares ainda confiam que o Palácio do Planalto e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conseguirão arcar com as promessas que foram feitas até o fim deste ano.

Deputados relataram que, com base nessa confiança, concluíram nesta semana a aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios —atualmente a principal pauta de interesse do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Congresso.

A PEC viabiliza o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 400 por mês a famílias de baixa renda. Nos dias que antecederam a aprovação da proposta, foi liberado R$ 1,4 bilhão desse tipo de emenda.

O valor total para o ano é de R$ 16,8 bilhões. Todo esse dinheiro está congelado desde que a ministra Rosa Weber, do STF, concedeu uma liminar suspendendo o uso dessas emendas. A decisão foi referendada por 8 dos atuais 10 ministros da corte.

Lira tem assegurado a integrantes da Câmara que conseguirá reaver o dinheiro que está por ora bloqueado. Uma ideia é aprovar um projeto de resolução do Congresso que dê transparência ao dinheiro e negociar para reverter o julgamento no mérito das emendas.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, durante evento em Portugal, nesta quinta (11)
O presidente da Câmara, Arthur Lira, durante evento em Portugal, nesta quinta (11) – Reprodução/Arthur Lira no Facebook

Diante da pressão no STF e de órgãos de controle, líderes partidários começaram a discutir uma forma de deixar mais claro como é usado o dinheiro do Orçamento federal reservado para as emendas de relator.

O plano prevê que as regras de divulgação de informações sobre essas emendas sejam estabelecidas em projeto a ser aprovado pelo próprio Congresso.

Lira quer criar um grupo na Câmara para analisar especificamente essa questão e propor mudanças. O texto de um projeto de resolução elaborado pela Mesa da Câmara com o objetivo de manter o controle sobre as bilionárias verbas começou a circular entre os deputados nesta quinta-feira (11).

A ideia é que a proposta, capitaneada por Lira, e a que a Folha teve acesso, seja aprovada nas próximas semanas em sessão do Congresso Nacional e sirva como objeto de negociação para que o STF libere a execução das emendas.

O texto que começou a circular entre deputados nesta quinta trata apenas de mudanças na questão da transparência, além de alterar as regras só daqui em diante. Ele não trata das emendas de relator de 2020 e 2021.

A proposta também não muda em nenhum ponto o atual poder do governo e da cúpula do Congresso de privilegiar determinados deputados em detrimento de outros nem de patrocinar repasses em períodos de votação de grande interesse do governo.

A emenda de relator é um tipo de emenda que foi incluída no Orçamento de 2020 pelo Congresso, que passou a ter controle de quase o dobro da verba de anos anteriores. Atualmente, ela é a principal moeda de troca em votações importantes no Congresso.

O Palácio do Planalto e aliados, principalmente Lira, têm usado esses recursos para privilegiar aliados políticos e, com isso, ampliar a base de apoio deles no Legislativo.

Hoje, não há uma base de dados pública em que a lista de deputados e senadores beneficiados por essa negociação política, tampouco há informações abertas sobre o destino do dinheiro público. O projeto em discussão por líderes seria encarregado de determinar que tipo de informações seriam divulgadas.

Nesta quinta, Lira defendeu o projeto para tornar o mecanismo mais transparente. Ele participou de um evento de comemoração dos 25 anos da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) organizado por políticos brasileiros.

“Decisão não se comenta, decisão se cumpre e se contesta. Há uma discussão e ela é transversal a respeito desse assunto. Ela tem uma narrativa, e a nós só vai caber esclarecer mais ainda, com mais transparência, propondo o que pode ser possível com um projeto de lei que altera a resolução zero para ficar mais transparente”, afirmou.

Quanto maior a obrigatoriedade de fornecer dados, menor será o poder de aliados do governo na articulação com congressistas, pois a maior transparência irá expor o privilégio dado a quem vota a favor de projetos de interesse do Palácio do Planalto.

Dos R$ 16,8 bilhões de emendas de relator, R$ 7,5 bilhões nem sequer começaram a ser usados. O restante —R$ 9,3 bilhões— já está empenhado (jargão orçamentário para o dinheiro reservado no Orçamento para liberação).

Se o bloqueio à verba for mantido pelo STF, a saída deve ser transferir os recursos para outra parte do Orçamento, que não está suspensa.

Assim, o dinheiro passaria para as mãos dos ministérios, que, em acordo político, aplicaria a verba no projeto ou obra a ser indicado por parlamentares. Isso resolveria o problema dos R$ 7,5 bilhões.

No entanto aliados do governo querem insistir em um acordo com o STF para desbloquear todo o valor. Eles estão preocupados com o que já foi empenhado (contrato assinado).

A decisão do STF, na avaliação de técnicos do governo e da Câmara, paralisa as obras já em andamento.

Aliado de Bolsonaro, Lira disse, em Portugal, que seria um retrocesso deixar o comando das emendas só com o Executivo. “Aí, sim, que nem a imprensa nem os deputados nem a população saberão da discricionariedade.”

Hoje existem quatro tipos de emendas: as individuais (que todo deputado e senador têm direito), as de bancada (parlamentares de cada estado definem prioridades para a região), as de comissão (definida por integrantes dos colegiados do Congresso) e as do relator (criadas por congressistas influentes a partir de 2020 para beneficiar seus redutos eleitorais).

No caso das emendas individuais e de bancada, há muito mais informações públicas, como quem foi o congressista autor do pedido de liberação de recursos.

O uso desse novo tipo de emenda (a de relator) para barganhar apoio político na Câmara e Senado tem sido também questionado por órgãos de controle, como o TCU (Tribunal de Contas da União).

O problema levantado é que não há uma divulgação transparente da destinação desse dinheiro.

ENTENDA O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES

A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o final de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte. Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares.

As emendas parlamentares se dividem em:

  • Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16,3 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2021). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde
  • Emendas coletivas: subdivididas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido
  • Emendas do relator-geral do Orçamento: As emendas sob seu comando, de código RP9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo

CRONOLOGIA

Antes de 2015
A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares

2015
Por meio da emenda constitucional 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:

  • a) execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior;
  • b) metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a Saúde
  • c) contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória

2019

  • O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que torna obrigatória também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas)
  • Metade desse valor tem que ser destinado a obras
  • O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento: R$ 30 bilhões
  • Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral

2021
Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:

  • Emendas individuais (obrigatórias): R$ 9,7 bilhões
  • Emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 7,3 bilhões
  • Emendas de comissão permanente: R$ 0
  • ​Emendas do relator-geral do Orçamento (código RP9): R$ 16,8 bilhões

Jogo do Poder

Fonte: Folha de São Paulo

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