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Crise energética reacendeu indústria do carvão na Alemanha

Por Kristie Pladson

Deutsche Welle – “Se este vilarejo for destruído, assim também será o compromisso de 1,5 ºC da Alemanha com o Acordo de Paris.”

É uma tarde de outubro num canto rural do oeste da Alemanha, no vilarejo de Lützerath, na Renânia do Norte-Vestfália. As nuvens da chuva matinal se dissiparam, e o sol brilha na grama úmida do pequeno prado.

Espalhadas entre as árvores altas, pequenas casas construídas à mão em plataformas elevadas de madeira pairam sobre nós em todas as direções. Algumas pessoas se locomovem no chão logo abaixo. Fora de vista, a 200 metros de distância, está Garzweiler 2, uma das maiores minas de carvão da Europa.

“Trata-se de um espaço muito, muito importante, não apenas como símbolo, como muitos políticos costumam dizer”, disse à DW Alma (sobrenome omitido), assessora de imprensa da iniciativa Alle Dörfer Bleiben (Todos os Vilarejos Ficam). “É um lugar muito apropriado para justiça climática porque há muito carvão embaixo dele.”

Centenas de cidades perdidas para o carvão

Lützerath está ocupada por manifestantes desde 2020, quando surgiram planos para demolir o vilarejo e desenterrar o linhito debaixo dela. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, cerca de 300 cidades na Alemanha foram demolidas para a mineração de linhito, levando ao reassentamento de mais de 120 mil pessoas.

Nos últimos anos, além dos ativistas, apenas um fazendeiro e alguns inquilinos ainda viviam em Lützerath. Uma visita à cidade revela pouco mais do que uma estrada principal e uma dúzia de antigas casas rurais de tijolos, cobertas de pichações de protesto.

Mas não se trata apenas de salvar a cidade, afirmam as pessoas que se opõem à demolição. Trata-se de manter o carvão no solo. Globalmente, o carvão ainda é a maior fonte de geração de eletricidade, bem como a maior fonte de dióxido de carbono. Em 2021, cerca de 30% da eletricidade da Alemanha foi gerada pela queima de carvão.

Produção de carvão deve aumentar no curto prazo

A Alemanha pretende se tornar neutra em carbono até 2045. Em 2020, o país anunciou que pararia de queimar esse vilão do clima, gradualmente desativando suas usinas movidas a carvão até 2038.

Mas as tentativas de salvar Lützerath ficaram mais complicadas depois que a invasão da Ucrânia pela Rússia desencadeou uma crise de energia na Europa. Privada do gás natural russo, a Alemanha se esforçou para garantir um fornecimento alternativo de energia. Isso incluiu voltar de mansinho à velha indústria local de carvão. Em 2022, o governo decidiu resgatar cerca de uma dúzia de usinas e estender a vida útil de várias outras que deveriam ser fechadas.

Para compensar o aumento inesperado na produção de carvão, o governo fechou um acordo com a empresa de energia RWE para adiar o prazo de eliminação do carvão na Renânia do Norte-Vestfália, uma importante região produtora do minério, até 2030.

“Temos que reativar usinas no curto prazo e precisamos de mais carvão”, disse em novembro Markus Krebber, CEO da RWE. Ele respondia a uma pergunta da revista alemã Der Spiegel sobre os planos de sua empresa para esvaziar Lützerath. “Dito isso, vamos eliminá-lo duas vezes mais rápido do que o planejado.”

Os manifestantes argumentam que a eliminação antecipada não importa: queimar o carvão abaixo de Lützerath fará com que a Alemanha ultrapasse suas metas de emissões de CO2, uma premissa sustentada pelo Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW).

Os argumentos e protestos dos manifestantes não convenceram os tribunais nem os políticos. Em dezembro, foi anunciado que os ativistas seriam retirados de Lützerath em janeiro e que teria início a demolição do vilarejo.

Uma imagem ambivalente

Olhar para o poço é como olhar para uma versão sem graça do inferno: sem fogo ou enxofre, apenas um enorme buraco cinza obviamente feito pelo homem, pontilhado aqui e ali com escavadeiras gigantes raspando mecanicamente suas paredes. Elas funcionam 24 horas por dia. Um morador de uma cidade próxima contou à DW que, quando o vento sopra de uma certa maneira, é possível ouvi-las à noite.

Uma placa feita à mão manda ficar a pelo menos dez metros da borda do poço. Mas, além de uma tira amarela de fita de barricada amassada no chão, não há nada que impeça as pessoas de caminharem até a beirada. Alguém colocou algumas cadeiras dobráveis de praia, insinuando um desejo de parar e apreciar a vista do que parece ser o fim do mundo.

“É totalmente ambivalente para mim”, disse à DW Sascha Solbach, prefeito da cidade vizinha de Bedburg, em uma conversa em seu escritório, explicando seus sentimentos sobre as minas de carvão de sua região. “Eu olho para este buraco e vejo o passado. Eu vejo o futuro. Eu vejo empregos. Eu vejo a perda de empregos. Eu vejo toda a economia. Acho que é uma chance para uma nova economia quando elas se forem. Então tudo aqui na região depende de para onde essa indústria está indo.”

Esperanças no hidrogênio

O estado da Renânia do Norte-Vestfália tem grandes planos de expandir a produção de hidrogênio, alternativa energética neutra para o clima, em parte para substituir o buraco econômico que será deixado quando a indústria do carvão morrer. O novo cronograma, porém, complica as coisas.

“Estamos falando de sete anos para terminar as usinas e ter o hidrogênio basicamente pronto para uso”, diz Andre Wantke, funcionário da RWE e político local em Bergheim, uma cidade a cerca de 30 quilômetros de Garzweiler 2 e lar da usina de carvão de Niederaussem. Niederaussem é a sétima usina de carvão mais poluente do mundo, de acordo com um estudo da Universidade de Colorado Boulder.

Já é noite. À medida que o sol se põe, a nuvem de vapor que sai da enorme torre de resfriamento desaparece no céu noturno. Um morador de Bergheim conta que, quando era criança e sua família voltava para casa depois das férias, ele via aquela nuvem na estrada e sabia que estavam quase chegando.

Uma eliminação gradual em 2038 já seria algo muito ambicioso, diz Wantke. “O que acontecerá a seguir para os funcionários mais jovens? Há muitos pontos de interrogação. Vamos ver onde os empregos estarão no final, onde serão criados. Sim, as energias renováveis criam novos empregos, mas nessa escala, como vemos agora, será muito difícil.”

Manifestantes se mantêm firmes

Tudo isso também levanta questões sobre a paisagem.

“Se cortarmos esse setor daqui a oito anos, será como uma parada de emergência num sistema em movimento”, diz Solbach, prefeito de Bedburg. “Não é só que não vamos mais queimar carvão. Todo o processo de transformação da paisagem chega a um fim abrupto.”

A longo prazo, oito poços de carvão locais, incluindo Garzweiler 2, serão preenchidos com água, transformando a área em um distrito de lagos. Mas essa transformação levará várias décadas para ser concluída e traz pouco conforto para os afetados pelas mudanças na estratégia de eliminação do carvão.

Tampouco é um destino aceito pelos manifestantes. Mais de 11 mil pessoas assinaram um compromisso prometendo comparecer e resistir à destruição de Lützerath, disse a iniciativa Alle Dörfer Bleiben num recente comunicado à imprensa. Historicamente, a oposição a outros projetos de carvão na região envolveu resistência física e destruição de propriedade.

Questionada se realmente acha que eles têm chance de salvar o vilarejo, Alma responde: “Se começarmos a pensar que é impossível, então nunca vai acontecer. E não acho que seja possível desistir de 1,5 [graus de aquecimento global]”, diz ela apontando para o acampamento de protesto. “E o fato de que isso é possível me faz sentir que coisas boas também devem ser possíveis.”

Fonte: DW Brasil/Foto: Kristie Pladson/DW

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