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Brasil tem deflação de 0,68% em julho, mas preço da comida sobe

Com o impacto da redução de combustíveis e energia elétrica, o Brasil teve deflação (queda de preços) de 0,68% em julho, informou nesta terça-feira (9) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

É a menor taxa já registrada pelo índice oficial de inflação do país, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). A série histórica começou em janeiro de 1980.

A queda, contudo, foi puxada por apenas dois grupos (transportes e habitação) entre os nove pesquisados pelo IBGE. O segmento de alimentação e bebidas, por outro lado, ainda dá sinais de carestia e voltou a acelerar, o que pressiona sobretudo o bolso dos mais pobres.

Analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam uma queda menos intensa em julho, de 0,65%. O IPCA havia subido 0,67% em junho.

ALTA SUPERA 10% EM 12 MESES

Mesmo com a trégua mensal, o índice de inflação segue em dois dígitos no acumulado de 12 meses. Até julho, a alta foi de 10,07%. Nessa base de comparação, o avanço havia sido de 11,89% até o mês anterior.

O IPCA acumulado está em dois dígitos, acima de 10%, há 11 meses. Ou seja, desde setembro do ano passado.

Uma sequência tão longa não ocorria desde o intervalo de 2002 a 2003. À época, o índice ficou em dois dígitos por 13 meses consecutivos, de novembro de 2002 a novembro de 2003.

O IPCA acima de 10% às vésperas das eleições pressiona o governo Jair Bolsonaro (PL), que teme os efeitos da perda do poder de compra dos brasileiros. Para tentar reduzir os danos, o Planalto aposta no corte de tributos, que começa a impactar parte dos preços.IFrame

COMBUSTÍVEIS E ENERGIA BAIXAM, COMIDA SOBE

A deflação de julho é a primeira desde maio de 2020. À época, a baixa havia sido de 0,38%, em um contexto de restrições a atividades econômicas com a chegada da pandemia.

De acordo com o IPCA, o resultado de julho foi influenciado principalmente pelo grupo dos transportes, que teve a queda mais intensa, de 4,51%. O segmento contribuiu com o maior impacto negativo (-1 ponto percentual).

A queda dos transportes se deve, principalmente, à redução nos preços dos combustíveis, de 14,15%. A gasolina baixou 15,48%. O etanol, por sua vez, recuou 11,38%.

A gasolina, individualmente, contribuiu com o impacto negativo mais intenso entre os 377 subitens que compõem o IPCA (-1,04 ponto percentual).

Também foi registrada baixa nos preços do gás veicular, de 5,67%. O único combustível em alta em julho foi o óleo diesel (4,59%). O resultado ficou acima do mês anterior (3,82%).

Em junho, Bolsonaro sancionou projeto que definiu teto para a cobrança de ICMS (imposto estadual) sobre produtos e serviços como combustíveis e energia. A medida começa a gerar efeitos, segundo o IBGE.

O grupo de habitação também recuou em julho. A baixa foi de 1,05%, relacionada especialmente à queda da energia elétrica residencial, de 5,78%.

“Sim, a redução do ICMS colaborou bastante”, afirmou Pedro Kislanov, gerente da pesquisa, ao ser questionado em entrevista com jornalistas.IFrame

LEITE SALTA MAIS DE 25%

A comida, por outro lado, ficou mais cara. O grupo de alimentação e bebidas subiu 1,30%, a maior alta em julho. O segmento acelerou em relação a junho (0,80%), contribuindo com 0,28 ponto percentual para o IPCA.

Segundo Kislanov, a inflação da comida foi puxada por leite e derivados. A entressafra e os custos elevados pressionam o setor, indicou o pesquisador.

O leite longa vida saltou 25,46% em julho. Os preços já haviam subido 10,72% no mês anterior.

Derivados como queijo (5,28%), manteiga (5,75%) e leite condensado (6,66%) também avançaram. Outro destaque veio das frutas, com alta de 4,40%.

No lado das quedas, os maiores recuos de preços vieram do tomate (-23,68%), da batata-inglesa (-16,62%) e da cenoura (-15,34%).

PROJEÇÕES PARA 2022 E 2023

Com o corte de impostos, analistas vêm reduzindo as projeções para a inflação no acumulado de 2022.

A estimativa do mercado financeiro recuou para alta de 7,11%, de acordo com a mediana do boletim Focus, divulgado na segunda-feira (8) pelo BC (Banco Central).

O efeito colateral tem sido o aumento das projeções para 2023. Segundo o Focus, a alta prevista para o próximo ano subiu para 5,36%.

De acordo com analistas, a perda de receitas com tributos traz riscos para o quadro fiscal, com possíveis impactos negativos sobre a inflação mais à frente.

Para tentar conter a carestia, o BC vem subindo os juros, o que desafia a recuperação do consumo das famílias e encarece os investimentos produtivos de empresas.

O IPCA caminha para estourar a meta de inflação perseguida pelo BC pelo segundo ano consecutivo. Em 2022, o centro da medida de referência é de 3,50%. O teto é de 5%.

DISPARADA NA PANDEMIA

A inflação voltou a assustar os brasileiros devido a uma combinação de fatores ao longo da pandemia.

Houve aumentos em preços administrados, como combustíveis e energia elétrica, além de carestia de alimentos e ruptura de cadeias globais de insumos da indústria.

A pressão inflacionária no Brasil foi intensificada pela desvalorização do real em meio a turbulências na área política.

No primeiro semestre de 2022, houve o impacto adicional da Guerra da Ucrânia. O conflito pressionou ainda mais o petróleo e parte das commodities agrícolas no mercado internacional. Recentemente, esses produtos deram sinais de trégua com o temor de uma recessão global.

DEFLAÇÃO É BOM OU É RUIM? ENTENDA

Em um País como o Brasil, que lutou por anos a fio contra a hiperinflação, pensar em deflação ainda pode soar meio estranho. Mas ela dá as caras de vez em quando. Acabou de acontecer em julho, pela 15ª vez desde o início do Plano Real – a queda foi de 0,68%. Essa também foi a maior queda desde o início da série histórica do IBGE, em janeiro de 1980. Mas, afinal, o que é deflação, e qual seu impacto para a economia?

A deflação se caracteriza pela queda generalizada dos preços durante um determinado período de tempo – é o oposto da inflação. Em geral, está associada a uma queda da demanda pelos produtos, seja porque a oferta de bens e serviços cresceu mais do que a procura, seja porque os consumidores ficaram mais retraídos em relação aos gastos (preferindo elevar o nível de poupança, por exemplo).

Não é o caso da deflação brasileira em julho. Segundo os especialistas, essa é uma queda de preços, de certa forma, “artificial”, uma vez que foi provocada principalmente pela redução de impostos incidentes sobre produtos como combustíveis e energia. Não há uma queda generalizada de preços, o que caracterizaria uma deflação “clássica”.

Para os consumidores, deflação pode parecer uma coisa boa, já que significa redução de gastos e mais dinheiro no bolso. Mas uma deflação persistente não é um bom sinal quando se pensa na economia como um todo. É um sinal de debilidade da atividade econômica.

Quando há excesso de oferta de bens, ou ausência de demanda, há um aumento da capacidade ociosa na produção, e investimentos em novas fábricas, ou ampliação de linhas, por exemplo, deixam de fazer sentido. Um dos efeitos disso acaba sendo o aumento do desemprego. O remédio para combater esse quadro costuma ser o aumento dos gastos públicos, que pode levar a um endividamento maior do Estado. Ou seja, torcer para uma deflação permanente pode não ser uma boa ideia.

Veja a seguir os meses em que o País registrou deflação desde o início do Real, segundo o IBGE:

Agosto/1997: -0,02%

Julho/1998: -0,12%

Agosto/1998: -0,51%

Setembro/1998: -0,22%

Novembro/1998: -0,12%

Junho/2003: -0,15%

Junho/2005: -0,02%

Junho/2006: -0,21%

Junho/2017: -0,23%

Agosto/2018: -0,09%

Novembro/2018: -0,21%

Setembro/2019: -0,04%

Abril/2020: -0,31%

Maio/2020: -0,38%

Julho/2022: -0,68%

Fonte: Folha de São Paulo/Estadão

Foto: Helena Pontes

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