Irã vai às urnas com perspectiva de volta de linha-dura ao poder
Após vivenciar nos últimos anos dificuldades econômicas devido às sanções impostas pelos EUA, que se somam à dor da perda de um herói nacional, o general Qassim Suleimani, e ao impacto da pandemia da Covid, o Irã vai às urnas nesta sexta-feira (18) para escolher um novo presidente.
No entanto, os iranianos não parecem enxergar nas eleições um caminho para tempos melhores e por isso há perspectiva de abstenção recorde, principalmente entre eleitores de moderados e reformistas, o que deve liberar ainda mais o caminho para o retorno da linha-dura ao poder.
As eleições desta sexta —dia equivalente ao domingo para o mundo ocidental— foram mais uma vez marcadas pelo veto a candidatos pelo Conselho de Guardiães, que sofre forte influência do aiatolá Ali Khamenei, maior autoridade do país.
Foram barrados nomes importantes, como o popular ex-presidente do Legislativo Ali Larijani, o polêmico ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad e um dos atuais vice-presidentes, Eshaq Jahangiri, que era o candidato do atual mandatário Hasan Rowhani.
Essa combinação de desilusão popular e expurgo de candidatos fortaleceu a campanha do ultraconservador Ebrahim Raisi, atual chefe do Judiciário iraniano, político muito próximo a Khamenei e com um passado de repressão a opositores.
Raisi aparece nas pesquisas com cerca de 55% dos votos, enquanto seus opositores ficam sempre abaixo da linha de 10%. Por sinal, como chefe do Judiciário, é Raisi quem indica metade dos nomes do Conselho de Guardiães, que analisa as candidaturas.
Seus adversários no pleito são o moderado e ex-presidente do Banco Central Abdolnaser Hemmati, o ultraconservador e ex-comandante da Guarda Revolucionária Mohsen Rezaei e o parlamentar também ultraconservador Amir Hossein Hashemi.
O clima das atuais eleições presidenciais é bem diferente do vivido no último pleito, em 2017, que levou à reeleição de Rowhani.
O Irã vivia os benefícios do acordo nuclear firmado com os Estados Unidos e outras potências, que abriu o país para investimentos estrangeiros, e a sociedade, para novos costumes.
Os shoppings de Teerã estavam repletos de marcas ocidentais, canteiros de obras espalhavam-se pela capital e ativistas combatiam com maior afinco normas que reprimiam a liberdade das mulheres, como a proibição de assistir a jogos de futebol nos estádios.
O país, no entanto, passou a enfrentar uma dura crise econômica após a imposição de sanções pelos EUA, que deixaram o acordo nuclear. Rowhani e os patrocinadores do pacto então passaram a ser questionados.
Em janeiro de 2020, os americanos também assassinaram no Iraque o popular general iraniano Suleimani, comandante da força de elite da Guarda Revolucionária, exacerbando o sentimento conservador e anti-ocidental na parcela mais religiosa da população.
Os mais moderados e reformistas ainda foram silenciados quando os protestos de rua de 2019 e 2020 foram duramente reprimidos pelas forças de segurança.
“Os Estados Unidos e o Ocidente, com seus históricos ruins de desafio ao acordo nuclear, a resistência em levantar as sanções e a forma como se relacionam com o Irã, além do assassinato do general Suleimani, que era adorado por todos, têm um grande impacto na escolha dos iranianos nesta eleição”, afirma o analista político iraniano Mostafa Khoshcheshm, considerado próximo ao regime.
“É por isso que o senhor Raisi aparece em todas as últimas pesquisas com uma grande vantagem. E é por isso que os reformistas, que acreditam numa política de distensão com os Estados Unidos, perderam espaço na política iraniana”, diz.
Também diferentemente do pleito anterior, os moradores de Teerã relatam que a movimentação está mais calma que o normal. A proximidade das eleições é notada com os pôsteres com os rostos dos candidatos colados nos postes, mas com poucos militantes ou debates nas ruas.
“As ruas estão supertranquilas, como um dia normal aqui. Não há movimentação fora do normal, não há protestos”, afirma a brasileira Elisangela Camargo, que vive no Irã há 16 anos e é casada com um iraniano.
As pesquisas também apontam que pode haver um comparecimento às urnas de cerca de 40% do total dos eleitores aptos a votarem, muito abaixo dos 73% registrados em 2017.
Nos últimos dias, autoridades e personalidades iranianas vêm fazendo campanhas para estimular o voto.
O aiatolá Khamenei afirmou em discurso que “votar é a solução para os problemas iranianos”. Até mesmo a família do general Suleimani vem pedindo para as pessoas comparecerem.
Há receio de que um comparecimento muito baixo, de menos de 40%, possa minar a credibilidade do regime iraniano e representar “um grande boicote”, afirma o dissidente iraniano Ammar Maleki, professor da Universidade de Tilburg, na Holanda. “Também daria confiança para a parcela da população que busca uma mudança de sistema. O regime iraniano estaria mais frágil frente às pressões internas e externas.”
Analistas, portanto, preveem que a desilusão com o sistema político não vai representar uma resignação com a situação, mas um ativismo político que passa longe do sistema eleitoral. Protestos de rua, principalmente de estudantes, podem se tornar mais frequentes —e fica a dúvida se serão reprimidos com a mesma intensidade dos últimos anos.
O favorito Raisi tem um passado marcado por repressão, em sua carreira no Judiciário.
Nos anos 1980, durante a fase de perseguição e assassinatos que se seguiu à Revolução Islâmica de 1979, o então juiz teria autorizado muitas das mortes e torturas, segundo denúncias de dissidentes.
No cenário externo, a perspectiva da volta da linha-dura ao poder automaticamente liga o alerta para uma relação ainda mais conflituosa com o Ocidente, isso em um momento de potencial abertura com os EUA, devido à eleição de Joe Biden, segundo a leitura de políticos e analistas ocidentais.
Por outro lado, outros têm a visão de que o Irã, mesmo sob Raisi, vai adotar uma política externa pragmática, de negociação, ainda que por necessidade. Isso porque o país busca o fim das sanções para contornar as dificuldades econômicas.
“Não estou muito seguro de que a vitória de Raisi signifique um isolamento internacional. Não se espera que ele adote um tom radical na política exterior, porque muitos acreditam que Raisi necessita que o acordo nuclear sobreviva ou ressuscite”, afirma Luciano Zaccara, especialista em questões iranianas e professor da Universidade do Qatar.
No entanto, a retirada unilateral do acordo nuclear gerou desconfiança, e existe o sentimento na sociedade iraniana de que depende exclusivamente dos EUA a retomada dos compromissos, desde que não apresentem novas condições.
“Não vai haver um novo acordo nuclear, porque só existe um. Não importa quem vai vencer as eleições, o que vale é o JCPOA [sigla do acordo]. Os iranianos não vão fazer nenhuma concessão. Os americanos precisam voltar ao acordo e implementá-lo completamente”, afirma o analista político e professor da Universidade de Teerã Mohammad Marandí.
Com informações Folha de São Paulo