Brexit: 3 efeitos da saída da União Europeia que britânicos já sentem
Já se passaram mais de 150 dias desde que o Brexit entrou em vigor, mas, segundo especialistas, ainda é difícil medir os efeitos da saída do Reino Unido da União Europeia.
De acordo com Paula Surridge, professora da Universidade de Bristol, no Reino Unido, e vice-diretora da organização UK in a Changing Europe, do Conselho de Pesquisa em Ciências Econômicas e Sociais britânico, muitos cidadãos ainda não sentiram as diferenças.
“Um dos principais motivos para isso é que muitas das atividades em que o público em geral veria o impacto do Brexit não estão ocorrendo no momento devido à pandemia, como, por exemplo, viajar de férias pela Europa”, diz Surridge.
“Se alguém vai ao supermercado e nota que está faltando alguma fruta, legume ou verdura, não saberá se é efeito da pandemia ou do Brexit.”
Nas próximas semanas, segundo ela, quando a economia e a sociedade começarem a se abrir um pouco mais, após três lockdowns, é possível que os britânicos possam ver com mais clareza algum impacto em suas vidas da saída do bloco europeu, que foi concluída e formalizada em 31 de dezembro de 2020.
Outros especialistas concordam: por conta da pandemia, a maioria dos britânicos ainda não vivenciou as principais mudanças do Brexit. No entanto, determinados consumidores e empresas já começaram a sentir alguns efeitos.
Leia abaixo sobre três desses efeitos que já podem ser sentidos pelos britânicos:
1. Compras pela internet procedentes da UE mais caras
Algumas pessoas perceberam que as compras online feitas em lojas da União Europeia ficaram mais caras.
O jornalista da BBC Tom Edgington ressalta que isso acontece porque nem todas as taxas estão cobertas pelo acordo comercial do Brexit que foi estabelecido entre o Reino Unido e a União Europeia.
O Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que incide sobre vendas, sempre foi exigido para produtos da União Europeia, mas desde o Brexit, a forma como é aplicado mudou, conforme Edgington explica a seguir:
“Anteriormente, o consumidor pagava a taxa local do IVA.”
“Por exemplo, se você comprasse um suéter em uma loja na Suécia, você pagaria o IVA sueco. Agora você tem que pagar o britânico, que é de 20%.”
“Para qualquer produto abaixo de 135 libras (cerca de R$ 1.000), o IVA deveria ser automaticamente incluído no preço final pago na transação online.”
“A maioria dos produtos que custam mais de 135 libras agora exigem que o IVA do Reino Unido seja pago no local de entrega, pois não está mais incluído no pagamento online.”
“Por isso, se você comprar um suéter muito caro de um vendedor da União Europeia, a empresa transportadora solicitará que você pague o IVA antes de o produto ser entregue.”
“E pode ser um choque se o varejista não deixar isso claro antes de você efetuar a compra.”
“No caso de comprar em um mercado online, os pequenos vendedores agora são obrigados a cobrar o IVA do Reino Unido quando disponibilizam seus artigos em sites como Amazon, eBay ou Etsy.”
“Por isso, o custo pode aumentar quando você insere um endereço de entrega localizado no Reino Unido.”
As tarifas alfandegárias também se aplicam a mercadorias com valor superior a 135 libras.
“Não é necessário pagar taxas alfandegárias se o suéter foi fabricado inteiramente na União Europeia.”
“Mas é possível que você tenha que pagar se o vendedor da União Europeia importou originalmente de um país que não pertence à União Europeia.”
“E a mesma taxa pode ser aplicada se uma determinada porcentagem dos materiais usados para fazer a roupa vier de fora da União Europeia (no que é conhecido como regras de origem).”
“Os consumidores podem entrar em contato com o varejista antes de efetuar a compra para verificar se terão que pagar algum imposto aduaneiro.”
“Há diferentes tarifas dependendo do que é comprado, e alguns bens não têm taxas alfandegárias.”
“Antes do Brexit, o imposto teria sido pago por quem primeiro o importou para a União Europeia e, em seguida, poderia ser transportado para outros países da União Europeia, incluindo o Reino Unido, sem mais encargos.”
Edgington explica que qualquer presente procedente da União Europeia no valor de mais de 39 libras (R$ 290) está sujeito a IVA.
Se um amigo comprar um presente diretamente de um varejista alemão e solicitar que seja entregue a alguém no Reino Unido, é provável que o entregador solicite ao destinatário o pagamento do IVA ou dos direitos alfandegários devidos.
Mas a pessoa que envia o presente pode perguntar ao vendedor ou à transportadora se pode pagar antecipadamente, o que é conhecido como entrega com direitos pagos, para evitar o possível constrangimento de o destinatário ter de pagar para receber o presente.
2. Fim do ‘imposto sobre absorvente’
A eliminação do IVA sobre absorventes higiênicos foi “o primeiro ‘dividendo’ do Brexit, anunciado pelo chanceler Rishi Sunak em 1º de janeiro, um dia após o fim do período de transição”, observa o jornalista da BBC Adam Fleming.
Os defensores dos direitos das mulheres lutavam há anos pelo fim do imposto, que representava um aumento de 5% no preço desses produtos.
Era uma lei controversa porque o IVA aplicado a estes artigos sanitários fazia com que fossem classificados como “artigos de luxo”, algo que muitos consideravam “sexista”.
“Estou orgulhoso por hoje estarmos cumprindo nossa promessa de eliminar o imposto sobre os absorventes. Os produtos sanitários são essenciais, por isso é correto que não cobremos IVA”, declarou Sunak.
O governo indicou que foi capaz de tomar a medida porque não estava mais sujeito às regras da União Europeia sobre produtos sanitários graças ao Brexit.
3. Mais ‘papelada’: o ponto de vista dos empresários
“A nova relação comercial do Reino Unido com a União Europeia pode ter apenas alguns meses. Mas algumas empresas estão lutando para se adaptar ao novo cenário comercial fora da união aduaneira e do mercado único”, diz Lora Jones, jornalista de negócios da BBC.
Jones conversou com três empresários britânicos de diferentes setores.
Ben Taylor e Alice Liptrot fundaram a Country of Origin, uma empresa de artigos têxteis que emprega quatro pessoas e vende roupas no atacado para lojas independentes e clientes online.
De acordo com Ben, cerca de um terço das vendas são feitas para clientes na União Europeia.
“Mas desde o fim de janeiro, (o negócio) reduziu.”
Ben conta que a empresa se viu em meio a uma “emboscada administrativa” ? e que em cerca de 80% dos pedidos enviados para o bloco europeu, após o Brexit, os clientes tiveram que pagar taxas adicionais.
Um cliente da Holanda foi solicitado a pagar 100 euros (R$ 635) adicionais em seu pedido, de acordo com Ben, devido a “tarifas governamentais”, sem maiores explicações por parte dos agentes alfandegários.
Steve Howell e sua empresa Foodlynx vendem salsicha, bacon e pão britânicos para hotéis e restaurantes da União Europeia.
Normalmente, ele enviava um ou dois caminhões por semana ? e até seis durante a alta temporada no verão.
Mas a empresa sofreu um atraso de três dias no único envio feito desde o Brexit.
O caminhão foi retido no porto de Le Havre, na França, quando funcionários da alfândega questionaram se os certificados de alguns produtos de origem animal haviam sido preenchidos corretamente.
E foi transferido para uma unidade de armazenamento refrigerado próxima enquanto o problema era resolvido.
Cobraram 3.914 euros (R$ 24.930) a Steve por gastos administrativos e de armazenamento.
Embora estatísticas recentes mostrem que as exportações do Reino Unido para a União Europeia caíram significativamente em janeiro, Steve acredita que há outros fatores envolvidos.
“A demanda diminuiu devido à covid no ano passado e, além disso, assim como muitos outros (empresários), aconselhamos nossos clientes a estocar antes do Natal para evitar esse tipo de atraso.”
“Agora os clientes estão ficando sem estoque e ainda estamos lutando com a papelada, as novas regulamentações de rótulo e o cumprimento (das regras).”
“O objetivo (do Brexit) era retomar o controle do nosso país”, diz Steve. “Fomos bem-sucedidos em fazer exatamente o contrário, porque os exportadores britânicos estão completamente derrotados.”
Martyn Wilson criou seu negócio de peças de reposição para automóveis clássicos há 12 anos ? e cerca de 60% dos pedidos são enviados para a União Europeia.
A Citroen Classic Car Parts normalmente despacha 130 itens por mês, mas as dificuldades logo apareceram.
“Para os serviços de entrega, tenho que fornecer os dados de contato dos clientes e, muitas vezes, preciso escrever para eles em francês e alemão para conseguir, o que é um drama com o qual nunca tivemos que lidar antes”, diz Wilson.
Algumas mercadorias enviadas para a Itália, por exemplo, nunca chegaram, e outras foram devolvidas porque os clientes não pagaram as taxas adicionais.
“Certamente nos impactou do ponto de vista mental. É muito estresse adicional, e você fica constantemente tentando cumprir os prazos, tentando obter boas avaliações dos clientes e garantir que os produtos sejam entregues.”
“Vou seguir adiante da melhor maneira possível e talvez isso me leve a pensar um pouco fora da caixa.”
“Pode ser bom para nós no longo prazo, mas estamos atravessando o limiar da dor.”
O que dizem os números?
Em 12 de abril, as Câmaras de Comércio do Reino Unido divulgaram uma pesquisa realizada com 2,9 mil exportadores britânicos, mostrando que 41% das empresas haviam registrado queda nas vendas de exportação no primeiro trimestre.
Os entrevistados citaram o Brexit e o impacto da covid-19 como as principais causas dos problemas comerciais.
“Pedimos ao Reino Unido e à União Europeia que voltem à mesa (de negociação) e apresentem soluções que reduzam as barreiras comerciais e deem aos exportadores uma chance de ganhar”, afirmou a codiretora executiva da organização, Hannah Essex, em um comunicado.
“As dificuldades que os exportadores enfrentam não são apenas ‘problemas iniciais’. São questões estruturais que, se deixadas sem solução, podem levar a um enfraquecimento de longo prazo e potencialmente irreversível do setor de exportação do Reino Unido”, acrescentou.
Um mês antes, em 12 de março, o Escritório Nacional de Estatísticas havia informado que as exportações de mercadorias do Reino Unido para a União Europeia haviam caído 40,7% em janeiro, enquanto as importações baixaram 28,8%.
A organização indicou que isso provavelmente se devia a fatores temporários, acrescentando que os dados mostravam que as coisas haviam começado a melhorar.
O fato é que é difícil determinar quanto dessa queda foi em decorrência do Brexit e da pandemia.
“Parte da queda tanto nas importações quanto nas exportações pode ser atribuída ao fato de que as empresas de ambos os lados do Canal (da Mancha) haviam estocado produtos antes do fim do período de transição do Brexit, de modo que não precisaram movimentar tantas mercadorias em janeiro”, observou o jornalista da BBC Andy Verity em março.
“Outra parte também se deve à pandemia e, em alguns setores, é difícil separar a queda de qualquer efeito do Brexit.”
“Mas, como ressaltam os economistas, não se trata de amenizar uma queda de 40,7% nas exportações de mercadorias para a União Europeia em janeiro, nosso primeiro mês sob o novo acordo comercial negociado por Boris Johnson e assinado na véspera do Natal.”
‘Voltaram aos níveis normais’
Um porta-voz do governo declarou: “Uma combinação única de fatores, incluindo a acumulação de estoque no ano passado, os lockdowns por covid na Europa e as empresas que estão se ajustando à nossa nova relação comercial, tornaram inevitável que as exportações para a União Europeia fossem mais baixas em janeiro deste ano do que no passado”.
“Esses dados não refletem a relação comercial geral entre a União Europeia e o Reino Unido após o Brexit e, graças ao trabalho árduo das transportadoras e comerciantes, os volumes gerais de carregamentos entre o Reino Unido e a União Europeia voltaram a seus níveis normais desde o início de fevereiro.”
É verdade, o comércio entre o Reino Unido e a União Europeia se recuperou naquele mês, mas parcialmente.
Os números oficiais mostram que as exportações para o bloco europeu aumentaram 46,6%
Mas o Escritório Nacional de Estatísticas informou que ainda estavam abaixo dos níveis do ano passado e que as importações da União Europeia apresentaram uma recuperação mais fraca.
(Com informações BBC News)