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Volta de Lula traz alívio e otimismo a ambientalistas

Deutsche Welle – Entre cientistas e representantes de organizações socioambientais brasileiras, a sensação é de alívio com a futura volta de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência. Na corrida eleitoral contra o atual mandatário Jair Bolsonaro (PL), Lula apresentou propostas para recuperar a agenda e o protagonismo no campo ambiental, que foram reafirmadas em seu discurso logo após a vitória, no último domingo (30/10).

“O Brasil está pronto para retomar o seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a Floresta Amazônica […] Agora, vamos lutar pelo desmatamento zero da Amazônia. O Brasil e o planeta precisam de uma Amazônia viva”, disse Lula.

“Foi um discurso inovador. Lula promete zerar o desmatamento, é a primeira vez que ele faz isso. Em mandatos passados, a conversa era sobre reduzir”, destaca Carlos Nobre, climatologista aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e  pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista à DW.

Quando assumiu seu primeiro mandato, em 2003, Lula herdou uma série crescente de desmatamento da Amazônia. No ano seguinte, com Marina Silva à frente do Ministério de Meio Ambiente, a criação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (Ppcdam) freou o ritmo de destruição da floresta.

De 2004, quando o plano foi criado, até o fim do segundo mandato de Lula, em 2010, a redução da devastação foi de 73%. A taxa despencou de 25,4 mil km², em 2003, para 7 mil km². O menor índice histórico registrado foi no governo de Dilma Rousseff, em 2012, com 4,6 mil km².

Quando Bolsonaro assumiu o poder, em 2019, o desmatamento já apresentava tendência de alta. Mas durante seus quatro anos de mandato, a taxa medida anualmente pelo Inpe disparou: foi de 7,5 mil km² para 13 mil km², uma alta de 73%.  

“Desmonte sem precedente”

Na visão de Suely Araújo, ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, será mais complicado gerenciar o desmatamento agora do que foi em 2004, quando o Ppcdam foi concebido.

“Será preciso refundar o Estado em certas partes do território da Amazônia. Agora, as organizações criminosas estão mescladas com crimes ambientais”, comenta Araújo. “O governo Bolsonaro deixa como herança um cenário de terra arrasada, foi um desmonte sem qualquer precedente histórico”, adiciona.

Em seu discurso da vitória, Lula afirmou: “Vamos retomar o monitoramento e a vigilância da Amazônia, e combater toda e qualquer atividade ilegal – seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida.”

O compromisso com o combate ao desmatamento, ao garimpo e à grilagem de terras são sinalizações da futura administração que merecem destaque, avalia Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). “Será, no entanto, de difícil implementação. O combate ao crime ambiental vai estar mais associado a outros crimes, como lavagem de dinheiro e sonegação. Será preciso mais trabalho de inteligência para ‘secar’ o dinheiro desse crime organizado”, pontua.

Desenvolvimento sustentável

Ciente da dificuldade da realização de algumas propostas de Lula, Renata Piazzon, secretária executiva da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia e diretora do Instituto Arapyaú, fala em alívio por “voltar a ouvir o mínimo” de um presidente eleito, em referência ao primeiro discurso de Lula após os resultados das eleições.

“A prioridade total deve ser a retomada da agenda de comando e controle. Sem isso não há combate ao desmatamento. É preciso fortalecer os órgãos e as instituições”, diz Piazzon.

Fundada em 2020, a iniciativa acaba de publicar um documento em que reúne 14 propostas para serem adotadas nos primeiros 100 dias de governo. “Não será possível  transformar essa agenda em política de Estado se a gente não olhar para as 28 milhões de pessoas que vivem na Amazônia. Por isso as propostas vão além da questão ambiental, são pautadas na inclusão social e desenvolvimento econômico”, detalha Piazzon.

Os jovens que vivem na Amazônia não podem ser esquecidos pelo novo governo, adiciona Barreto. “A população jovem aqui é proporcionalmente maior que em outras regiões e há poucas oportunidades econômicas. É preciso pensar em atividades de capacitação para esse público, transformar esse bônus demográfico em dividendo econômico”, sugere o pesquisador do Imazon, baseado no estado do Pará.

Ao discursar no domingo, Lula prometeu promover o desenvolvimento sustentável das comunidades que vivem na região amazônica. “Vamos provar mais uma vez que é possível gerar riqueza sem destruir o meio ambiente”, disse.

Dificuldades no campo

Para muitos cientistas, a ideia dominante é de que o obstáculo maior no caminho foi removido, com a saída de Bolsonaro representando o fim do negacionismo da ciência nas instituições públicas e a volta do diálogo.

Com um Congresso mais conservador, o andamento da agenda ambiental e climática vai depender bastante do nome escolhido para assumir o Ministério da Agricultura. Isso será determinante para conservar o que resta de Cerrado, segundo maior bioma brasileiro e que responde por 12% da produção de soja do mundo e 10% da carne bovina exportada no globo.

“Ainda há um longo caminho a ser percorrido para inserir o Cerrado nos acordos internacionais que não aceitem produtos vindos de áreas desmatadas. A dificuldade será grande, já quea região Centro-Oeste, importante produtora de grãos, foi um espaço forte de votos bolsonaristas”, cita Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB), líder de um estudo recente que mostrou que o desmatamento já provocou o aquecimento de até 3,5 °C no Cerrado.

A volta da atuação de conselhos participativos revogados durante o governo Bolsonaro também é aguardada. Bustamante diz que essa pequena peça no tabuleiro está barrando processos importantes. “O Fundo Nacional de Repartição de Benefícios, que já tem recursos depositados pela indústria, não consegue repassar dinheiro às comunidades indígenas beneficiadas porque a Funai simplesmente não indica representantes indígenas para o comitê. E, sem isso, não tem como prosseguir”, cita como exemplo.

Em seu discurso da vitória, Lula afirmou seu compromisso com os povos indígenas, os demais povos da floresta e a biodiversidade.

Ministério indígena e sociedade vigilante

Carlos Nobre nomeia ainda outro ponto que considera inovador nas declarações do presidente eleito: “É a primeira vez que se fala na criação de um Ministério dos Povos Originários. Isso é dar poder político aos indígenas do Brasil. Isso é brilhante, lembrando que temos mais de 300 povos no país”, ressalta, em referência à fala de Lula na Avenida Paulista.

Ao discursar a uma multidão no coração de São Paulo, o petista disse: “A minha resposta para os indígenas é que vamos criar o Ministério dos Povos Originários, para que eles nunca mais sejam desrespeitados, para que eles nunca mais sejam tratados como cidadão de segunda categoria.”

Dinaman Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) diz que a expectativa é que o novo governo implemente tudo o que foi dialogado no período prévio à eleição, para além da criação do ministério.

“Nós precisamos de orçamento para demarcação das terras indígenas. Sem isso, não há aplicação de políticas públicas. A ideologia bolsonarista, de racismo institucional, precisa ser ceifada das instituições”, afirma Tuxá.

Com a volta de Lula, os povos indígenas esperam que o governo iniba as invasões das terras, aumente a fiscalização e penalize os criminosos ambientais. “[Sob Bolsonaro], foram quatro anos de muitas violações, retrocessos, enfraquecimento dos nossos direitos. Agora voltamos a ter esperança”, comenta Tuxá.

Apesar do clima de otimismo, de retorno à normalidade e valorização da agenda ambiental, a sociedade civil vai se manter crítica, afirma Suely Araújo. “Vamos cobrar o próximo governo para que as promessas de campanha se tornem realidade.”

Por Nádia Pontes/WD Brasil

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