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Rússia intensifica ataques na Ucrânia, e observadores acusam uso de bombas de fragmentação

Depois de uma madrugada de mais explosões em diferentes partes da Ucrânia nesta segunda-feira (28), as atenções no quinto dia de guerra voltaram-se a Gomel, pequena cidade da Belarus que recebeu enviados dos presidentes Vladimir Putin e Volodimir Zelenski em uma mesa de negociação.

Moscou e Kiev concordaram no domingo em se sentar para negociar, e o governo da Ucrânia chegou a dizer que a ofensiva russa contra suas principais cidades diminuiu o ritmo. Mas os relatos de ações militares brutais em cidades como Kiev e Kharkiv, as maiores da Ucrânia, continuam se acumulando.

Ao menos 11 pessoas morreram nesta segunda durante bombardeios em Kharkiv, segundo informações de Oleh Sinehubov, chefe da Administração Estatal Regional da cidade. Ele, no entanto, diz que as mortes podem chegar a dezenas.

Segundo Sinehubov, as forças russas estão atacando áreas residenciais de Kharkiv, onde não há posições do Exército ucraniano ou infraestrutura estratégica. “Isso está acontecendo à luz do dia, quando as pessoas vão à farmácia, para fazer compras ou beber água. É um crime”, disse.

Grupos de direitos humanos, como as ONGs Human Rights Watch (HRW) e Anistia Internacional, apontam ainda que a Rússia está usando bombas de fragmentação nos ataques a territórios ucranianos. Esse tipo de munição libera projéteis menores no ato da explosão, amplificando a área de dano e, por consequência, o risco de mortes e ferimentos.

Além disso, alguns desses projéteis podem ser como pequenas bombas que, se não detonadas de imediato, tornam-se, na prática, uma espécie de mina terrestre —prolongando, portanto, o tempo de exposição aos riscos nas áreas atingidas.

“Este ataque ilustra claramente a natureza inerentemente indiscriminada das munições de fragmentação e deve ser inequivocamente condenado”, disse Mark Hiznay, diretor associado da divisão de armas da HRW, em entrevista ao jornal americano Washington Post.

Em 2008, governos nacionais e entidades como a Organização das Nações Unidas e a Cruz Vermelha formaram uma coalizão que, entre outros protocolos, decidiu por proibir o uso, a produção, o transporte e o armazenamento das bombas de fragmentação.

De acordo com a última versão do relatório anual da coalizão, Rússia, Ucrânia e Estados Unidos, protagonistas do conflito vigente, estão entre os países que não aderiram às diretrizes contra as bombas de fragmentação. O Brasil também não é signatário e aparece no documento como um dos 16 produtores mundiais desse tipo de munição.

A guerra na Ucrânia segue, portanto, ativa. Nas negociações da Belarus, havia a possibilidade de que, a depender das condições do Kremlin, Zelenski poderia acabar assinando sua rendição. O gabinete do líder ucraniano, porém, afirmou que o objetivo era buscar um cessar-fogo e a retirada das tropas russas.

Inicialmente, o presidente rejeitou a iniciativa. Em um pronunciamento, disse que seria possível conversar na Belarus se os russos não tivessem usado a ditadura aliada como uma das bases para seu ataque —justamente contra Kiev, a menos de 200 km da fronteira sul belarussa.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, não disse o que a delegação de seu país exigiria. Nesta segunda, afirmou que Moscou está interessado em chegar a um acordo e lamentou que a negociação não tenha começado ainda no domingo. Já o chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba, afirmou que a Rússia aceitou o encontro sem precondições, o que seria resultado da resistência imposta pelo país aos invasores.

Na manhã desta segunda (madrugada em Brasília), o Ministério das Relações Exteriores da Belarus publicou nas redes sociais a foto de uma grande mesa com bandeiras russas e ucranianas em sinal de que estava pronto para receber as delegações dos dois países em conflito.

A comitiva ucraniana chegou a Gomel poucas horas depois. Antes, Zelenski publicou um vídeo em que pedia aos militares russos que entreguem suas armas. “Abandonem seus equipamentos. Não acreditem em seus comandantes, não acreditem em seus propagandistas. Salvem suas vidas”, disse ele, em russo.

O governo ucraniano afirmou, mais cedo, que Kiev apresentava um cenário mais tranquilo, diferente do visto nos últimos dias, quando a ofensiva russa cercou a cidade. Ainda assim, o Reino Unido diz que forças de Moscou permanecem 30 km ao norte e são contidas pelos ucranianos que defendem Hostomel.

Os combates também continuam em Chernihiv, no norte, onde um prédio residencial foi atingido por um míssil, o que causou um incêndio. Na região, o aeroporto de Jitomir também foi alvo durante a madrugada, segundo as forças de Kiev. O lançamento teria sido feito da Belarus, apesar de o país ter dito que não permitiria ataques a partir do seu território, em meio à expectativa da negociação entre as comitivas.

Segundo a imprensa ucraniana, os militares do país atribuíram uma eventual queda no ritmo da ofensiva à própria resistência. “Todos os esforços russos para ocupar [Kiev] falharam”, disseram as Forças Armadas. O discurso foi corroborado pelo Ministério da Defesa do Reino Unido, segundo o qual “falhas logísticas e a firme resistência ucraniana continuam a frustrar o avanço” de Moscou.

Por outro lado, o Ministério da Defesa da Rússia afirmou ter tomado as cidades de Berdianski e Enerhodar, além da planta nuclear de Zaporijchia, segundo a agência de notícias Interfax. As autoridades locais ucranianas relataram ainda combates em Mariupol, mas Kiev nega ter perdido o controle da usina nuclear.

Além da conversa em Gomel, outro diálogo aguardado nesta segunda é o do presidente americano, Joe Biden, com aliados dos EUA para “coordenar uma resposta unida”, segundo a Casa Branca divulgou na noite de domingo. O governo do democrata não deu detalhes sobre quem participaria do encontro, previsto para as 11h15 em Washington (13h15 em Brasília), mesmo horário em que a Assembleia-Geral da ONU debate uma resolução para condenar a invasão russa.

Uma medida do tipo já foi vetada por Moscou no Conselho de Segurança. Assim, na prática, a resolução serviu apenas para que os países mostrassem seu descontentamento com a iniciativa de Vladimir Putin sem gerar ações imediatas. O Ocidente tem adotado diversas medidas para reagir a Moscou, com sanções que incluem a proibição do uso do espaço aéreo por aeronaves do país e a desconexão de bancos russos do sistema internacional de transferências financeiras.

As sanções já levaram a uma queda de 15% do rublo em relação ao dólar e ao euro na abertura do mercado em Moscou nesta segunda, e a moeda só não caiu mais porque o Banco Central russo interveio.

Neste domingo, o G7 também ameaçou a Rússia com novas medidas, e o secretário de Estado dos EUA, ​Antony Blinken, garantiu que o grupo das principais economias do mundo estava “totalmente alinhado” contra a invasão da Ucrânia. As críticas aumentaram após Putin colocar suas forças nucleares em alerta —o governo britânico, no entanto, não viu grandes mudanças na postura nuclear russa.

Nesta segunda, o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, disse que o bloco não iria se engajar em uma escalada em reação à atitude do mandatário russo. O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, afirmou, porém, que a UE irá debater o ingresso da Ucrânia, o que pode alimentar as tensões. Zelenski pediu o acesso imediato ao bloco europeu sob um procedimento especial.​

A neutralidade da Ucrânia é o ponto principal das demandas feitas por Putin. O russo quer evitar que Kiev integre a Otan, a aliança militar ocidental, e, por tabela, a União Europeia.

Folha de  São Paulo, com Reuters e AFP

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