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Por que a ultradireita ganha terreno na Alemanha?

Políticos alemães e a imprensa estão mais uma vez preocupados com a ascensão do populismo de ultradireita no país depois que duas votações locais no leste da Alemanha foram vencidas pela Alternativa para a Alemanha (AfD), o partido de ultradireita alemão mais bem-sucedido desde a Segunda Guerra.

Na noite deste domingo (02/07), Hannes Loth, da AfD, derrotou o candidato independente Nils Naumann na pequena cidade de Raguhn-Jessnitz, no estado de Saxônia-Anhalt, se tornando o primeiro prefeito da AfD na Alemanha.

Isso ocorre uma semana depois que Robert Sesselmann se tornou o primeiro membro da legenda a conquistar um posto de administrador distrital, em Sonneberg, no estado da Turíngia, também no leste alemão, derrotando um candidato conservador da tradicional União Democrata Cristã (CDU).

Embora os dois distritos sejam relativamente pequenos, os resultados são considerados significativos porque confirmam uma tendência nas pesquisas nacionais: o partido de ultradireita agora está com cerca de 20% de aprovação dos eleitores alemães, mesma parcela de popularidade dos social-democratas do chanceler federal alemão, Olaf Scholz.

Entretanto, os analistas políticos não concordam sobre a causa dessa nova ascensão. Alguns argumentam que as recentes disputas internas no governo, particularmente sobre as leis de proteção do clima, não ajudaram. Segundo uma pesquisa recente, apenas 20% do eleitorado afirmou estar satisfeito ou muito satisfeito com a atual coalizão tríplice de governo. Outros 79% afirmaram estarem menos satisfeitos ou nada satisfeitos.

“A política do governo alemão está perturbando as pessoas”, avalia Ursula Münch, diretora da Academia Tutzing de Educação Política na Baviera. “Os eleitores que também estavam insatisfeitos com a política em geral agora estão sendo mobilizadas cada vez mais pela AfD.”

Opiniões racistas

Um estudo divulgado na semana passada pela Universidade de Leipzig sugere uma explicação mais simples, embora mais perturbadora: muitos eleitores alemães, particularmente no leste do país, têm opiniões racistas.

Igualmente alarmantes foram os resultados de outra pesquisa, divulgada em 29 de junho, que descobriu que o sentimento populista da AfD está ganhando mais apoio entre os alemães de classe média. O estudo em andamento, do Sinus Institute for Social Research, descobriu que o segmento de classe média dos eleitores da AfD cresceu de 43% há dois anos para 56% agora.

Além disso, há sinais de que a base de eleitores da AfD está se ampliando. A pesquisa constatou que os eleitores da legenda neste segmento não são apenas o que o Sinus chama de classe média “conservadora e nostálgica”, mas também a classe média “adaptativa-pragmática” – em outras palavras, quem muda suas preferências políticas de acordo com o que está acontecendo no momento.

Friedrich Merz
Presidente da CDU, Friedrich Merz, tem sido criticado por falas populistasFoto: Kay Nietfeld/dpa/picture alliance

“O que estamos vendo atualmente é que as classes médias mais jovens e modernas, que na verdade são mais bem educadas, também estão demonstrando afinidade com a AfD”, ressalta Silke Borgstedt, diretora do Sinus Institute, à DW. “Embora ainda não possamos dizer se isso ocorre porque os outros partidos não montam um programa apropriado ou se é uma decisão consciente.”

Quão populistas os políticos precisam ser?

O chanceler Scholz insiste que a ascensão da AfD não tem nada a ver com problemas em seu governo, mas o partido que provavelmente enfrenta o maior dilema é a CDU, de centro-direita, que, apesar de liderar as pesquisas, está tendo dificuldade em ganhar mais popularidade em cima das disputas da coalizão de governo alemã.

O presidente da CDU, Friedrich Merz, foi forçado a recuar de sua promessa, feita em 2019, de que reduziria pela metade a base eleitoral da AfD, mas sua retórica permaneceu obstinadamente mais antiesquerda do que antidireita durante sua liderança.

Mesmo após os recentes sucessos da AfD, Merz declarou no início desta semana que os verdes continuam sendo o “principal oponente” da CDU, apesar do fato de a CDU estar em coalizão com o partido ambientalista em seis dos 16 governos estaduais da Alemanha.

Ursula Münch não tem certeza se simplesmente atacar os verdes é a melhor estratégia da CDU, mas ela acredita que a última coisa que os partidos tradicionais devem fazer é construir um muro em relação à ultradireita, recusando-se a abordar certas questões, como a imigração. “Acho importante que essas legendas tentem competir em política com a AfD”, afirma. “Eles não deveriam simplesmente recuar e dizer: ‘esse é um partido de extrema direita, não queremos ter nada a ver com eles’.”

Tentações do populismo

Os políticos conservadores da Alemanha estão divididos sobre a linha a seguir: alguns evitaram a retórica emotiva em favor de tentar se apresentar como um partido responsável, com perfil para governar, enquanto outros tiveram sucesso considerável.

Hubert Aiwanger fala durante conferência de imprensa
Hubert Aiwanger, chefe dos Eleitores Livres, é particularmente popular nas áreas rurais da BavieraFoto: Frank Hoermann/SvenSimon/picture alliance

Hubert Aiwanger, chefe do partido populista de direita (mas não de ultradireita) Freie Wähler (Eleitores Livres) no rico estado da Baviera, no sul, é um exemplo notável. Como ministro da Economia da Baviera e líder do parceiro minoritário da coalizão de governo do estado, junto com a conservadora União Social Cristã (CSU), Aiwanger recentemente causou furor quando disse a uma multidão que se manifestava contra as políticas climáticas do governo federal: “Agora chegou o ponto quando a grande maioria silenciosa deste país deve retomar a democracia.”

Isso desencadeou pedidos por sua renúncia, mas Aiwanger insistiu que seu discurso era uma defesa do centro democrático. “Se não fosse por mim, este país estaria ainda mais polarizado”, disse ele ao jornal Die Zeit, apontando que a AfD bávaro só consegue 10% nas pesquisas de opinião – metade da média nacional.

Ameaça à democracia?

Particularmente preocupante para muitos é tantos eleitores alemães parecerem não se deixar intimidar não apenas pelo racismo muitas vezes declarado da AfD, mas também pelo fato de que o partido está sob vigilância como uma ameaça potencial à ordem constitucional do país: o Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV), a agência de inteligência doméstica alemã que rastreia extremistas, classificou certas alas da AfD como extremista de direita e a AfD em geral como um “caso suspeito”.

Mas, de acordo com Münch, muitos alemães – especialmente, mas não apenas no leste da Alemanha – mantêm uma atitude crítica em relação ao BfV. Em uma coletiva de imprensa recente, o presidente do BfV, Thomas Haldenwang, pareceu sugerir que os alemães deveriam pensar duas vezes antes de votar na AfD. “Esse não é o trabalho do BfV”, repreendeu Münch. “Aos olhos dos eleitores da AfD, posições como essa deslegitimizam o BfV – especialmente no leste da Alemanha. Eles dizem: ‘Bem, já tivemos experiência suficiente com a Stasi [serviço secreto do regime comunista da Alemanha Oriental de 1949-1990], vencemos não deixe ninguém prescrever para nós o que é certo e errado’.”

Mas será que a AfD está na moda neste momento? Silke Borgstedt, da Sinus, está confiante de que, apesar dos números atuais, os principais partidos alemães ainda não precisam entrar em pânico. “Há uma base de ultradireita e há uma parte de eleitores que são fortemente influenciados pelo humor atual e reagem a ele”, diz ela. E o clima pode mudar antes das próximas eleições gerais de 2025.

Fonte: Deutsche Welle 

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