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Haiti: Solução dos problemas vai depender dos haitianos, diz general

ONU News, ON: O senhor esteve como comandante da força internacional das Nações Unidas entre 2007 e 2009. Durante a sua supervisão, o lugar que era considerado o mais perigoso do mundo, a comuna de Cité Soleil, teve as gangues ou sua atuação reproduzida. Trabalhou com situações de estabilização na República Democrática do Congo e há pouco tempo também numa missão sobre a Ucrânia. Agora vamos falar deste país caribenho, um tema com o qual o Brasil tem estado em contato e, de alguma forma, sofre consequências da instabilidade. O que é que passa e o que acompanha sobre o Haiti? 

General Santos Cruz, GSC: A situação no Haiti é uma situação crônica. Quando a gente acompanha a história do Haiti, nós vemos a quantidade de intervenções que já foram feitas, de missões internacionais que foram para o Haiti. Então, a situação é recorrente. De tempos em tempos ela se agrava, e novamente surge essas necessidades e essas ideias de ações internacionais de auxílio ao Haiti. 

Tem que se entender o que é que essas missões podem fazer pelo Haiti. No caso das Nações Unidas, de toda a colaboração de outros países, a União Europeia que têm estado sempre presentes, incluindo a Organização dos Estados Americanos também. O que é possível que elas façam? O que é possível para os organismos internacionais para a redução da violência de origem política. Não da violência e de segurança pública, mas a redução da violência de origem política. É impossível com força, com a polícia e militares, fazer a redução da violência. É possível o apoio técnico ao governo. O terceiro ponto é sempre os organismos internacionais conseguem catalisar auxílio financeiro faz três coisas é um grande erro se esperar que os organismos internacionais das Nações Unidas vão levar uma solução para o Haiti. Não vão. Vão levar esses três apoios. E a solução dos problemas haitianos vai depender dos próprios haitianos.

ON: E quão difícil é que pode ser uma intervenção internacional, agora que se está falando de uma força não coordenada pelas Nações Unidas?

GSC: Em primeiro lugar, qual seria esse organismo que iria coordenar essa força e que não sejam as Nações Unidas. Tem que ver qual é o amparo, qual é o prestígio desse outro organismo. Porque a ONU tem uma estrutura muito grande, a ONU tem experiência, tem o seu funcionamento, tem o seu orçamento específico. Quando ela faz uma missão ela não fica dependendo de dações. Ela faz o seu orçamento anual. Então, tem que ver e estudar muito bem uma organização que tem essas características. E que tenha a respeitabilidade que tem a ONU. 

A dificuldade é de ter esse prestígio político internacional para fazer uma intervenção num país. O Conselho de Segurança tem essa autoridade de aprovar que não sei de outra organização teria.

ON: A ideia é que o Conselho dê luz verde à operação internacional.

GSC: Tem que dar, porque o Conselho tem essa autoridade. e outras organizações não têm essa autoridade. Então tem que estar debaixo do guarda-chuva da ONU. Outra coisa é o parâmetro que vai ser seguido para essa missão. Os parâmetros que veem sendo seguidos já estão desgastados. O modelo de missão para o Haiti já está desgastado. 

De tantas interferências sem resultado político já estão desgastados os modelos utilizados. Agora tem que estudar um modelo que realmente tenha parâmetros e os que eu vejo, o principal parâmetro, é a responsabilização. 

Uma missão vai ter os seus objetivos, vai ter o seu orçamento, vai ter o seu trabalho, mas ela tem que coordenar isso com as ações do governo haitiano: o que é que o governo haitiano está fazendo e que quer atingir? Porque o principal de tudo não é a missão que vem do exterior. O principal é o comportamento do governo. 

Homicídios e sequestros aumentaram dramaticamente no Haiti, particularmente na capital, Porto Príncipe
Unicef/U.S. CDC/Roger LeMoyne – Homicídios e sequestros aumentaram dramaticamente no Haiti, particularmente na capital, Porto Príncipe

ON: E na questão da operação no local, o que se esperaria, general?

GSC: Na parte operacional é muito importante que aqueles elementos internacionais que vão participar da operação tenham duas coisas: que eles tenham uma capacidade muito forte de inteligência operacional, porque vão combater gangues e criminosos que vivem no meio da população. E não se pode causar mais sofrimento para a população haitiana. Então, essa separação de quem é quem precisa ser feita por gente bastante especializada em inteligência. As equipes precisam ser muito fortes em inteligência operacional. Elas precisam, desde o início, ter um ótimo relacionamento com a polícia e as autoridades haitianas, elas são os conhecem em profundidade os problemas do país. Essas duas coisas capacidade: a capacidade e inteligência operacional e uma grande capacidade de relacionamento e de operações conjuntas com a polícia haitiana. 

ON: Se tivesse a oportunidade de deixar um recado para o comandante que vai supervisionar esta força internacional, que não é das Nações Unidas, qual seria? 

GSC: Eu não tenho conselhos aos comandantes porque acredito que as pessoas vão chegar muito bem preparados. Todos os países escolhem os representantes, querem seus países bem representados. Então mandam boas pessoas e fazem tratamentos para essas pessoas. Mas é fundamental que essas pessoas, desde que são designadas, elas entendam contexto e que entendam que não vão lá só para combater a criminalidade. Você vai lá para dedicar a sua vida, o seu coração, o seu idealismo, você vai dedicar ao povo haitiano. Combater os criminosos é a parte mais fácil. 

Você tem que estar o tempo todo conectado com o comando da missão para verificar o que está sendo levado de benefício ao povo. Então, a gente vai numa missão dessas não só pela parte operacional. A gente vai com o coração pela população. Essa é a grande motivação. 

ON: Algo mais a dizer para fechar? O vê no Haiti depois de ter, como diz há muito tempo, limpado Cité Soleil (do crime), um lugar considerado o mais perigoso do mundo. Hoje a situação se ampliou para outras áreas do país, o que diria sobre o país agora? 

GSC: Eu diria que há necessidade de uma missão internacional estar muito bem coordenada com parâmetros de responsabilização e das iniciativas do governo local. O que vai resolver o problema é o comportamento do governo local. Não é exatamente a missão. A missão vai apoiar em alguns fatores, mas a solução vai depender da performance local. Isso precisa ser muito bem definido. Qual é a contrapartida de performance do governo local?

ON: General, muito obrigado por essa entrevista à ONU News.

GSC: Muito obrigado

Fonte: ONU News – Imagem: Monusco/Sylvain Liechti

 

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