‘Filho 05 de Bolsonaro’ – Ciro usa indevidamente fundo partidário em campanhas para prefeito e governador
“Cacique neobolsonarista, Ciro Nogueira destina maior fatia do fundo eleitoral do Progressistas às eleições municipais no Piauí e pavimenta sua candidatura em 2022”, denuncia Revista Piauí, da Folha de São Paulo, em reportagem assinada pela jornalista Thais Bilenky.
Veja na íntegra
Em um ginásio esportivo fechado, decorado com balões verdes e azuis e faixas com fotos de candidatos, uma pequena multidão ignorava, no início de setembro, alguns dos cuidados exigidos pela pandemia de Covid-19. Partidários do prefeito de Parnaíba (PI), Mão Santa, aglomeraram-se, usando máscaras, na convenção local que oficializou sua candidatura à reeleição. Mas a estrela da festa era outra: Ciro Nogueira, senador pelo Piauí e presidente nacional do Progressistas, antigo PP. Também presente, o ex-governador do estado e atual presidente da Federação das Indústrias do Estado do Piauí, Zé Filho, do PSDB, deu atenção em seu discurso a Nogueira e a uma disputa que só ocorrerá em 2022. “Ciro, começa aqui e agora, com o nosso apoio e o do prefeito Mão Santa, a sua campanha vitoriosa ao governo do estado”, declarou o tucano, segundo registro do site Parlamento Piauí.
De máscara preta, dias depois de concluir a quarentena que cumpriu por ter contraído o novo coronavírus, Nogueira tomou a palavra. Vangloriou-se da aproximação com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), concretizada meses antes, definiu-se como um “senador que tem influência, que chegou ao auge de sua carreira” e justificou o rompimento com o atual governador Wellington Dias, do PT. “Entre deixar o Piauí isolado e essa minha aproximação [com Bolsonaro], entre o Wellington e o Piauí, milhões de vezes o Piauí”, discursou. “A onda vermelha passou. A onda agora é verde e amarela, é azul.”
Ciro Nogueira capitaneou a negociação que culminou com a adesão de parte do Centrão, o grupo de partidos fisiológicos, ao governo. Depois de passar anos de campanha à Presidência bradando contra a “velha política”, contra o “toma lá, dá cá”, Bolsonaro optou por repetir os métodos de seus antecessores no Planalto, negociando cargos e verbas em troca de votos no Congresso. Aderiu às práticas que condenava com a ajuda de um senador que fez campanha para seu adversário em 2018, o petista Fernando Haddad, e que já o havia chamado de “fascista e preconceituoso”, numa entrevista em 2017. Nada disso impediu a construção de uma relação tão próxima que Nogueira passou a ser chamado no Congresso de Zero Cinco, como se fosse o quinto filho de Bolsonaro. E é com essa credencial que o hoje senador pretende disputar o governo do Piauí em 2022.
O palco armado para Nogueira em Parnaíba não saiu de graça. O Progressistas repassou à campanha de Mão Santa, do Democratas, 41 mil reais, segundo o que foi declarado até agora pela campanha. Faz parte de um investimento desproporcional do partido nas eleições no Piauí. Quase 12 milhões de reais foram desembolsados pelo diretório nacional apenas naquele estado, valor que representa 14% do dispêndio da legenda em todo o país.
O fundo eleitoral, assim como o fundo partidário, é constituído de dinheiro público. Desde 2015, quando as doações empresariais foram proibidas, tornou-se a principal fonte de financiamento das campanhas eleitorais. Cada partido tem direito a um montante proporcional ao tamanho de sua bancada no Congresso. Mas os deputados que representam o Piauí são apenas 3 dos 40 em exercício do mandato hoje, pela legenda de Nogueira. Nem o tamanho do colégio eleitoral explica a decisão de destinar ao estado do presidente do Progressistas a maior fatia do fundo – o Piauí responde por 1,7% do eleitorado nacional.
Procurado por meio de sua assessoria, o senador Ciro Nogueira não esclareceu qual é o critério para a distribuição dos recursos do Progressistas nem comentou o papel que as campanhas municipais no interior do Piauí, bancadas pela legenda, podem desempenhar para seus planos de governar o estado.
Nas redes, o senador não esconde suas intenções. Recentemente, publicou o resultado de uma pesquisa feita por instituto sem reconhecimento nacional que o colocava em primeiro lugar na disputa para o governo estadual, entre eleitores do município de Buriti dos Lopes. “É com muita responsabilidade e humildade que recebo o resultado dessa pesquisa”, comentou. “Mais do que qualquer cenário eleitoral, fico muito satisfeito porque ela comprova aquilo que tenho visto de perto nos nossos municípios: o reconhecimento ao nosso trabalho e o desejo de que nosso estado possa melhorar cada vez mais.”
Depois do Piauí, o Rio Grande do Sul, do senador Luis Carlos Heinze, aliado de primeira hora de Bolsonaro, foi o estado mais agraciado com o fundo eleitoral do Progressistas, com 8,6% do total. Em seguida vêm Minas Gerais, que obteve 6,4% do total, e São Paulo, com 6,3%. O diretório baiano recebeu a menor fatia, de 300 mil reais, meros 0,35% do fundo. É menos do que o obtido por Kleber Montezuma, candidato a prefeito de Teresina pelo PSDB.
Apoiado pelo atual prefeito, Firmino Filho, o tucano recebeu do Progressistas 800 mil reais (54% da receita total), mais até do que os 625 mil reais desembolsados pelo PSDB. Ciro Nogueira escolheu e anunciou pessoalmente a indicação de um ex-vereador para ser o candidato a vice na chapa para a prefeitura de Teresina, e está empenhado na eleição na capital.
No interior do Piauí, o Progressistas tem investido em candidaturas contra o PT. No mesmo dia em que visitou Parnaíba, Nogueira também esteve em outras quatro cidades. Na pequena Cajazeiras, de 3.500 habitantes, o Progressistas desembolsou 30 mil reais para o seu candidato tentar derrotar o adversário, do PT, que recebeu 10 mil reais de seu partido. Em Santa Rosa e São João da Varjota, ambas visitadas naquele mesmo sábado, os candidatos do Progressistas receberam 42 mil e 65 mil reais, respectivamente, para enfrentar oponentes do PT, que obtiveram 10 mil reais cada um da sigla.
A São Raimundo Nonato, principal cidade no Sul do Piauí, o senador já foi e voltou. Em julho, acompanhou Jair Bolsonaro na inauguração de uma adutora no Rio São Francisco. A viagem selou a aliança com o Centrão. Recebido por simpatizantes no aeroporto, o presidente promoveu uma aglomeração em plena pandemia e ainda tirou a máscara. Montou em um cavalo, foi chamado de “mito” e, ao lado de Nogueira, fez promessas de investimentos na infraestrutura e no turismo da região, onde se localizam a Serra da Capivara e o Museu da Natureza. “Um grande dia, de muitas boas notícias. Agradeço ao presidente Bolsonaro em nome de toda a população piauiense”, declarou o senador. A prefeita da cidade, Carmelita Castro, do Progressistas, subiu no palanque com os políticos.
Em setembro, ao oficializar a sua candidatura pela reeleição, a prefeita recebeu Nogueira mais uma vez na cidade. E o homenageou no palanque. “Eu não faria, senador, nem a metade do que fizemos em São Raimundo Nonato se não fosse o seu trabalho, se não fosse o seu olhar carinhoso”, discursou. “É a esse olhar que eu agradeço todo dia quando penso nas minhas filhas, na minha família. Senador Ciro Nogueira está lá.” O Progressistas desembolsou 85 mil reais em sua campanha até esta terça-feira, 3 de novembro. Mas tem um porém: seu vice é petista, e Carmelita se mantém aliada a Wellington Dias.