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Equador escolhe próximo presidente em eleições marcadas pelo medo

Três tiros na cabeça custaram a vida do jornalista Fernando Villavicencio, candidato do Movimento Construye (centro-direita), provocaram uma reviravolta no tabuleiro político do Equador e lançaram as eleições presidenciais deste domingo (20/8) em um ambiente de tensão, medo e incertezas. Sob a ameaça do crime organizado e do narcotráfico, 13,4 milhões de equatorianos estão aptos a votar em 4.390 seções eleitorais espalhadas pelo país. Dos oito candidatos que disputam uma vaga no gabinete do Palácio de Carondelet, situado no centro histórico de Quito, cinco se sobressaem nas pesquisas: Luisa González, afilhada política do ex-presidente socialista Rafael Correa; o jornalista Christian Zurita, amigo que substituiu Villavicencio na chapa; o empresário de direita Jan Topic; o líder indígena Yaku Pérez; e o ex-vice-presidente Otto Sonnenholzner. A definição em primeiro turno é improvável, já que nenhuma candidatura deve receber 40% dos votos válidos e ter uma vantagem de 10 pontos sobre o segundo colocado. 

As mais recentes pesquisas mostram González na dianteira, mas em queda e sem conseguir cumprir com os requisitos para a eleição. Zurita aparece logo atrás, seguido por Topic, Pérez e Sonnenholzner. Além do novo presidente, os equatorianos elegerão os 137 integrantes da Assembleia Nacional, que completarão o atual mandato de quatro anos, que se estende até maio de 2025. As eleições foram antecipadas depois que o presidente de direita Guillermo Lasso dissolveu o parlamento, em 17 de maio passado. A manobra, conhecida como “morte cruzada”, evitou uma possível destituição em um julgamento por corrupção. 

A execução de Villavicencio, ao sair de um comício em um colégio na região centro-norte de Quito, em 9 de agosto passado, mudou a rotina da campanha. Os candidatos trocaram o contato próximo com a população pelos coletes à prova de bala e o reforço na segurança. Lasso decretou estado de exceção, válido por 60 dias, e mobilizou o Exército e a Polícia Nacional para garantir a realização do pleito.  “Com a morte de Villavicencio, as pesquisas eleitorais se modificaram, assim como as tendências. Creio que a probabilidade mais alta é a de que Luisa González e Christian Zurita avancem rumo ao segundo turno. Topic, um nome linha-dura da extrema direita, aparece com chances, mas o vejo como menos possibilidades”, comentou, por telefone, Arturo Moscoso, diretor da Faculdade de Relações Internacionais da Universidad Internacional de Ecuador (UIE). 

Ele adverte sobre o risco de uma abstenção fora do comum. “As pessoas têm medo, sobretudo depois de um assassinato eminentemente político”, admitiu. Para Moscoso, a direita chega às urnas afetada pelo governo de Lasso, que amarga uma popularidade de menos de 20%, e pela execução de Villavicencio. O candidato que mais se identificava com o atual presidente era justamente Villavicencio. “A maioria dos postulantes à Presidência do Equador é de esquerda ou de centro-esquerda. Talvez a exceção seja Jan Topic, bem mais à direita. Em um cenário assim, o correísmo ganharia fácil, mas as coisas mudaram depois de 9 de agosto.” 

Em entrevista ao Correio, dois dias depois, o próprio Rafael Correa qualificou a morte de Villavicencio como uma “hecatombe política”. “Nós ganharíamos no primeiro turno. Teríamos entre 44% e 46% dos votos”, assegurou. “Precisamos ver se venceremos em um único turno. Porque, no segundo turno, estarão todos contra nós.” Moscoso observa que o ex-presidente, que governou o país entre 2007 e 2017, detém controle absoluto de sua organização política. “Mas, sua influência sobre os cidadãos tem diluído, desde que ele deixou o Equador (e se exilou na Bélgica). Sua ausência afeta os apoios que o correísmo tem. or isso, o desejo de Correa de regressar a Quito e de revisarem o seu julgamento”, avaliou. Por ser um partido político vertical, o correísmo não produz quadros ameacem a figura de Correa. 

Tendências 

Anamaría Correa Crespo, coordenadora de relações internacionais da Universidad San Francisco de Quito (USFQ), considera impossível traçar um prognóstico em meio a um cenário incerto e com a proibição da divulgação de pesquisas. “É certo, porém, que não haverá um eleito em primeiro turno”, assegurou. “Depois do assassinato de Villavicencio, Jan Topic adotou um discurso muito forte contra a violência e a delinquência, similar à retórica de Nayib Bukele (presidente de El Salvador), e teve uma aparente subida importante de popularidade nos últimos dias”, disse à reportagem. “Antes da execução de Villavicencio, as sondagens apontavam uma coisa; agora, indicam outra. Isso tem a ver com o crime atroz. Há um declínio significativo de González, tanto pelo desempenho da candidata correísta no debate presidencial, quanto pela percepção da violência verbal que o correísmo tinha contra Villavicencio”, acrescentou. 

De acordo com Crespo, os cidadãos equatorianos se sentem indefesos, pois percebem que o Estado tem se mostrado extremamente débil na função de protegê-los. “O fato de um prefeito (Agustín Intriago, da cidade de Manta) e um presidenciável (Villavicencio), além de outros líderes, mostra a situação de insegurança”, avalia. Nesse sentido, ela concorda que os eleitores que se arriscarem afluirão às urnas, dominados pelo medo. Principalmente ante a percepção de que o Estado equatoriano é fraco e incapaz de enfrentar a estrutura de máfias instalada no Equador. 

Professor de ciência política da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), em Quito, Simón Pachano afirmou ao Correio que a candidata mais forte — “ou menos fraca” — é González. “No entanto, ela perdeu parte de seus eleitores depois do assassinato de Villavicencio”, observou. Em relação ao risco de violência, o especialista acredita que não haverá problemas com a segurança dos eleitores. “O mesmo não de pode dizer com respeito aos candidatos. Será necessário que as autoridades apliquem um protocolo especial para protegê-los”, disse.  

A punição por meio das urnas

Na quarta-feira, Christian Zurita — testemunha do crime que vitimou o seu amigo — disse ao Correio que “a morte de Fernando (Villavicencio) não pode ser silenciada” e “seu projeto não pode ser destruído”. “Há uma voz que calaram e que não posso deixar morrer, não posso deixar que a calem”, desabafou. “Émuito possível que esse crime brutal, cometido na semana passada, em 9 de agosto, possa ser o caminho de castigo a todo o sistema político corrupto e mafioso que governar o meu país.Espero, ou melhor, tenho a certeza de que haverá um castigo, por meio do voto, nas urnas, contra todos aqueles que consideravam Villavicencio um perigo e, por isso, acabaram com a sua vida.”

EU ACHO…

“O oficialismo não é um ator direto nesta eleição. A candidata correísta (Luisa González) é a favorita, mas considero muito provável que será necessário um segundo turno. Nesse caso, ela poderá perder.

Simón Pachano, professor de ciência política da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso

Fonte: Correio Braziliense – Imagem: Foto de Mauricio Muñoz na Unsplash 

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