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Diabo vende alma a Centrão – Ciro Nogueira foi porta-voz de ameaça golpista e está disposto a apoiar as insanidades de Bolsonaro

EM ABRIL DESTE ANO, Ciro Nogueira, o principal cacique do Centrão, mandou um recado: “Paulo Guedes não é insubstituível”. No mês seguinte, Bolsonaro passou a lotear cargos do segundo escalão para o Centrão, visando a garantia da governabilidade. Como todo o Brasil assistiu, a relação de Bolsonaro com o Centrão mudou para um novo patamar com a entrega do comando da Casa Civil, que o presidente chamou de “a alma do governo“, para Ciro Nogueira. O diabo vendeu a alma ao Centrão.

Ciro Nogueira agora parece disposto a apoiar todas as insanidades de Bolsonaro. Foi ele o porta-voz da mais recente ameaça golpista enviada por Braga Netto ao presidente da Câmara Arthur Lira, que também faz parte do Centrão, de que não haveria eleições em 2022 se não houvesse voto impresso auditável.

Essa aliança já havia se iniciado no fim do ano passado, quando o presidente montou um esquema para aumentar sua base de apoio no Congresso criando um orçamento paralelo de R$ 3 bilhões em emendas — boa parte destinada a atender os interesses do grupo. Além de ganhar a Casa Civil, o Centrão conseguiu também a recriação do Ministério do Trabalho, que foi batizado de Emprego e Previdência.

A nova cobrança de Ciro Nogueira e cia é para ter maior controle do orçamento. Mas após bater no Centrão durante tanto tempo, o custo da aliança ficou bem mais alto. O grupo já sinalizou que só a Casa Civil não saciará o seu apetite. Eles querem ganhar mais espaço na Secretaria de Orçamento Federal e pressionam pela recriação do antigo Ministério do Planejamento para acomodar suas lideranças. A recente aprovação do aumento dos recursos do Fundo Eleitoral paraR$ 5,7 bilhões teve também o propósito de agradar essa turma. Além disso, falta pouco mais de um mês para o envio do projeto do orçamento de 2022, ano eleitoral, época em que a sede do Centrão aumenta.

A moral que Paulo Guedes tinha dentro do bolsonarismo murchou. Antes considerado o fiador do governo, agora ele caminha para ser apenas mais um colaborador do fascismo bolsonarista. Entrou prestigiado como superministro e agora teve que ceder um bom espaço para a direita fisiológica — aquela que Bolsonaro tanto criticou durante a campanha e durante boa parte do seu mandato.

A economia patinou, o desemprego aumentou, o endividamento das famílias bateu recorde e os salários perderam poder de compra. O fracasso da gestão Paulo Guedes somado à trágica condução da pandemia pelo governo foram o principal motivo que fizeram a popularidade de Bolsonaro despencar. A nova super aliança com o Centrão tira o governo das cordas e renova o fôlego e as esperanças para o embate eleitoral do ano que vem. O fato é que o governo agora tem um fiador muito melhor. Ciro Nogueira e o Centrão garantem governabilidade e afastam do horizonte qualquer possibilidade de impeachment. Pode-se dizer que o Brasil agora está sob nova gerência. O novo posto Ipiranga de Bolsonaro chama-se Centrão.

Jair Bolsonaro durante audiência com Onyx e o senador Ciro Nogueira, que assumiu a Casa Civil. Foto: Marcos Correa/PR

Mas a nova gerência, na verdade, é a velha gerência de sempre. O Centrão sempre esteve presente nos governos anteriores e teve papel central nos últimos grandes acontecimentos políticos do país. Ajudou a eleger Dilma e depois a derrubou. No governo seguinte garantiu a governabilidade de Temer e barrou qualquer possibilidade de impeachment. O grupo, que de “centro” só tem o nome, é composta majoritariamente por políticos de direita do baixo clero e hoje conta com aproximadamente 200 dos 513 parlamentares do país.

Ainda não inventaram na democracia brasileira uma fórmula de governabilidade que dispense o Centrão. Bolsonaro conseguiu a façanha de se vender como alguém que teria essa fórmula mesmo sendo um legítimo filhote do… Centrão, como ele próprio agora assume. O presidente se elegeu demonizando o grupo do qual fazia parte e agora, como se nada tivesse acontecido, passa a lotear cargos importantes do governo para esse mesmo grupo. Esse talvez tenha sido o estelionato eleitoral mais bem-sucedido da história do país.

E como explicar essa mudança drástica de postura do governo à base eleitoral de Bolsonaro? Para boa parte dela não precisa explicar nada. O gado enfeitiçado continuará caminhando na direção que o seu mito apontar sem fazer grandes questionamentos. Mas algumas cabeças do rebanho passaram a questionar o novo relacionamento depois que ele foi escancarado. Os ataques ao Centrão e à “velha política” formaram a espinha dorsal da candidatura Bolsonaro e a nova postura pode decepcionar parte daqueles que caíram no conto do vigário. A hashtag #BolsonaroTraidor passou a pipocar no Twitter.

Nos grupos de WhatsApp bolsonaristas aos quais tenho acesso, algumas pessoas passaram a publicar o vídeo em que Ciro Nogueira chamou Lula de “melhor presidente da história do país” logo após ter chamado Bolsonaro de “incapaz” e “fascista”. Ainda que esses questionamentos sejam tímidos, é inegável o chacoalhão que o episódio causou na base eleitoral do presidente.

Bolsonaro enxerga nessa entrega da Casa Civil e outros nacos de poder ao Centrão a possibilidade de destravar os projetos do governo, estancar a queda da sua popularidade e renovar as esperanças para a reeleição, que vinham minguando. O principal propósito dessa aliança não é a implementação de programas do governo, como ocorreu em gestões anteriores, mas uma tentativa de deter o estrago que os escândalos da vacina e a condução negacionista do combate à pandemia impõem. à popularidade do presidente.

Se antes o Centrão garantia aos governos o apoio para suas políticas públicas, agora ele também atua como mediador das ameaças de golpe de Bolsonaro. O Centrão será o fiador de uma possível tentativa de golpe do presidente e dos militares? Pela atuação de Ciro Nogueira como pombo-correio do golpe, tudo indica que a possibilidade existe.

A nova coalizão dá fôlego e esperanças ao bolsonarismo, mas é bom lembrar que o Centrão é volátil e pode mudar de lado a depender da direção dos ventos. 

Jogo do Poder

Com informações The Intercept

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