O presidente Jair Bolsonaro (PL) promoveu nesta quarta-feira (27) um evento oficial no Palácio do Planalto com deputados aliados no qual reforçou ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal) e cobrou a participação de militares na apuração dos votos pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nas eleições deste ano.
Batizada de “ato cívico pela liberdade de expressão”, com transmissão ao vivo pela TV Brasil, a mobilização foi liderada pelas bancadas evangélica e da bala do Congresso, como uma forma de demonstrar apoio ao presidente em meio ao embate com a corte. Nos discursos, a repetição de insinuações golpistas contra o STF e as eleições.
Além do perdão de pena concedido por Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), desafiando decisão do Supremo, uma declaração do ministro Luís Roberto Barroso de que as Forças Armadas estariam sendo orientadas a atacar as eleições provocou reação do Ministério da Defesa no final de semana e ampliou a tensão entre os Poderes.
“Eles [TSE] convidaram as Forças Armadas a participarem do processo eleitoral. Será que esqueceram que o chefe supremo das Forças Armadas se chama Bolsonaro?”, disse o presidente.
O evento no Planalto não chegou a lotar nem teve número de presentes similar ao de outras cerimônias no local, porém mais de 20 parlamentares discursaram, com a tônica de críticas à imprensa, à esquerda e ao Supremo.
A frente ruralista foi convidada, mas não defendeu formalmente a manifestação. Integrantes da bancada disseram que só apoiam assuntos que não tratam do agro em casos excepcionais, como no caso do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Bolsonaro chamou Luís Roberto Barroso, do Supremo e ex-presidente do TSE, de mentiroso durante o discurso ao afirmar que não havia sigilo sobre dados de um inquérito que divulgou em 2021.
“Mente o ministro Barroso quando diz que é sigiloso. Para as Forças Armadas, se um militar mente, acabou a carreira dele”, disse o presidente, que se atrapalhou e disse que “temos um chefe de Executivo que mente”.
Bolsonaro também voltou a desacreditar o sistema eleitoral. “Não pense que uma possível suspeição da eleição vai ser apenas no voto do presidente. Vai entrar no Senado, Câmara, se tiver, obviamente, algo de anormal”, afirmou Bolsonaro.
O presidente cobrou que o TSE aceite as sugestões das Forças Armadas para o processo eleitoral. “Todas foram técnicas. Não se fala ali em voto impresso. Não precisamos. Nessas sugestões existe essa maneira, para a gente confiar nas eleições”, declarou o mandatário.
Ele disse que uma das sugestões é para os militares acompanharem a apuração final dos votos.
“Quando encerra eleições e os dados chegam pela internet, tem um cabo que alimenta a ‘sala secreta do TSE’. Dá para acreditar nisso? Sala secreta, onde meia dúzia de técnicos diz ‘quem ganhou foi esse’. Uma sugestão é que neste mesmo duto seja feita uma ramificação, um pouco à direita, porque temos um computador também das Forças Armadas para contar os votos”, disse Bolsonaro.
Em julho de 2021, após ataque do presidente ao sistema eleitoral, o TSE disse não existir apuração em “sala secreta”. “Em verdade, a apuração dos resultados é feita automaticamente pela urna eletrônica logo após o encerramento da votação.”
O ato no Planalto foi convocado após o presidente assinar indulto individual a Daniel Silveira, condenado pelo STF a 8 anos e 9 meses de prisão, em regime inicial fechado, por atacar ministros da corte.
Silveira foi tietado durante o evento. O parlamentar disse que só “imaginação muito fértil” poderia torná-lo inelegível após receber o indulto individual.
A tese foi levantada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. O magistrado diz que o indulto concedido pelo presidente não afasta a inelegibilidade e que a jurisprudência está pacificada neste sentido.
“Pela lei, nada me impede [de ser candidato]. Só se alguém tiver uma imaginação muito fértil para tentar me tirar isso. Pela lei, não”, afirmou Silveira a jornalistas, no Planalto. Ele quer se lançar Senado pelo Rio de Janeiro.
Bolsonaro disse que recebeu alertas de que poderia ter “problemas com o Supremo” ao conceder o perdão a Silveira. “Não posso acreditar em retaliações. Temos ações graves que tramitam no Supremo”, disse.
O chefe do Executivo citou ainda o caso de Jeanine Añez, ex-presidente interina da Bolívia, presa em março de 2021 sob acusações de conspiração, sedição e terrorismo nos dias que se seguiram à renúncia de Evo Morales.
“Alguém sabe a acusação [contra Jeanine]? Atos antidemocráticos. Entenderam? É o que vivemos no Brasil. Cria-se um decreto, ato antidemocrático, e ali a pessoa faz o que bem entender”, disse. Depois, afirmou ter certeza que jamais será “uma Jeanine”.
O presidente voltou a afirmar que há autoridades que “podem muito”, mas “não podem tudo” ao se referir ao STF. Também repetiu que joga dentro das “quatro linhas” da Constituição. “Quem estiver jogando fora, é nossa obrigação trazê-los para dentro das quatro linhas”, declarou.
Bolsonaro disse que tem uma relação de “irmão” com o Congresso. “Temos um primo do outro lado da rua, também tem de ser respeitado”, afirmou, referindo-se novamente à corte. “Mas todo mundo que quer ser respeitado tem de respeitar também. E não abrimos mão disso.”
O mandatário chegou a mobilizar manifestações golpistas em setembro de 2021 que tiveram o STF como alvo principal. O presidente recuou dias depois, mas agora tem novamente ampliado ataques à corte.
Além disso, segue levantando dúvidas sobre o sistema eleitoral, ameaça descumprir decisões da Justiça e defende, em discursos, armar a população e os atos da ditadura militar (1964-1985).
O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), presidente da bancada evangélica, disse durante o evento pró-Bolsonaro que a democracia passa por “tempos sombrios” no Brasil. “Onde, por diversas vezes, outro Poder da República usurpa competências de outros, ferindo o princípio básico fundamental da separação dos Poderes”, declarou.
Afirmou ainda que o país passa por “caminho obscuro” onde a liberdade de expressão é “censurada e relativizada”. “Não pelo seu conteúdo, mas sim por quem a diz”.
Presidente da Frente Parlamentar de Segurança, o deputado Capitão Augusto (PL-SP) disse que ouviu relatos de parlamentares que não participaram do evento por “receio”, o que classificou como “inacreditável”. Ele não citou quem seriam esses parlamentares nem o que teria motivado suposto receio.
Participaram do evento parlamentares e ex-ministros do governo Bolsonaro, como a agora deputada Tereza Cristina (PP-MS) e Gilson Machado. O general Braga Netto, ex-titular da Defesa e provável vice na chapa de reeleição, esteve no palco ao lado de Bolsonaro.
Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil e principal articulador político do governo, não participou. Nem outros dirigentes de partidos aliados de Bolsonaro, como Valdemar Costa Neto, do PL.
A crise do governo com o STF cresceu após o ministro Luís Roberto Barroso afirmar que as Forças Armadas têm sido “orientadas” a atacar o sistema eleitoral.
Em resposta, o Ministério da Defesa disse, em nota, que a fala é “irresponsável” e uma “ofensa grave”.
Bolsonaro também avalia que alguns ministros do STF e do TSE agem como opositores, querem limitar a atuação de seus apoiadores nas redes sociais e trabalham para eleger o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O presidente aposta nas redes sociais e em aplicativos de mensagem para promover a sua candidatura à reeleição.
Nesta quarta-feira (27), ele cobrou de executivos do WhatsApp o lançamento, antes das eleições, da nova ferramenta do aplicativo que permite grupos com milhares de pessoas.
A empresa, porém, confirmou que a ferramenta só estará disponível no Brasil após o pleito, mas negou que esta decisão seja parte de acordo com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Fonte: Folha de São Paulo