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STF é contundente em posição sobre imunidade parlamentar ao condenar Daniel Silveira

Supremo Tribunal Federal, por maioria, condenou o deputado federal Daniel Silveira pela prática de dois crimes: contra o Estado democrático de Direito e coação no curso do processo.

Os fatos que subsidiaram as condenações se referem a uma série de pronunciamentos de Daniel Silveira para seus seguidores em redes sociais, entre o final de 2020 e o início de 2021, nos quais afirma que o STF deveria fechar e os ministros serem presos ou agredidos.

A condenação pelo crime contra o Estado democrático de Direito precisou superar um obstáculo formal, já que a denúncia, em fevereiro de 2021, tipificava as condutas de Daniel Silveira com base na Lei de Segurança Nacional, que foi depois revogada pela lei 14.197, em setembro daquele mesmo ano.

Nesses casos, é preciso analisar se as condutas tipificadas na lei anterior permanecem consideradas como crimes na lei posterior. A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal entendeu que o crime de tentativa de abolir o Estado democrático de Direito, impedindo o exercício de seus poderes, permaneceu na lei posterior e, portanto, poderia continuar incidindo sobre o caso de Daniel Silveira.

O tribunal também precisou superar o tema da imunidade parlamentar. A Constituição Federal de 1988 diz que os parlamentares são invioláveis, civil e penalmente, por suas opiniões, palavras e votos.

Para além dos efeitos sobre o deputado Daniel Silveira, este julgamento se torna ainda mais importante pelo que ele representa no atual cenário: uma posição contundente de que a imunidade parlamentar não servirá de manto para a impunidade e que discursos que incitem violência contra as instituições —e em especial contra o Supremo Tribunal Federal— serão punidos rápida e exemplarmente.

Com isso, o julgamento atinge também o bolsonarismo. Os constantes ataques ao Supremo e à Justiça Eleitoral, quando não são feitos diretamente pelo presidente Bolsonaro, por seus filhos ou generais, são encampados por seus seguidores, alguns até de dentro do sistema político; agora, estão claras e concretizadas as consequências para os ataques às instituições: julgamento, condenação, perda de mandato e inelegibilidade.

A interpretação que o tribunal tem feito sobre esse dispositivo afirma que esta imunidade parlamentar não pode ser um “escudo para práticas criminosas”, mas uma proteção para o exercício do mandato (que não compreenderia, obviamente, a prática de crimes).

A decisão que aceitou denúncia contra o então deputado Jair Bolsonaro por ofensas à também deputada Maria do Rosário, por exemplo, baseou-se no mesmo argumento.

Para o ministro relator, Alexandre de Moraes, o fato de Daniel Silveira fazer parte do sistema político como deputado federal, investido através do voto de eleitores, tornou a situação toda mais grave: é alguém que, uma vez eleito, traiu as regras do jogo e corroeu, desde dentro, suas garantias. Este ponto tem sido central na literatura sobre erosão democrática: não há nada mais perigoso que um discurso antidemocrático aninhado no sistema político.

O deputado federal Daniel Silveira foi condenado, também, por coação no curso do processo já que, sendo investigado em inquéritos no tribunal, buscou intimidar os seus julgadores para, com isso, ser beneficiado em eventual julgamento. Somadas as penas perfizeram 8 anos e 9 meses de reclusão, para cumprimento inicial em regime fechado. A perda de mandato e a suspensão de direitos políticos são consequências da condenação.

O Supremo tem entendido que a perda de mandato decorrente de condenação criminal transitada em julgado que exija cumprimento em regime fechado é automática, já que haveria uma incompatibilidade lógica entre um parlamentar estar preso e exercer o mandato, cabendo à respectiva casa legislativa apenas a sua declaração.

Mas o tema tem passado por idas e vindas na interpretação do Supremo, e há decisões que resguardam às casas legislativas a decisão sobre a efetiva perda de mandato. Já a suspensão dos direitos políticos, que torna Daniel Silveira inelegível, tem seus efeitos decorrentes do trânsito em julgado e enquanto durar a condenação.

O recado foi tão claro que nem mesmo as tentativas de tumultuar o julgamento prosperaram.

Antes do seu início, Daniel Silveira e o filho do presidente Jair Bolsonaro, o também deputado federal Eduardo Bolsonaro, tentaram entrar nas dependências do Supremo Tribunal Federal sem o devido cumprimento das normas sobre segurança sanitária. Barrados, desistiram.

O advogado de defesa, que insistia em entrar no STF sem comprovante de vacinação ou resultado negativo para Covid, da mesma forma, sucumbiu às regras. Acabou atrasando o início da sessão que condenou seu cliente, mas ao menos saiu com um teste negativo para Covid.

Ainda que o julgamento tenha afirmado de forma consistente que não se pode confundir liberdade de expressão com discursos criminosos que promovem ataques às instituições, uma cisão no tribunal ficou aparente. Kassio Nunes Marques absolvia Daniel Silveira e André Mendonça afastou o crime contra o Estado de Direito por entender que as falas estariam cobertas pela imunidade parlamentar. Para estes ministros, um chamado para invadir o tribunal e depor violentamente seus ministros seria um discurso válido no jogo democrático brasileiro. Não deixa de ser um aceno aos extremistas.

Kassio Nunes Marques e André Mendonça (este em menor extensão) sinalizaram ao governo e à sua base um certo apoio, revelando possuírem parâmetros bastante flexíveis sobre discursos antidemocráticos. Como os poderes monocráticos são bastante acentuados e os ministros em geral mostram pouca deferência à colegialidade, se Kassio Nunes Marques e André Mendonça vierem a relatar ações parecidas no longo futuro que têm no tribunal, poderão frustrar a posição majoritária.

O julgamento teve o enorme mérito de expor como agentes de erosão democrática operam por dentro das instituições. A condenação, por ampla maioria, para além de uma agenda de autodefesa, mostra que o Supremo Tribunal Federal está atento às ameaças à democracia.

Eloísa Machado de Almeida

Professora e coordenadora do Supremo em Pauta FGV Direito SP

Fonte: Folha de São Paulo

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