O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, em entrevista ao jornal Valor, disse que o presidente Jair Bolsonaro já deveria ter se vacinado; esnobou o ministro da Economia, Paulo Guedes; e desdenhou da pauta de costumes que o governo gostaria que ele priorizasse.
Lira se dá ares de independência não porque veja o barco de Bolsonaro afundar e intencione trocar de embarcação. Mas, sim, porque, diante da hipótese cada vez mais provável de o ex-capitão perder a eleição para Lula, o presidente da Câmara e seu grupo do centrão querem continuar ganhando a vida.
Para isso, não precisam necessariamente se aliar a um hipotético governo petista.
Com as gordas verbas disponíveis para as emendas do relator, o alinhamento com o Executivo deixou de ser imprescindível para acessar o erário: o dinheiro está nas mãos do Legislativo — os políticos não precisam mais passar o pires nos ministérios.
Ocorre que, nesse caso, o “Legislativo” está representado pelo relator do Orçamento e pelo presidente da Casa, os detentores da chave do cofre das emendas.
E é aí que a porca torce o rabo.
O PP pode perder Bolsonaro, o governo e o status de situação, mas se perder a presidência da Câmara, perde tudo — este o grande pavor de Lira e seus aliados do centrão.
A eleição para o cargo será em fevereiro de 2023, logo após a posse do novo presidente. Se este presidente for Lula, Lira, desde já candidato à reeleição, enfrentará a concorrência de um nome do governo.
Interlocutores do líder do PP sabem que, nesse cenário, ele preferirá enfrentar um petista da gema. Primeiro, porque a natureza hegemônica do partido de Lula é capaz de fazer seu candidato perder votos até da esquerda. Segundo, porque um nome do PT terá forçosamente que imitar o discurso de Lula, que vem defendendo a redução das emendas do tipo RP9 como forma de retomar o poder do governo sobre o controle dos recursos — tudo o que a maior parte dos parlamentares não quer.
É nesse contexto que Lira e o centrão voltam seus olhos para os movimentos de Gilberto Kassab. O cacique do PSD — que espera eleger a maior bancada de deputados nesta eleição, acaba de filiar o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, e vem sendo assediado no limite da inconveniência por Lula —já descreveu um dia que seu partido não é de esquerda, de direita nem de centro, uma “não-posição” bastante conveniente para agregar no parlamento apoios de todos os matizes.
Não por coincidência, é na direção dessa etérea “independência” que Lira agora se esforça para caminhar, ainda que para isso tenha de simular pitos no chefe do Executivo.
Fonte: UOL/Thaís Oyama