De pouco em pouco, o envolvimento e a convocação para a manifestação de apoio a Jair Bolsonaro feita por líderes evangélicos conservadores para o 7 de Setembro foi crescendo em dimensão e repercussão. Outrora discreta, a convocação se tornou insistente e, em alguns aspectos, intimidadora.
Sob o risco de não conseguirem mobilizar o quanto de fiéis esperavam, essas lideranças adotaram um discurso cada vez mais mentiroso e fatalista, mascarado de profecia, sobre um Brasil que se tornaria uma ameaça para cristãos, conservadores e defensores da “família tradicional”.
Mas profético mesmo era o discurso de Bolsonaro, usando passagens bíblicas e falando de “Deus acima de todos” como defesa da fé cristã, mas, desde sempre, sendo um catalisador e mobilizador de um movimento fundamentalista com o qual ele pudesse contar no futuro, quando estivesse pronto para destruir a democracia e impor sua agenda de extrema-direita.
Versículos bíblicos como “Conhecereis a verdade e a verdade o libertará” (retirados do Evangelho de João) e expressões como “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, além da frequente reafirmação de que “o Brasil é um país de maioria cristã”, têm sido a linguagem da imposição de uma gradativa soberania cristã.
Nunca importou que o governo Bolsonaro e seus mais cegos apoiadores respeitassem a verdade. Sentem-se confortáveis em meio a uma rede de mentiras e especulações feitas para manipular a opinião pública e inflar o radicalismo fundamentalista.
Não surpreende que Bolsonaro tenha conseguido a proeza de reunir em torno de si —e com forte apoio— os principais nomes do conservadorismo fundamentalista e reacionário do campo evangélico brasileiro.
A narrativa de “prioridade do cristianismo” supostamente por sua maioria e a construção de uma ideia de “perseguição religiosa” aos cristãos, principalmente evangélicos, tornaram-se fundamentais para legitimar a formação de uma supremacia conservadora religiosa, que tem prejudicado consideravelmente a condição da democracia no Brasil.
A ideia do “Deus acima de todos” é, numa análise fria, uma expressão cujo pêndulo se inclina mais para o fascismo do que para qualquer vestígio bíblico. Nas narrativas bíblicas, somente em dois contextos o nome de Deus foi utilizado ou qualquer ideia semelhante a colocar “Deus acima de tudo e de todos”:
- O contexto em que havia uma disputa direta entre divindades, como é narrada no Primeiro Livro dos Reis, no capítulo 18, em que o profeta Elias desafia os profetas que representam a divindade Baal. Na disputa, os profetas de Baal são derrotados porque o deus deles não responde e todo o público que assiste passa a reconhecer que só o deus de Elias “é Deus”.
- O segundo é em contextos bélicos, em que a afirmação é feita como parte de uma narrativa de enfrentamento de um inimigo que deve ser derrotado e dominado. Há diversos textos em que, numa compreensão bélica de um Deus guerreiro, o povo de Israel é autorizado a ocupar territórios e destruir povos inteiros. Há isso em livros como Josué e o Segundo Livro dos Reis.
Neste segundo contexto, tudo era feito para que não restasse dúvidas de que Deus seria o “Senhor dos Exércitos” e aquele cuja demonstração de poder o colocava de fato “acima de tudo e de todos”.
Parece que estamos nesse contexto.
Para Bolsonaro, seu governo e seus profetas, 7 de Setembro é o dia de demonstrar força e poder contra os seus inimigos. Se possível, eliminar os inimigos. Eis a expressão ‘Deus acima de todos’ que sai da mente e da boca de Bolsonaro e seu exército pastoral bolsonarista. Ela está ancorada em uma tradição de violência, hostilidade, domínio e demonstração de superioridade.”
Mas ao contrário desta compreensão ultrapassada debruçada sobre trechos do Antigo Testamento, a afirmação majoritária sobre Deus é de que ele não se coloca “acima”, mas “ao lado”. Esta é a compreensão dos profetas e autores bíblicos diversos que, ao descreverem Deus, pensaram situações de horizontalidade, de igualdade, mais do que em uma perspectiva hierárquica.
Além disso, basta lembrar das palavras de Jesus Cristo registradas no capítulo 18 do Evangelho de Mateus, que, ao ser perguntado pelos discípulos sobre quem entre eles seria o maior no Reino dos Céus, respondeu pegando uma criança como exemplo e disse que, se eles não fossem como uma criança na simplicidade e na humildade, eles sequer chegariam lá.
Pois os líderes evangélicos que têm insistentemente convocado o seu rebanho para o 7 de Setembro já atropelaram a mensagem do evangelho de Jesus Cristo há muito tempo.
Se encontraram razões para apoiar um admirador de torturadores, um entusiasta da militarização, um divulgador de mentiras, é porque há uma identificação entre eles e Bolsonaro. Aqui, nesse caso, Jesus e os seus ensinamentos é o que menos importa.
Fonte: Dionísio Pacheco (UOL)