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Esquerda quer ampliar pressão por impeachment de Bolsonaro, mas esbarra em adesão do centro e tom eleitoral dos atos

Com aumento de público entre 29 de maio e 19 de junho, organizadores dos protestos de oposição veem espaço para que a mobilização pelo impeachment de Jair Bolsonaro se amplie e fazem acenos ao chamado centro.

Por outro lado, entre quem rejeita tanto o presidente como Lula (PT), há resistência de partidos a pressionar pela saída de Bolsonaro e de movimentos a integrar manifestações vistas como eleitorais, em apoio ao petista.

Uma reunião de avaliação dos atos e planejamento de possíveis novas manifestações está marcada para terça-feira (22). As ações de rua são vistas com cautela por parte dos organizadores em meio à pandemia do coronavírus.

Neste sábado (19), o país chegou a 500 mil mortos, com o ritmo de mortes e contaminações em alta. A grande maioria dos manifestantes usou máscara, mas houve aglomerações.

Hoje a Campanha Fora, Bolsonaro é majoritariamente de esquerda –composta por frentes como a Povo sem Medo, a Brasil Popular e a Coalizão Negra por Direitos, que reúnem centenas de entidades, entre elas MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto)UNE (União Nacional dos Estudantes)CMP (Central de Movimentos Populares) e Uneafro Brasil.

Partidos de esquerda, como PT, PSOL, PC do B, PCB, UP, PCO e PSTU, também integram a organização dos atos.

A segunda manifestação teve novas adesões —centrais sindicais, o Movimento Acredito e siglas como PSB, PDT e Rede, que dizem não estimular as aglomerações, mas não proibiram a presença de seus quadros.

O próprio PT e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), até então mais discretos, resolveram endossar a segunda manifestação com mais afinco.

Para parte dos organizadores ouvida pela Folha, a mobilização anti-Bolsonaro tem vias para se expandir, seja pela crescente indignação com ações negacionistas do presidente ou seja pelo esperado aumento do percentual de vacinados nos próximos meses.

Mas, principalmente, a avaliação é a de que a mobilização só deixará de representar apenas um desgaste para Bolsonaro e se tornará uma pressão efetiva para que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), paute o impeachment se houver adesão do centro.

Líder do MBL (Movimento Brasil Livre), Renan Santos lembra que as manifestações pela saída de Dilma Rousseff (PT) atingiam campos maiores da sociedade, “de apoiadores da ditadura militar a tucanos”, diz.

Na esquerda, os exemplos de unidade bem-sucedidos citados são as Diretas Já e o impeachment de Fernando Collor, em 1992.

O tema da unidade é espinhoso na esquerda. Embora alguns líderes façam acenos e não rechacem a união de esforços com o centro, há resistência em marchar com quem sustentou o impeachment da ex-presidente Dilma e a eleição de Bolsonaro —e agora advoga pela terceira via na eleição de 2022 e mantém a defesa do Estado mínimo.

Tampouco há consenso no centro e na direita não bolsonarista. Presidentes de partidos ouvidos pela reportagem afirmaram, nos bastidores, que tal união é impossível e que os movimentos de sábado foram marcadamente partidários.

Além disso, com parte da bancada governista, não veem clima para impeachment. Outros, no entanto, não descartam que a pressão da rua, caso a crescente se mantenha, sensibilize parlamentares de centro e vire o jogo pelo impeachment no Congresso.

Apesar da resistência, parte da esquerda entende que é preciso ao menos tentar ampliar o espectro político representado nas ruas. Lula deu o tom, em entrevistas e nas redes sociais, ao afirmar que o ato de sábado foi “em defesa da vida” e convocado “pela sociedade brasileira”.

Para não inflar o caráter eleitoral, que emerge em faixas e cantos pró-Lula, o ex-presidente decidiu não comparecer, mas incentivou seus apoiadores a tomarem as ruas. O petista também busca evitar aglomerações para se contrapor a Bolsonaro.

Raimundo Bonfim, coordenador da CMP, Iago Montalvão, presidente da UNE, e Vagner Freitas, da CUT (Central Única dos Trabalhadores), afirmaram à Folha neste domingo (20) que uma união com o centro não é impossível e que esse debate será feito no fórum de organizadores.

Eles defendem a ampliação dos atos e que a disputa de 2022 fique em segundo plano, mas lembram que as manifestações também trazem temas sociais e econômicos defendidos apenas pela esquerda.

Neste domingo, petistas divulgaram nas redes um vídeo que traz os ex-presidentes Lula, Dilma, Michel Temer (MDB) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) lamentando grandes tragédias.

A peça lembra a postura de Bolsonaro na pandemia e finaliza pedindo seu impeachment —foi lida como mais um sinal ao centro.

Presente no ato em São Paulo, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) provocou o governador paulista, João Doria (PSDB), a fazer o PSDB endossar o impeachment.

“Bolsonaro está aí para a cumplicidade dessa burguesia, que não tem coragem de pautar o impeachment. É o que o Doria devia estar fazendo, ao invés de ficar criticando o Bolsonaro”, disse.

A fala, no entanto, foi criticada por João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, central não ligada ao petismo, justamente por, em sua visão, criar segregação e não unidade.

“Será que Haddad tem que questionar Doria numa manifestação anti-Bolsonaro? Se formos por esse caminho, as manifestações não aumentarão. É imprescindível que a direção do movimento esteja aberta à participação de todos os democratas”, tuitou.

Josué Rocha, coordenador do MTST, afirma que a campanha trabalha para ter as manifestações mais amplas possíveis, mas lembra que existe um escopo.

“Qualquer pessoa que se sinta à vontade para ir às ruas pelo ‘fora, Bolsonaro’ é bem-vinda. Mas a manifestação é também contra cortes na educação, contra privatizações, contra o genocídio da população negra. É contra Bolsonaro e toda a política que ele representa”, diz.

Não é só o teor petista dos atos ou as bandeiras sociais que afugentam membros do centro, da direita e até da esquerda. Líderes ouvidos pela reportagem citaram as aglomerações como motivo inibidor para ir aos protestos.

Para o MBL, que rechaçou aderir às manifestações passadas e talvez futuras da Campanha Fora, Bolsonaro, é uma mistura das duas coisas.

“A gente vai entrar em campo, mas temos uma posição contra aglomeração”, diz Renan Santos, para quem a vacinação vai permitir atos de rua a partir de agosto ou setembro.

Renan diz querer Bolsonaro preso e avalia que as manifestações da esquerda foram importantes para o impeachment, mas descarta “ilusões infantis”. Ele cita pautas das quais discorda nos atos, como o fim do teto de gastos, e afirma que a mobilização é eleitoreira.

“Não dá para a gente ir numa manifestação que fica saudando Lula. É tão independente quanto manifestação bolsominion que fala que é marcha cristã”, ironiza.

“Seria uma pacificação gigante se fosse um ato só pelo ‘fora, Bolsonaro’, sem caminhão de som, sem bandeiras de partido. A gente está disposto a isso, seria um recado claro, mas temos que resolver a questão sanitária.”

Hoje Renan não vê espaço para unidade. Neste domingo, militantes do MBL e da esquerda se engajaram em brigas na internet a respeito da receptividade a eles.

“O melhor mesmo é que essa quadrilha de mentirosos difamadores e assediadores digitais que ajudou a eleger o genocida não apareça nas manifestações”, tuitou Jean Wyllys (PT).

O contorno eleitoral é minimizado por apoiadores de Lula, que apontam predominância de cidadãos independentes na manifestação de São Paulo. Em outros partidos de oposição, a questão também é tida como lateral.

“Não estou preocupado com isso. Não tem como dividir [apoiadores de Lula e outros] na rua. Vai ser uma mistura geral, o que vai unir todo mundo é o desejo de ver o ‘fora, Bolsonaro’ vencer”, diz o presidente do PDT, Carlos Lupi, que lançou Ciro Gomes (PDT) à Presidência e aposta nas vacinas para ampliar os atos.

“Nós até agora não temos aconselhado a ir [aos atos] por causa da pandemia. Mas a gente não controla a militância do partido, a revolta da juventude é muito grande.”

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, esteve no protesto em Brasília e diz: “Foi uma grande mobilização e vai crescer muito mais, é um processo”.

“Muitos favoráveis ao impeachment não quiseram ir porque ficaram com a ideia de que é uma manifestação à esquerda. Isso está sendo superado. O que une as pessoas não é palavra de ordem contra privatização ou faixa de Lula, é quando pede ‘fora, Bolsonaro’ que todo mundo grita”, afirma.

“Os principais organizadores [de esquerda] podem estar dando a tônica, mas vão ter a racionalidade de saber que não será só com bandeiras vermelhas que vamos botar Bolsonaro para fora, tem que ter muita gente”, completa Freire, que afirma ter visto muitas bandeiras do Brasil na manifestação.

Ele diz ainda que a adesão da maioria do Cidadania aos atos foi uma sinalização importante e que, com o tempo, outros partidos podem se posicionar pelo impeachment. “A começar pelo PT, que está dividido”, aponta, em referência ao debate sobre impeachment versus desgastar Bolsonaro até 2022.

Entre os organizadores da manifestação de sábado, há a constatação de que o descontentamento com Bolsonaro é grande e que um clima de mobilização se instalou.

“Muita gente que estava na rua não era militante organizado, isso foi o grande saldo do protesto. O debate não é eleitoral, isso se dará em 2022. O Brasil precisa de unidade de democratas em torno do impeachment”, diz Freitas, da CUT, para quem Lira deve ser o alvo maior dos atos.

Bonfim, da CMP, afirma que a união é um grande desafio, mas vê disposição para isso. “Se, de fato, muitos setores tomarem a decisão de que o impeachment é saída.”

Ele sugere, como estratégia, vincular uma próxima manifestação à apresentação do superpedido de impeachment, mas pondera sobre os riscos da pandemia.

“Não é uma questão de esquerda, é uma questão de civilização contra a barbárie, por isso tem caminhos de construir com esses setores”, afirma Montalvão, da UNE, sobre o centro.

Para ele, é natural que partidos de esquerda levem suas pautas e seus militantes nos atos, “mas isso não é um problema”. “Em 29 de maio já teve essa marca e, mesmo assim, a manifestação cresceu.”

BOLSONARO IRONIZA MANIFESTAÇÃO PEQUENA, E APOIADORES CRITICAM VIOLÊNCIA

A reação do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores, assim como no protesto anterior, foi a de minimizar a dimensão da mobilização e, desta vez, de apontar episódios de violência para deslegitimá-la.

Bolsonaro usou o vídeo de um protesto feito por um pequeno grupo de pessoas em Paranaguá (PR) para ironizar as manifestações.

“Manifestação contra Bolsonaro fecha rua e paralisa o centro de Paranaguá”, disse nas redes sociais. O vídeo mostra um grupo de oito pessoas caminhando sob a chuva, com uma faixa que traz a mensagem “Fora Bolsonaro! Vacina para todos já! Auxílio emergencial de R$ 600”.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, postou uma risada nos comentários. Outras pessoas criticaram com imagens de atos de grande porte em diferentes cidades.

Eduardo e outros deputados bolsonaristas usaram a depredação de duas agências bancárias e um episódio de hostilidade contra uma equipe da CNN Brasil para criticar os manifestantes.

Segundo a rede de TV, um homem agindo sozinho lançou fogos de artifício na direção de seus profissionais que acompanhavam o ato no terraço da sede da emissora, na avenida Paulista. Ninguém se feriu.

Ainda de acordo com a CNN Brasil, o responsável pelos fogos estava no lado oposto da avenida e logo se misturou à multidão.

Nas redes sociais, Eduardo comparou o caso com o lançamento de fogos contra a sede do Supremo Tribunal Federal por um grupo de extremistas de direita, em 2020, e disse que é “inacreditável” chamar a manifestação deste sábado de pacífica e ordeira.

Em maio, um jornalista da CNN foi hostilizado, no Rio, em ato a favor do presidente e teve que deixar o local sob escolta policial.

Jogo do Poder

Fonte: Folha de São Paulo

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