Às vésperas de encontro com Putin, relações EUA-Rússia pioram sob Biden
Desde a extinção da União Soviética em 1991, as relações entre Estados Unidos e Rússia têm sido marcadas, predominantemente, por tentativas frustradas de cooperação, e por políticas mútuas de contrabalanço de poder, por vezes assinaladas pela elevação do tom e por rompantes de agressividade entre as lideranças dos dois países.
Do lado norte-americano prevalece a leitura de que a Rússia persegue os seus interesses nacionais de forma unilateral e que busca desestabilizar o sistema internacional, dificultando o estabelecimento de relações que garantam alguma previsibilidade.
Nos últimos anos, especificamente, a relação deteriorou de forma vigorosa. Ainda durante a gestão Obama, em 2014, os Estados Unidos suspenderam a chamada “U.S.-Russia Bilateral Presidential Commission” e impuseram sanções contra Moscou. Isso ocorreu em resposta à ação russa na Ucrânia, que foi interpretada pelos norte-americanos como uma violação à soberania e integridade territorial daquele país.
Desde então, os Estados Unidos manifestam, com alguma regularidade, seu incômodo em relação à posição russa sobre esse e outros vizinhos, como é o caso da Geórgia, além do engajamento no Oriente Médio, na África e na América do Sul. Os norte-americanos, igualmente, acusam o Kremlin de “minar as instituições centrais do Ocidente, como a OTAN e a UE”, além de “enfraquecer a fé no sistema democrático e de mercado livre”. Na mesma linha, denunciam, sistematicamente, atos repressivos do governo Putin relativos ao cerceamento de direitos civis e políticos no país, especialmente contra opositores.
Em julho de 2017, durante uma visita a Varsóvia, na Polônia, Trump criticou a política russa na Ucrânia, na Síria e no Iraque. Em um emblemático discurso, falou sobre o seu compromisso em reforçar a “luta civilizacional pelo Ocidente” e, de maneira inédita, referiu-se à cláusula de defesa mútua da OTAN. No dia seguinte, já na Alemanha, reuniu-se, pela primeira vez com o presidente Putin. Nesse momento, ocorriam, nos Estados Unidos, investigações sobre a possível interferência russa nas eleições presidenciais de 2016.
No começo de 2018, o governo Trump divulgou diversos documentos que classificavam a Rússia como um dos principais concorrentes estratégicos dos Estados Unidos, especialmente em matéria de segurança e defesa. Meses depois, os dois presidentes voltaram a se encontrar, agora em Helsinque, na Finlândia, para uma reunião de pouco mais de duas horas a portas fechadas, que foi acompanhada por apenas dois tradutores.
Os detalhes desse encontro nunca foram revelados, mas logo após a sua realização, Trump levantou dúvidas sobre a conclusão das agências de inteligência dos Estados Unidos de que a Rússia teria influenciado no resultado da eleição de que foi vencedor. Em contraponto, chegou a afirmar, logo após retornar aos Estados Unidos, que as relações com a Rússia nunca haviam estado piores do que naquele momento.
Apesar de ter sido visto como um líder inclinado a proteger Putin, o governo Trump não arrefeceu o tom contra a Rússia. Em 2019, o então secretário de Estado Mike Pompeo anunciou a retirada formal dos Estados Unidos do “Intermediate-Range Nuclear Forces”, um acordo de desarmamento firmado ainda durante a Guerra Fria. O anúncio ocorreu acompanhado da acusação de que o sistema de mísseis russos conhecido como 9M729 violaria os termos do tratado. Em 2020, os Estados Unidos também criticaram as emendas constitucionais aprovadas na Rússia, que autorizaram Putin a permanecer no poder até pelo menos 2036.
Com a chegada de 2021, havia a preocupação de que um dos acordos bilaterais mais importantes não fosse renovado. O START (“Strategic Arms Reduction Treaty”), voltado à redução de armas nucleares, expirava esse ano e a gestão Trump havia demonstrado pouca disposição para levá-lo adiante. Se, por um lado, a boa notícia para os russos foi, portanto, a extensão do chamado “New START” até 2026, por outro lado, isso não significou uma reversão da maior parte das práticas anteriores. Em termos simples, a escalada de tensão ganhou novo “momentum” desde que Biden chegou ao poder.
Nos primeiros dias no cargo, o democrata impôs mais sanções contra Moscou alegando que tratava-se de uma resposta a interferência russa nas eleições presidenciais de 2016, a organização de cyber ataques contra agências governamentais norte-americanas, além da oferta de recompensas por ataques contra militares estadunidenses no Afeganistão. No meio tempo, diplomatas norte-americanos foram expulsos da Rússia. Além disso, Biden criticou Moscou pelo envenenamento e prisão do opositor Alexei Navalny. Após referir-se ao presidente Putin como “um assassino” durante uma entrevista, a Rússia classificou os Estados Unidos como “um país hostil”.
Na última semana, os Estados Unidos formalizaram a intenção de retirada do “Treaty on Open Skies”, outro acordo importante. A decisão foi criticada pela Rússia, que classificou a decisão como “um erro político”. Essa determinação já havia sido anunciada por Trump, mas os russos acreditavam que Biden poderia revertê-la. Biden, no entanto, não só deixou de cumprir com essa expectativa, como acusou a Rússia de violar o pacto ao restringir sobrevoos norte-americanos na Geórgia e no litoral do Mar Báltico.
Em duas semanas, ocorrerá o primeiro encontro de cúpula entre Biden e Putin. Previsto para 16 de junho, em Genebra, a reunião terá lugar logo após o presidente norte-americano encontrar-se com aliados do G7, da OTAN e da União Europeia. Perguntado sobre as expectativas para o evento, o chanceler russo Sergey Lavrov disse ontem que “não devemos nos iludir” e que “não haverá avanço ou decisões históricas que levem a mudanças fundamentais”.
O observador atento poderia ir ainda mais longe do que sugeriu Lavrov. Já não se trata de mapear o espaço para eventuais melhorias do relacionamento. Agora a questão é saber qual é a perspectiva de deterioração dessa relação. Afinal, como diria o ditado, “não há nada tão ruim que não possa piorar”.
(Com informações Uol / FM)