A aproximação entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) é vista, entre parlamentares de esquerda e especialistas, como um importante passo para preparar o terreno da oposição para os próximos anos. Mas, representa, por outro lado, apenas um pequeno passo na unificação das legendas. A verdade é que há muito o que caminhar, e o futuro desse relacionamento permanece incerto. Para completar, o cenário pré-eleições torna qualquer previsão ainda mais difícil. Existem, inclusive, parlamentares que acreditam que a reunião deveria ter ocorrido somente após o dia 25, para não prejudicar as disputas nos municípios em que os dois partidos se enfrentam. Entre eles, o próprio Ceará de Ciro.
Mesmo com a notícia do encontro em setembro, interlocutores do petista e do pedetista disseram que eles não chegaram a traçar planos ou estratégias eleitorais conjuntas. Nesse cenário, a fala da presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR), que afirmou que o estreitamento das relações entre os dois partidos passaria por um pedido de desculpas de Ciro ao Partido dos Trabalhadores, diz mais sobre o longo caminho a percorrer do que coloca água fria no encontro entre os caciques. O diretor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Calmon, traça um cenário que se desenvolve na formação de dois grandes blocos partidários. Um Centrão que, na visão do especialista, deveria ser chamado de “Direitão”, pela aderência às pautas bolsonaristas ou, se a dança entre PT e PDT terminar em namoro, de “Esquerdão”.
O nascimento dos blocos partidários traria força às legendas tradicionais, vítimas de um desgaste político mundial, mas desenharia um Congresso que lembra, de longe, o da ditadura militar, com um embate entre Arena e MDB. Isso, lembra Calmon, se a oposição conseguir dar os braços. “A aproximação entre Lula e Ciro pode ser um bom sinal, mas há, ainda, um longo caminho a ser percorrido até que isso se concretize na organização das oposições e a organização de uma frente única para enfrentar o Bolsonaro em 2022. O mais provável é continuar vendo o Direitão-Centrão dominando não só as pautas no Congresso Nacional, mas sendo vitorioso nas eleições de 2022”, projetou.
“Vivemos um momento em que os partidos políticos tradicionais perderam muito do seu poder e influência. As articulações políticas estão sendo feitas entre lideranças de bancadas específicas e ocasionais, caso a caso. De um lado, temos o Centrão que talvez devesse ser chamado de Direitão, porque é bem diferente do Centrão do passado, bem mais à direita e bem menos articulado, mas com uma pauta muito próxima das bancadas do BBB (Boi, Bala e Bíblia). Do outro lado poderíamos ter um Esquerdão, formado pela aliança dos partidos de centro-esquerda e de esquerda, num movimento análogo ao que tivemos nos anos de regime militar com o embate entre Arena x MDB. Mas a união das esquerdas não se concretiza, mais por uma luta de egos e um cálculo eleitoral míope”, alertou Calmon.
“Bom início”
O líder do PT na Câmara, deputado Enio Verri (PR), destaca que, no parlamento, os dois partidos trabalham bem juntos, e que a crise tem ligação direta com a forma com que Ciro enxerga o partido de Lula. Sobre o encontro entre os dois políticos, o parlamentar descreveu como “um bom início”. “Mas não dá pra dizer mais do que isso. O problema nosso não é a divergência entre PDT e PT. É uma maneira de enxergar o PT que o Ciro Gomes tem. Mas essa aproximação é boa para a democracia e para a esquerda. Foi um início de diálogo, não mais que isso. Um processo como esse leva tempo. E há divergências de fundo bastante grande, pela maneira como ele (Ciro) se manifesta”, afirmou Verri.
O petista diz esperar que o diálogo que começou continue, e destacou que será preciso esperar as eleições municipais passarem, pois os resultados podem indicar caminhos para o trabalho de relacionamento. O líder do PDT na Câmara, Wolney Queiroz (PE), por sua vez, não trata o encontro entre Lula e Ciro como uma aproximação entre os partidos. “É uma visita feita por Ciro a Lula. Eu acho que nosso campo, progressista, das oposições não pode perder tempo com acusações mútuas e esse debate meio estéril, de ficar batendo boca pelas redes sociais, isso é muito ruim”, destacou.
Para Wolney, o encontro é a sinalização de um armistício. “Não dá para jogar todas as fichas nessa visita. Não juntou os partidos. Não foi um debate com PDT e PT. Foi uma decisão das lideranças, e não dos partidos. Mas sinaliza para os partidos. No momento em que foi feito, contudo, não é sinônimos que partidos já resolveram e está tudo decidido. Tem obstáculos a serem superados de ambas as partes. E também tem ações de oposição ao governo Jair Bolsonaro que chamam essa unidade”, ponderou.
Encontro
Lula e Ciro reuniram-se no mês passado, na sede do Instituto Lula, em São Paulo, e conversaram durante toda a tarde. A necessidade de uma união da esquerda para combater o bolsonarismo foi tratada superficialmente, ainda de acordo com os interlocutores. O encontro, revelado pelo jornal O Globo, foi intermediado pelo governador do Ceará, Camilo Santana, petista e um dos aliados da família Gomes no estado. Somente os três participaram da conversa.
Ciro e Lula não se falavam desde 2018, quando ocuparam lados opostos na disputa presidencial. (CB)
Redação