Mais do que liberar duas vagas no STF (Supremo Tribunal Federal), o governo Bolsonaro pretende, com a revogação da chamada PEC da Bengala, retirar da Corte duas pedras do caminho: Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Na terça-feira (23), a CCJ da Câmara dos Deputados aprovou texto que antecipa de 75 para 70 anos de idade a aposentadoria compulsória de ministros de tribunais superiores e do TCU (Tribunal de Contas da União).
O governo quer ver a proposta promulgada antes do fim do mandato de Jair Bolsonaro. Com isso, o presidente poderia nomear mais dois ministros do STF e consolidar uma bancada expressiva: quatro dos onze integrantes da Corte. Já daria para fazer barulho. E, o mais importante, mudaria de forma significativa o perfil decisório do colegiado.
Desde janeiro de 2019, quando tomou posse, Bolsonaro tem colecionado derrotas do STF. A PEC acende uma luz no fim do túnel para o governo. Mas os planos do presidente podem dar errado. Como informou ontem a coluna, nos bastidores do tribunal, ministros dizem em uníssono que a proposta não teria efeito retroativo. Ou seja, quem já está no cargo não poderia ser retirado agora.
Com isso, Lewandowski e Rosa, que têm 73 anos, continuariam em suas cadeiras até completarem 75. A nova linha de corte valeria apenas para quem tomasse posse no STF depois de promulgada a PEC. O primeiro da fila seria André Mendonça. Se for aprovado em sabatina, o ex-advogado-geral da União tomará posse no tribunal em dezembro.
Boa parte das derrotas de Bolsonaro no Supremo levam a assinatura de Lewandowski e Rosa Weber. O último grande revés foi a suspensão do chamado orçamento secreto, uma arma poderosa do governo para arrebanhar o apoio de parlamentares.
No início do mês, com uma canetada, Weber suspendeu o pagamento das emendas de relator. Em seguida, no plenário virtual, por oito votos a dois, a liminar foi confirmada. Lewandowski votou com a maioria. A PEC é vista no Congresso como forma de retaliação à Corte.
Embora não haja garantia alguma de que um ministro vote de acordo com os interesses do presidente que o escolheu, o poder de indicar integrantes do Supremo é indiscutível. Não é a primeira vez que o Congresso tenta influenciar na quantidade de ministros escolhidos pelo presidente. Em 2015, quando promulgou a PEC da Bengala, a intenção era diminuir as nomeações da então presidente Dilma Rousseff – que, na época, já sofria desgaste político.
Ainda assim, Dilma tem hoje a maior quantidade de ministros escolhidos no STF. São quatro: Luiz Fux, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. Em segundo lugar vem Luiz Inácio Lula da Silva, com três: Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.
Bolsonaro, por enquanto, tem apenas Kassio Nunes Marques. Em declaração recente, disse que o novato dá ele 10% do STF. André Mendonça deve somar-se ao time. Gilmar Mendes é o único remanescente da Era FHC. Alexandre de Moraes foi escolhido por Michel Temer.
A lista de incômodos causados por Lewandowski ao governo Bolsonaro é extensa. O ápice foi quando o ministro publicou artigo na Folha de S. Paulo antes do Sete de Setembro afirmando que participar de tentativa de golpe de Estado configura crime. O presidente da República tinha convocado manifestantes para protestarem contra o STF.
Em seguida, o ministro negou pedido para obrigar o presidente da CCJ do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a agendar a sabatina de André Mendonça. No dia anterior, Bolsonaro tinha reclamado da demora para a sabatina ser realizada.
Em dezembro do ano passado, Lewandowski deu prazo para o governo apresentar datas de cada etapa do plano de vacinação contra a Covid-19. O ministro também votou a favor da adoção de medidas restritivas para obrigar a população a se vacinar – como, por exemplo, proibir que pessoas não imunizadas frequentem determinados locais. Bolsonaro criticou.
Para a maioria dos ministros do STF, o presidente da República não poderá nomear mais ministros para a Corte até o fim de 2022, mesmo com a PEC aprovada. Em caráter reservado, ministros explicam que é inconstitucional diminuir o mandato de quem já estão no cargo. Isso violaria o princípio da separação de Poderes, porque significaria interferência do Legislativo no Judiciário.
Para integrantes do STF, a PEC é apenas uma forma de desgaste do Legislativo com o Judiciário, já que o efeito prático desejado por Bolsonaro não seria concretizado. Entre ministros da Corte, há dúvida de que a proposta será aprovada pelo Senado. Ainda que não tenha efeito prático imediato, a PEC já cumpriu seu propósito: o de tentar intimidar o Supremo.
Fonte: UOL/CB