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PF está desmotivada e será um ativo em um governo Lula, diz petista Tarso Genro

Ex-ministro da Justiça no segundo governo Lula (PT), Tarso Genro aponta a segurança pública como um tema tão importante como a economia na campanha eleitoral de 2022 e ataca o que ele chama de intervencionismo político do governo Bolsonaro na Polícia Federal.

Tarso é um dos petistas que participam da produção de um programa da área de segurança pública a ser apresentado pela campanha de Lula. Ele afirma não ver problemas na relação da corporação com o PT, mesmo após a Lava Jato e a prisão do ex-presidente.

“Ela será um ativo desse governo, fazendo as alterações em boa parte dos comandos, porque hoje a PF hoje tem comandos bolsonaristas”, afirmou à Folha.

Sobre a política de armas, o ex-governador do Rio Grande do Sul não quis responder se as normativas do governo Bolsonaro serão revistas, mas afirmou que as Forças Armadas perderam o controle do armamento no país.

“Eu não sei se isso entraria, isso é de tal forma importante e delicado que tem que ser decidido pelo presidente da República em relação direta com as Forças Armadas”, disse.

O PT prepara uma proposta de programa para Lula apresentar sobre a segurança pública, qual a importância que se dá a esse tema na campanha? Tão importante como o programa, ou mais importante, neste momento, é o enunciado de quais as primeiras medidas o futuro presidente da República vai tomar em relação à segurança pública.

Eu tenho convicção de que no subconsciente da sociedade, muito mais que a situação econômica, a questão da insegurança pública, que tem condicionantes criminais, econômicos, internacionais relacionadas com o tráfico de drogas, vai ter uma importância extraordinária, no mesmo nível da economia.

Acho que o presidente da República deve dizer antes para a sociedade, para as forças policiais, para as forças militares, quais serão as suas primeiras medidas. Sem as primeiras medidas nossa posição não vai ter visibilidade e permitir que as pessoas recuperem sua memória do que foi, por exemplo, o Pronasci, que gerou uma série de consequências extraordinárias.

Consequências que foram demolidas pelo atual governo. Como a política de equipamento de policiais, papel da Força Nacional como escola de formação federativa, a combinação de programas preventivos nas zonas mais criminalizadas do país voltados sobretudo para mães e jovens com políticas de segurança pública, não de ocupação territorial, mas de participação comunitária das polícias na relação com a sociedade desses lugares acossados pelo crime organizado.

Por isso eu acho que o fundamental é o presidente Lula, ou o candidato do centro democrático que ganhar, dizer quais são suas principais medidas. Isso vai motivar um novo imaginário nas forças de segurança pública do país.

Nenhuma reforma profunda poderá ser feita no curto prazo, o que pode ser mudado em dois ou três anos é a relação federativa da segurança pública.

O que seria mudar essa relação federativa? Seria algo que não necessita de mudanças legais e constitucionais. Seriam relações conveniadas da união federal com estados e estados com municípios para condicionar a aplicação e distribuição de importante recursos a partir de projetos concretos que sejam diretamente negociados com a União.

Por exemplo, acho que é possível instalar rapidamente 5.000 postos de segurança comunitária nas regiões com maior índice de criminalidade. Esses postos devem reunir a Polícia Militar, a Civil, a Defensoria Pública e as estruturas comunitárias de participação social que existem na região.

Para ser uma polícia que trate a comunidade não como território hostil, mas numa relação com vizinhança e de assimilação recíproca.

Significa não aceitar a visão, do Bush [George Bush, ex-presidente dos EUA] por exemplo, de guerra às drogas. O combate às drogas tem que ser feito por meio de processo de aproximação da polícia e da comunidade.

Numa certa época, antes de politizar a questão, isso ocorreu no Rio de Janeiro com as forças de pacificação. Deu certo até um certo ponto, mas governo estadual resolveu estender o programa sem estender os programas sociais e deu no que deu.

Além da mudança federativa, o que mais têm sido debatido? Qualificação das periciais, treinamentos das policiais locais por meio de programas como o bolsa formação, quando o governo pagava determinado valor para policiais se inscreverem em cursos, por exemplo, de cuidado como o local de crime e até temas mais complexos como uso progressivo da força.

Isso deve estar embutido num programa maior, eventualmente até de reforma de estruturas constitucionais que tratam da segurança pública, mas isso é mais distante. O mais concreto é revigorar a esta relação federativa e unir sistema policial através de projetos articulados com União, Estados e municípios.

Sobre fim da guerra às drogas, como seria isso? Quando falo da guerra às drogas me refiro à política do Bush, com ação policial e militar nos territórios, caçar quadrilhas. Sim, isso é necessário, mas não é o fundamental. Fundamental é como as forças de segurança chegam no local, como se relacionam com a população.

A guerra é visão militarista sobre as drogas. A preocupação da guerra às drogas americanas é interromper o fluxo para não chegar aos EUA. A nossa visão deve ser outra, deve ser secar as fontes de produção e, também, integrar a comunidade socialmente em outras atividades para que ela possa resistir ao assédio do traficante.

O PT vai enfrentar a questão da legalização das drogas? É uma questão que não é imediata para o próximo governo. Pode ser uma questão acadêmica, tem que ser uma discussão que tem que ser feita, processualmente tem que haver uma coesão social sobre como tratar essas questões, mas não é uma questão imediata.

E como enfrentar o crime organizado, facções e etc., que atuam no tráfico, dominam território, estão armados e operam também em outros crimes? Há uma crítica ao PT sobre como lidou com facções nos seus governos? As questões não podem ser confundidas nem integradas de maneira artificial. Uma coisa é o combate ao crime organizado, que é científico, estrutural numa política de segurança, e diz respeito ao enfrentamento direto das forças de segurança as quadrilhas que estão nos presídios, atuam no tráfico de drogas e que constituem uma obrigação primária do estado.

Essas questões só podem ser enfrentadas através de força armada e com uso da polícia científica. Outra coisa é o combate ao crime nos territórios, onde existe processo de dominação e instrumentalização das comunidades, onde transformam a juventude do local em quadrilheiros porque dão futuro melhor para a sua família. Isso é outra coisa. Isso é o elemento central de uma política nacional de segurança pública.

Sobre a política de armas, as primeiras medidas incluirão algo sobre esse tema? Não posso responder, ainda não terminou. Tem, sim, essa discussão e em algum momento vai chegar. O Paulo Teixeira [deputado federal por São Paulo] é coordenador nacional. Eu não sei se isso entraria, isso é de tal forma importante e delicado que tem que ser decidido pelo presidente da República em relação direta com as Forças Armadas.

As Forças Armadas perderam o controle do armamento aqui no Brasil, a famosa portaria do Bolsonaro. Isso é de uma gravidade extraordinária. O Estado deveria ter o monopólio desse armamento, o Estado pelas Forças Armadas.

Isso vai ter que ser refeito de maneira muito rápida, mas tem que deixar para ver a posição que o presidente vai ter, o presidente que for eleito.

E a Polícia Federal, como lidar com o órgão após a relação tensa entre PT, Lula e a corporação por causa da Lava Jato? E qual o papel dela na segurança pública? A PF na minha gestão estava integrada no programa nacional de segurança pública e tinha nas principais superintendências ao menos uma microestrutura de integração com as outras policiais e programas sociais do governo. Isso precisa ser restabelecido.

Na minha opinião, a PF é um ativo que o estado brasileiro tem. É uma estrutura que tem problemas, não mais nem menos que têm Judiciário e as outras polícias, tem até problemas menores, pela qualidade dos seus integrantes.

A PF é o menor problema, ela é um ativo para qualquer governo. É claro que precisa ter uma profissionalização dos comandos, dos superintendentes, deixar de lado a escolha política dos dirigentes e pegá-los por suas capacidades técnicas, experiência e respeito à Constituição.

Não vejo nenhum problema na PF, ela será um ativo desse governo, fazendo as alterações em boa parte dos comandos, porque hoje são politizados. A PF hoje tem comandos bolsonaristas. Há muito tempo isso não ocorria na PF.

A PF está desmotivada e atônita em relação ao absoluto intervencionismo político do governo em suas ações. Basta ver a questão ambiental que é um exemplo dramático.

O partido tem debatido como lidar com a influência do bolsonarismo nas policiais militares, por exemplo? Eu governei o Rio Grande do Sul e nunca tive problema com a Polícia Civil ou com a Brigada Militar. Nos movimentos de junho de 2013 fomos o único estado sem violência contra manifestantes.

É trabalhar com diálogo e exemplo e atender as reivindicações dentro do possível. A maioria dos policiais são sérios e estão ali para exercer a profissão e ganhar a vida. Neste diálogo federativo que falei vai ter conversa com essas forças públicas, mostrar opiniões, fazer propostas. Os dois problemas mais graves não serão com os policiais, serão os crimes ambientais e combate à fome.

RAIO-X

Tarso Genro

  • 75 anos
  • Presidente do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, presidente do PT e ministro da Educação, Relações Institucionais e Justiça na gestão Lula
  • Governador do Rio Grande do Sul de 2011 a 2014.

Fonte: Folha de São Paulo

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