Começa nesta segunda-feira uma missão de peritos da ONU para avaliação as políticas do governo em relação ao combate contra a tortura. Nos últimos três anos, as propostas e medidas adotadas pelo presidente Jair Bolsonaro têm sido alvo de duras críticas internacionais e denúncias de violações de direitos humanos.
Agora, os peritos do Subcomitê de Prevenção à Tortura e outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes (SPT) iniciarão uma visita oficial ao Brasil e, na capital do país, cobrarão respostas sobre o tema. O grupo irá declarar abertamente sua oposição e criticará a medidas que estão enfraquecendo o funcionamento do organismo de fiscalização de tortura do país, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).
“Com esta política, os 11 integrantes do Mecanismo não serão mais remunerados e deverão trabalhar voluntariamente”, afirmou o órgão da ONU, em um comunicado. “Além disso, os membros do MNPCT não terão nenhum apoio de pessoal ou secretariado por parte do governo”, disse.
“É um assunto urgente”, disse Suzanne Jabbour, chefe da delegação e presidente do órgão da ONU. “Sem apoio administrativo ou financeiro por parte das autoridades, o MNPCT, que deve visitar e monitorar com regularidade prisões e outros estabelecimentos de detenção, não será operacional”, disse.
O grupo já emitiu, em 2019, um parecer sobre o decreto presidencial. A medida foi suspensa por determinação de um tribunal federal e ainda aguarda uma decisão final.
“Deveríamos ter encontrado com autoridades brasileiras em 2020, mas a visita precisou ser adiada por conta da pandemia. Como agora estamos retomando nosso programa de visitas, o Brasil é uma das nossas prioridades”, explicou Jabbour.
“Com nosso forte engajamento e diálogo com autoridades, esperamos transmitir a mensagem de que um mecanismo nacional forte de prevenção é fundamental para promover e proteger os direitos humanos das pessoas privadas de liberdade no Brasil”, completou.
Cumprir as regras internacionais não é uma opção para o Brasil. Por fazer parte do Protocolo Opcional da Convenção contra Tortura, o estado é obrigado a estabelecer mecanismos operacionais nacionais de prevenção. “O Brasil estabeleceu um sistema nacional de prevenção a tortura em 2013, mas apenas 4 dos 26 estados brasileiros implementaram um organismo de prevenção”, completou a ONU, em uma nota.
Missão ao Brasil ocorre após denúncias e troca de cartas
A visita ao Brasil ocorre depois que o órgão internacional já enviou cartas ao governo, denunciando as ações por parte de Bolsonaro. As iniciativas do organismo da ONU não implicam em sanções concretas. Mas aprofunda a crise de credibilidade do país em termos de cumprimento de acordos internacionais, principalmente no setor de direitos humanos.
“A adoção e entrada em vigor do Decreto Presidencial nº 9.831 enfraqueceu severamente a política de prevenção da tortura no Brasil”, afirmou o subcomitê da ONU ainda em 2020. Para a entidade, tal postura dificulta o cumprimento das regras estabelecidas pela entidade e é incompatível com os tratados.
“Em vista do exposto, o Subcomitê entende que o Decreto Presidencial no 9.831 deve ser revogado para melhor assegurar que o sistema brasileiro de prevenção da tortura funcione de forma eficiente e independente, com autonomia financeira e estrutural e recursos adequados, de acordo com as obrigações internacionais do Brasil”, disse.
O organismo também pede que as “autoridades brasileiras se comprometam sobre a melhor forma de fortalecer a eficácia de seu sistema de prevenção da tortura, incluindo quaisquer propostas de reforma para reforçar seu Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura (MNP)”.
“O Decreto parece indicar uma mudança na política do Estado Parte em relação à prevenção da tortura em geral, bem como, em particular, no modelo para cumprir suas obrigações internacionais nos termos do Protocolo”, disseram.
Naquela época, os peritos indicaram que as ” mudanças na abordagem do Estado Parte em relação à prevenção da tortura e ao Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura são difíceis de entender, contrárias ao progresso feito anteriormente para a implementação de suas obrigações o e constituem um retrocesso para o sistema no Brasil”.
Ainda no primeiro ano do governo, o organismo da ONU alertou que que os onze peritos do Mecanismo nacional “não só perderam sua remuneração como também perderam seus níveis anteriores de apoio administrativo e pessoal dedicado”.
« No seu conjunto, isto representa uma grande mudança na forma como o Estado Parte decidiu organizar o funcionamento do MNP e, portanto, na sua política de prevenção da tortura”, disse.
O organismo da ONU insiste que existem obrigações do estado em “assegurar a independência estrutural e funcional dos Mecanismos Nacionais de Prevenção, bem como do seu pessoal (secretariado)”, além de recursos necessários e medidas necessárias para assegurar que os “peritos do mecanismo tenham as capacidades e conhecimentos profissionais necessários”.
Os tratados também estipulam que “os Estados Partes comprometem-se a disponibilizar os recursos necessários para o funcionamento dos mecanismos preventivos nacionais”.
Segundo os peritos da ONU, a própria lei brasileira determina que ” independência operacional do mecanismo deve ser garantida” e que recursos sejam “disponibilizados” para garantir “total autonomia financeira e operacional”.
Por tais motivos, o Subcomitê de Prevenção de Tortura “considera que o Decreto nº 9.831, de 2019, significa que o MNP não pode ser considerado conforme por uma série de razões, incluindo as seguintes:
(a) Os membros/peritos do MNP foram indevidamente restringidos na sua capacidade de exercer as suas funções de forma suficientemente focalizada, independente e dedicada pela mudança do seu estatuto para titulares de cargos públicos não remunerados;
(b) Os membros/peritos do MNP deixarão de ser apoiados por pessoal especializado, especializado e independente, escolhido pelo MNP financiado pelo orçamento específico dos MN e que responde diretamente perante eles;
(c) As mudanças propostas não são o resultado de um processo de consulta ou engajamento com o MNP destinado a aumentar a eficácia das políticas de prevenção da tortura do Estado Parte.
“Estas deficiências de fundo e de processo parecem comprometer a capacidade do mecanismo de funcionar de forma eficaz, da maneira prevista pelo Protocolo Facultativo”, concluíram.
Fonte: UOL/JC