Os senadores da CPI da Covid convidaram ontem um grupo de juristas para que elaborassem a denúncia de crimes contra a humanidade contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao TPI (Tribunal Penal Internacional) de Haia. Esta seria a terceira denúncia contra o presidente no tribunal pela condução da pandemia.
O vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), fez o convite durante reunião dos membros da CPI com os juristas Miguel Reale Júnior, Sylvia H. Steiner, Helena Regina Lobo da Costa e Alexandre Wunderlich. No dia anterior, o grupo entregou um parecer que lista os possíveis crimes cometidos por Bolsonaro ao longo da pandemia de covid-19 no país.
Entre os delitos apontados pelo relatório estava o de crime contra a humanidade, no qual o senador Randolfe admitiu que estava buscando formas de encaminhar. “Qual seria o melhor procedimento para levar o crime contra a humanidade ao TPI?”, questionou o senador aos juristas.
E completou “Já vemos aqui que [o crime] está devidamente caracterizado por Vossas Excelências e também há elementos fartos disso no âmbito da investigação que conduzimos, sobretudo no que aconteceu em Manaus”.
A jurista Sylvia H. Steiner, que já atuou em Haia, explicou que havia três formas de apresentar a denúncia, sendo apenas uma viável neste caso. “Uma delas é pelo Estado, o que não caberia porque o Estado é representado pelo presidente, a segunda seria remetida pelo Conselho de Segurança que não é o caso, então caímos na terceira que é a representação feita de forma individual”.
“Teria que ser enviada essa representação, no caso pelos senhores membros da CPI, e essa representação seria tratada como apresentada por particulares e não por governo”, explicou Sylvia.
O senador fez o convite para que a denúncia fosse escrita pelos juristas, o que foi aceito pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior. “Com honra de participar ao lado dos senhores senadores dessa denúncia que corresponde a uma verdade espantosa que ocorreu no nosso país. Sem dúvida nenhuma”.
O relatório entregue à comissão apontou como crimes contra a humanidade, a posição do governo federal perante a crise de oxigênio em Manaus e também o tratamento aos povos indígenas durante a pandemia.
O documento diz haver “demonstrada responsabilidade penal individual de Bolsonaro, de Eduardo Pazuello e pelo menos, da médica Dra. Mayra Pinheiro Correia, pelos crimes contra a humanidade analisados”.
Em relação aos indígenas, o relatório diz que “há elementos probatórios razoáveis para acreditar que houve, por parte do Governo Federal, em especial por parte do Presidente da República e do Ministro da Saúde, um ataque dirigido contra a população indígena, através de uma política de Estado de adoção de medidas concretas e de omissões deliberadas que resultaram no número de contaminações e de mortos entre as populações indígenas proporcionalmente superior ao que atingiu as populações urbanas;”
“Há indícios probatórios razoáveis para crer que esse ataque deliberado contra a população civil foi generalizado, na medida em atingiu vários grupos e comunidades indígenas, indiscriminadamente, como foi implementado de forma sistemática, obedecendo a um planejamento deliberado, reiterado e executado de forma uniforme, que só não causou danos ainda maiores em face da pronta intervenção do Supremo Tribunal Federal e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos”, completa o texto.
Sobre Manaus, o parecer diz que há elementos probatórios razoáveis de “um ataque dirigido contra a população civil, através de uma política de Estado de adoção de medidas concretas e de omissões deliberadas que resultaram no número de contaminações e de mortes, inclusive por falta de oxigênio, número esse desproporcional à média nacional e evitável, tivessem sido tomadas as medidas adequadas para enfrentamento da crise naquele Estado”.
Crime de responsabilidade e impeachment
Além do crime contra humanidade, o relatório também traz a ocorrência de crimes de responsabilidade, de saúde pública e contra a paz pública.
Renan Calheiros (MDB-AL), relator da comissão que deve entregar o relatório final em breve, questionou os juristas sobre a possibilidade de rever a lei de impeachment de forma a evitar “omissões como a que vemos agora na Câmara dos Deputados, que já acumula na pauta muitos pedidos e não tem sequer um despacho sequer do presidente da Câmara”.
Reale Júnior, então, sugere uma outra via para abertura de processos de impeachment, que seria pela tramitação com a manifestação da maioria absoluta da Câmara dos Deputados, sem a necessidade de passar pelo presidente da casa. “Não pode que o controle do impeachment, que é a incompatibilidade do presidente com o seu cargo, fique exclusivamente ao temperamento do presidente da Câmara”, diz.
O crime de responsabilidade, apontado pelo relatório, abre a possibilidade de abertura de processos de impeachment. Reale Júnior. foi quem encaminhou a denúncia de crime de responsabilidade contra a presidente Dilma Rousseff que resultou em seu impeachment em 2016. Durante a reunião, o ex-ministro disse que a situação desta vez é mais grave do que a de outros impeachments.
É um quadro desolador. Se formos olhar impeachments anteriores, este é de uma gravidade, o crime de responsabilidade é exponencialmente, porque colocou em risco um número indeterminado de brasileiros, com a mais absoluta indiferença, frieza, sempre na expectativa de salvar a economia para poder garantir um processo eleitoral futuro satisfatório.Miguel Reale Júnior
O documento contra Bolsonaro enviado à CPI cita a promoção a aglomerações, o não uso de máscaras, a incitação a invasão de hospitais, o incentivo ao chamado tratamento precoce com remédios ineficazes para o tratamento da covid-19, a resistência à política de isolamento social, a crítica às vacinas, entre outros.
Também estavam presentes na reunião os senadores Simone Tebet (MDB-MS), Omar Aziz (PSD-AM) e Alexandre Vieira (Cidadania-SE).
*Com Estadão Conteúdo