Depois de o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso determinar a instalação da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da covid-19 no Senado, na última quinta-feira (8), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vem utilizando uma estratégia indireta na tentativa de dissuadir os parlamentares: pressionar a Casa a ampliar o escopo da investigação.
Além de eventuais responsabilidades do Executivo federal no enfrentamento à pandemia, Bolsonaro quer que a comissão também apure se governadores e prefeitos cometeram irregularidades.
No Senado, a demanda do presidente gera um impasse político. Os parlamentares têm uma relação de proximidade com os governos locais, principalmente com os governadores, e incluí-los em uma fiscalização mais ampla de fatos que ocorreram durante a pandemia faria da CPI um campo de batalha.
Segundo auxiliares que atuam no Planalto, esta não seria a solução “ideal” aos olhos do presidente. O melhor, de acordo com a avaliação, seria não ter uma CPI. Na semana passada, Bolsonaro fez duras críticas a Barroso. O governante disse considerar que o pleito investigatório seria uma “politicalha”.
Veja comentário do presidente (UOL)
No entanto, como se trata de uma ordem da Corte e, mesmo sob protesto, cabe ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), cumprir a decisão, Bolsonaro precisou pensar em uma alternativa.
Para o Planalto, ao emplacar a ampliação do escopo da comissão e colocar os governos locais sob a mesma lupa, há chance de triunfar em dois cenários possíveis.
Se senadores desistirem do apoio à CPI e retirarem assinaturas, o assunto será engavetado. No entanto, se isso não ocorrer, os holofotes vão se dividir entre as responsabilidades do presidente da República e as de muitos dos seus adversários diretos —como o governador de SP, João Doria (PSDB), e outros. Ou seja, se tal cenário for confirmado, a comissão seria um espaço de disputa de narrativas, sobretudo acerca de pontos de divergência entre as partes (medidas de restrição, lockdown e outros).
Situação gera guerra de versões no Senado
O pedido original de CPI para investigação de eventuais malfeitos na pandemia foi feito pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e abrange somente o governo federal. Na prática, se focaria no presidente Bolsonaro e no Ministério da Saúde.
Randolfe conseguiu preencher todos os pré-requisitos necessários, mas o pedido ficou parado à espera de análise por mais de dois meses na mesa de Rodrigo Pacheco. A decisão de Barroso se deu após questionamento dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO) ao Supremo.
Enquanto isso, desde o início de março, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) articulava outro pedido para uma CPI que incluísse estados e municípios, sem conseguir fazê-lo decolar. O governo não queria fomentar uma CPI se a outra pedida por Randolfe realmente não tomasse forma.
O requerimento de Girão só ganhou força nos últimos dias, quando senadores governistas o enxergaram como alternativa para ampliar o escopo de atuação do colegiado e tirar o governo federal da mira dos parlamentares.
Na guerra de CPIs que se criou no Senado, o pedido de Randolfe contava com 34 assinaturas de apoio ontem enquanto o de Girão contava com 36, segundo as assessorias dos parlamentares. Pelo regimento interno do Senado, é necessário que ao menos 27 parlamentares assinem o documento para que uma CPI seja instalada.
Para senadores que apoiam a CPI federal proposta por Randolfe, Alessando Vieira errou ao querer modificar o objeto da comissão para a inclusão de estados e municípios. Sob reserva, avaliam que Vieira deu “um tiro no coração da CPI” ao, sem querer, fazer a vontade do governo, que passou a usar a estratégia por meio de Girão para dificultar o funcionamento da comissão, avaliam.
Também consideram que Kajuru não tinha completa noção do impacto jurídico e do prejuízo que poderia causar até a si mesmo ao vazar áudio de conversa com o presidente Bolsonaro.
Há quem enxergue o cometimento de crimes de responsabilidade pelo presidente. O senador filho do presidente da República, Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), pretende entrar com representação contra Kajuru no Conselho de Ética do Senado.
Senadores estão divididos
O líder da Minoria no Senado, Jean-Paul Prates (PT-RN), afirma não ser contra ampliar o escopo da CPI para investigar estados e municípios, mas diz não enxergar necessidade de incluir isso nos objetivos da comissão.
“As assembleias estaduais e as câmaras municipais podem muito bem fazer este papel [de investigação]. E a CPI vai investigar as ações do governo federal no enfrentamento da covid. A União é responsável por distribuir as verbas orçamentárias para todos os entes da federação. Se aconteceram irregularidades na destinação ou mesmo na aplicação deste dinheiro, é preciso apurar tudo”, disse, ao acrescentar que se os gestores não fizeram nada de errado, não há o que temer.
Um dos vice-líderes do governo no Senado, Elmano Férrer (PP-PI) declarou apoio à proposta de Girão de incluir prefeitos e governadores na CPI da covid. “Não considero o momento oportuno para uma CPI, mas, se é para investigar, que todos respondam por suas ações.”
Para o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), Bolsonaro tenta criar uma cortina de fumaça na CPI, mas o Senado “não deve desviar o foco”.
“Que as assembleias estaduais investiguem desvios dos governadores e que o Congresso Nacional se dedique aos desvios federais”, se manifestou.
A líder da bancada feminina, senadora Simone Tebet (MDB-MS), acredita que, se caracterizado o desvio dos recursos federais no âmbito de algum estado ou município, a CPI federal pode encaminhar suas conclusões ao Ministério Público para que promova as devidas responsabilizações, inclusive para servir como base para outra CPI em assembleias estaduais ou em câmaras de vereadores.
Em meio à confusão, o senador Roberto Rocha (PSDB-MA) informou estar buscando assinaturas para a criação de uma CPMI (Comissão Mista Parlamentar de Inquérito) para apurar eventual má gerência de recursos da União transferidos para estados, Distrito Federal e municípios. Além do Senado, uma CPMI englobaria a Câmara dos Deputados. (Fonte: UOL)
Redação Jogo do Poder