O presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a desafiar o STF (Supremo Tribunal Federal) e concedeu perdão de pena ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pela corte a 8 anos e 9 meses de prisão, em regime inicial fechado.
O processo contra Silveira também colocou no centro das críticas de apoiadores do governo o ministro André Mendonça, indicado ao tribunal por Bolsonaro sob argumento de ser “terrivelmente evangélico” e alinhado ao mandatário.
O caso ainda fez o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reivindicar no Supremo que deputados tenham a palavra final sobre a perda de mandato de colegas condenados.
O indulto individual foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União na tarde desta quinta-feira (21). Minutos antes, o presidente anunciou o perdão em transmissão nas redes sociais ao lado da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Ele argumentou que a liberdade de expressão é “pilar essencial” e que a sociedade encontra-se em “legítima comoção” por causa da condenação.
Pouco depois, em sua live semanal, Bolsonaro voltou a ler o texto do indulto e também citou as motivações que embasaram a concessão do benefício. “Nós nos fundamentamos em ações, em jurisprudência do próprio ministro Alexandre de Moraes“, afirmou o presidente, citando argumentação usada pelo magistrado em ação no Supremo.
O presidente disse que a clemência é “medida cabível e necessária para que a nação possa caminhar rumo aos objetivos traçados na Constituição”.
Por causa de ataques aos membros do Supremo, o parlamentar foi condenado por 10 votos a 1. Apenas o ministro Kassio Nunes Marques, também nomeado por Bolsonaro, divergiu e defendeu a absolvição do parlamentar.
Os ministros do STF também aprovaram cassar o mandato de deputado, suspender os direitos políticos de Silveira, que articula candidatura ao Senado, e aplicar multa de cerca de R$ 192 mil.
O julgamento de Daniel Silveira é mais um caso que opõe o tribunal ao governo Bolsonaro. O mandatário chegou a mobilizar atos golpistas em setembro de 2021 que tiveram a corte como alvo principal.
O presidente ainda mandou os ministros do STF calarem a boca e botarem a toga no último dia 31, em discurso com defesa de armas, da ditadura militar (1964-1985) e questionamentos ao sistema eleitoral.
Ministros do STF classificaram como “surreal” o indulto concedido a Silveira, informou o Painel.
A decisão, porém, foi comemorada por aliados do presidente. “Se tudo isso fosse partida de futebol, meu presidente seria além de artilheiro o autor de um gol olímpico!”, escreveu o deputado Marco Feliciano (PL-SP) nas redes sociais.
A decisão de Bolsonaro de conceder perdão ao amigo deverá ser analisada pelos próprios ministros do Supremo no futuro.
Na quarta-feira (20), mesma data da condenação, Arthur Lira decidiu aumentar a pressão sobre o STF.
Ele apresentou recurso dentro de uma ação de 2018 sobre a perda do cargo de outro parlamentar. Com o caso de Silveira, o tema voltou à tona e o presidente da Câmara cobrou uma definição do Supremo para “impedir que prerrogativas constitucionais da Câmara dos Deputados sejam subtraídas”.
O resultado do julgamento também colocou André Mendonça sob críticas de antigos aliados. O magistrado votou pela condenação de Silveira, mas com pena mais branda, de 2 anos e 4 meses, em regime inicialmente aberto.
A pena decidida na quarta (20) só poderá ser cumprida após julgamento de embargos de declaração, recurso que a defesa ainda poderá apresentar.
Pastor presbiteriano e ex-advogado-geral da União, Mendonça foi a aposta do presidente Bolsonaro para agradar ao público evangélico e ganhar terreno dentro do Supremo, onde presidente considera que alguns magistrados atuam como opositores do governo.
O pastor Silas Malafaia disse que o “terrivelmente evangélico André Mendonça me decepciona e quem eu critiquei, ministro Kassio Nunes, terrivelmente me representa”.
Já deputado e pastor evangélico Marco Feliciano disse, nas redes sociais, estar “terrivelmente desapontado.”
André Mendonça reagiu na manhã desta quinta e disse que fez o correto como cristão e jurista. “E é preciso se separar o joio do trigo, sob pena de o trigo pagar pelo joio. Mesmo podendo não ser compreendido, tenho convicção de que fiz o correto”, escreveu, nas redes sociais.
O magistrado ainda afirmou que “como cristão, não creio tenha sido chamado para endossar comportamentos que incitam atos de violência contra pessoas determinadas”. E declarou que “há formas e formas de se fazerem as coisas”.
Mesmo após ter sido preso e solto por ataques à corte, o deputado Silveira segue frequentando o Palácio do Planalto e tem recebido apoio público de Bolsonaro.
“É muito fácil falar ‘Daniel Silveira, cuida da tua vida. Não vou falar isso. Fui deputado por 28 anos. E lá dentro daquela Casa, com todos os possíveis defeitos, ali é a essência da democracia também”, afirmou Bolsonaro no último dia 31.
Arthur Lira apresentou recurso para dar à Câmara o direito de decidir sobre a cassação do mandato de parlamentares em processo impetrado por Rodrigo Maia (PSDB-RJ) em 2018, quando presidia a Câmara.
Neste caso, o STF condenou o ex-deputado Paulo Feijó (PP-RJ) e determinou a perda do cargo no Congresso. A decisão seria apenas comunicada à Câmara.
Feijó encerrou o mandado em janeiro de 2019, e a controvérsia não foi a julgamento. No último dia 5, o relator da matéria, ministro Luís Roberto Barroso, declarou a perda de objeto, sem análise de mérito.
Lira recorre, agora, contra essa decisão. Ele pede que o assunto seja deliberado pelo Supremo e afirma que a ação vai além do caso de Feijó.
“O objeto da ADPF [nome dado à ação] permanece enquanto não reconhecida a impossibilidade de impor-se à Mesa da Câmara dos Deputados a mera declaração de reconhecimento da perda de mandato de Parlamentar em virtude de sentença penal transitada em julgado.”
Parte dos integrantes da corte entende que a perda do mandato é automática, cabendo à Câmara apenas cumpri-la. Uma vertente, no entanto, avalia que compete ao Legislativo autorizá-la.
Alexandre de Moraes, autor do voto que levou à condenação de Silveira a 8 anos e 9 meses de prisão em regime inicialmente fechado, defendeu a cassação automática do mandato.
As duas alternativas, no entanto, só se efetivam após o trânsito em julgado do caso —ou seja, assim que estiverem esgotados todos os recursos possíveis ao parlamentar.
Quando a ação que interessa ao presidente da Câmara ainda tramitava no Supremo, a PGR (Procuradoria-Geral da República) chegou a se manifestar sobre a polêmica.
Em parecer de fevereiro de 2019, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, analisou o caso concreto e, embora tenha também indicado a perda de objeto, analisou o mérito.
Dodge foi contra o pedido que buscava dar à Câmara a palavra final sobre Feijó. “O Poder Judiciário não precisa de licença para executar sua função de julgar e de aplicar penas”, afirmou.
No julgamento, apesar de votar pela condenação, André Mendonça afirmou que a perda de mandato depende do Congresso e que não poderia ser imposta pelo Supremo.
Apesar de a execução da pena não ser imediata, há um entendimento de que a questão da inelegibilidade já está definida, uma vez que a Lei da Ficha Limpa determina que, para a perda de direitos políticos, basta condenação por decisão colegiada.
Durante o julgamento, os ministros apontaram que o caso é importante por colocar limite aos ataques às instituições. Disseram ainda que a análise do processo vai além da situação concreta do deputado e que se trata, na verdade, de defender a democracia e as instituições.
Os ministros ainda elogiaram a “coragem” de Mendonça pelo voto para condenar o parlamentar e do procurador-geral da República, Augusto Aras, que costuma se alinhar às pautas de Bolsonaro, pela iniciativa do MPF de apresentar a denuncia e defender a pena pelos ataques ao Supremo. De férias, o PGR não acompanhou o julgamento.
A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, foi a responsável por falar pela Procuradoria. “A Constituição deslegitima as condutas e discursos que, apostando na violência e na grave ameaça, substituem o método democrático”, afirmou Araújo. Ela classificou como “intolerável” e “inconcebível” as condutas do parlamentar.
Na Câmara, Lira segura há nove meses duas deliberações do Conselho de Ética que recomendam a suspensão do mandato de Daniel Silveira. Ambas dependem do aval do plenário para serem aplicadas. A maior, de suspensão de seis meses do mandato, foi determinada com base nos vídeos em que Silveira fez ataques a ministros do STF.
O presidente da Câmara argumenta que as decisões envolvendo Daniel Silveira serão apreciadas no formato de projeto de resolução, que permite ao plenário alterar a pena recomendada pelo Conselho de Ética —e não só arquivar ou referendar. Foi o entendimento adotado no caso da ex-deputada Flordelis e que dificulta ainda mais a cassação do mandato de parlamentares no futuro.
Fonte: Folha de São Paulo