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Ciro Nogueira: poderoso no Planalto, repudiado em casa

Homem forte de Bolsonaro, Ciro Nogueira enfrenta resistência de aliados na campanha estadual

 

Na manhã daquele domingo, 5 de dezembro de 2021, pouquíssimas coisas tiravam o sossego de Maria Noelma Coelho. Ela mora no quilombo Potes, na cidade de São João da Varjota, Centro-Sul do Piauí. O quilombo não tem escola do ensino médio, creche ou posto de saúde. Até aquele dia, só havia a obra em marcha lenta de uma Unidade de Saúde Básica (UBS), prometida pela prefeitura quase uma década antes. Coelho soube pelas redes sociais, no entanto, que chegava à cidade, até o final daquela manhã, uma comitiva liderada por Ciro Nogueira. O ministro da Casa Civil trazia consigo o prefeito de São João da Varjota, Zé Barbosa (que pouco anda no quilombo, segundo Coelho), o então prefeito de Floriano, Joel Rodrigues. Iracema Portella, ex-esposa de Nogueira e pré-candidata a vice-governadora do Piauí, também posava para as fotos. Todos são filiados ao PP, legenda presidida nacionalmente por Nogueira (PP-PI). O objetivo da visita era inaugurar a UBS.

 

Ciro Nogueira e aliados no quilombo Potes em São João de Varjota, no Piauí – Foto: Reprodução redes sociais/Ciro Nogueira

 

Imediatamente Coelho organizou os moradores para uma manifestação em repúdio à comitiva inesperada. Quase duzentas pessoas fecharam a via em frente à construção para impedir que Nogueira e aliados pudessem posar em frente à obra. Dois motivos justificavam a revolta da multidão: primeiro, a obra não estava pronta para ser inaugurada. E segundo, Nogueira é bolsonarista. No quilombo Potes, o ministro e principal articulador do Centrão no Planalto não é bem-vindo. Nem ele nem outros bolsonaristas.

Com cartazes nas mãos, os quilombolas gritavam “Fora Bolsonaro” e “Fora Ciro”. O ministro não ficou no lugar nem por meia hora. “Ele correu com todos de lá. Demos nosso recado: aqui cobra bolsonarista não se cria”, contou Coelho à piauí. Mas, nas redes sociais, Nogueira contou outra história. De um lado da via onde não apareciam os manifestantes, posou ao lado da comitiva. Parabenizou a gestão municipal pela solenidade de inauguração de uma obra, mas não disse qual. O prefeito Zé Barbosa elogiou o ministro em suas redes e ressaltou a entrega de uma “nova e equipada UBS” no quilombo Potes. Desde então, nem prefeito nem ministro voltaram a dar as caras na comunidade.

A vida no quilombo não mudou tanto desde então. Por lá, moram cerca de 64 famílias, há quase 67 anos. São quase trezentas pessoas, entre homens, mulheres e crianças. Coelho faz parte da Associação dos Artesãos da Comunidade Quilombola Potes. Sua vida é dividida entre o artesanato e a militância. Da porta da sua casa, é possível ver a UBS inaugurada por Nogueira. O lugar só funciona de quinze em quinze dias, não tem climatizadores e, nos dias que fica aberto, tem limite máximo de atendimento. Os serviços básicos, de entrega de remédio e dentista, nunca começaram. A sua sobrinha, Samily Victória Rufino, teve pneumonia há um mês. Precisou receber inalação para conseguir respirar. Foi em um dos dias que a UBS se encontrava de portas fechadas. Precisou ir a Oeiras, distante 30 km do Potes, para ser atendida. O mesmo aconteceu quando a tia, de 73 anos, caiu e quebrou o cotovelo. Sem assistência na comunidade, também seguiu a Oeiras em busca de atendimento. 

piauí procurou a prefeitura de São João da Varjota para saber sobre o funcionamento da UBS, mas não teve retorno.

Homem forte no Planalto, Nogueira conseguiu em 2020 fazer com que o PP elegesse o maior número de prefeitos no estado: 86 dos 224. A vitória garantiu passaporte para que o ministro circule entre as cidades piauienses inaugurando obras e anunciando repasses. Em abril, a piauí contou como o governo Bolsonaro tem aberto seus cofres da educação para aliados de Nogueira. Municípios do Piauí têm obras em colégios abandonadas há quase dez anos, mas o ministro seguia anunciando novas obras e inaugurando outras pelas redes sociais – assim como a UBS do Potes.

Este ano, porém, Nogueira trava uma batalha dura em casa. Uma das principais armas do bolsonarismo, o antipetismo, parece não ter força no estado que mais votou no PT nas últimas eleições presidenciais e nos últimos dezenove anos, foi governado pela sigla há quatorze. Se a terra natal de Nogueira tivesse decidido as eleições de 2018, Fernando Haddad, candidato dos petistas, teria vencido no primeiro turno com 77,05% das intenções de voto, contra 22,95% de Bolsonaro. 

Não é a primeira vez que Nogueira é recebido aos berros no Piauí. Desde que seu casamento com Bolsonaro foi ficando mais sério, seu reduto tem ficado mais arredio – até mesmo entre seu ninho. Durante a convenção do PDT, em Teresina, no dia 30 de julho, Nogueira apareceu sem avisar. O PDT apoia para o governo do estado a chapa formada por Sílvio Mendes (União Brasil) e Portella, e para o senado federal, Joel Rodrigues – os mesmos presentes no final do ano passado, no quilombo Potes. A chegada inusitada de Nogueira para se manifestar a favor da chapa de Sílvio Mendes não agradou em nada as lideranças do PDT. A pré-candidata a deputada federal Amanda Costa explicitou a insatisfação. Indignada, berrou entre os caciques do partido e lideranças “Fora, bolsonarista”. E deixou a sala, não antes de fazer um gesto de desprezo para Nogueira. 

Pelo Instagram, ela explicou que não apoia Nogueira. Nem ela nem o PDT. Garantiu fidelidade ao candidato do PDT ao Planalto, Ciro Gomes, que deve visitar o Piauí nos próximos meses. “Ele não é bem-vindo por mim nem por outras pessoas do meu partido”, contou em vídeo, referindo-se a Nogueira. “Ele é afrontoso”, complementa. Naquele mesmo dia, Nogueira publicou nas suas redes sobre a reunião constrangedora com os pedetistas: “sábado histórico”, afirmou, sem mencionar as vaias. 

Não demorou muito para o episódio se repetir. Na madrugada do dia seguinte, 31 de julho, o cantor sertanejo Gusttavo Lima subiu ao palco em Picos, Centro-Sul do Piauí. O ministro apareceu, assim como das outras vezes, sem avisar. Lima é investigado por uso de dinheiro público para bancar grandes shows sertanejos em cidades do interior do Brasil. O artista também é apoiador declarado de Jair Bolsonaro e, até julho, era sócio do frigorífico que criou a “picanha mito”, em homenagem ao presidente, vendida por inacreditáveis 1,8 mil reais o quilo. Enquanto o sertanejo se referia ao ministro como um orgulho do estado, a plateia revidava com vaias e cantos pró-Lula. Lima dizia: “Você é o orgulho do Piauí”. Mas Nogueira não demorou muito, fez um discurso de breves segundos e foi embora. 

No teste de popularidade piauiense, o adversário de Bolsonaro, o petista Luiz Inácio Lula da Silva, tem mostrado vantagens. Dias após as vaias consecutivas ao ministro, uma multidão se reuniu para receber Lula em Teresina. As pessoas começaram a chegar por volta de dez da manhã, mas o evento estava previsto para começar às 19 horas. O Corpo de Bombeiros, responsável pela segurança, estimou quase 45 mil pessoas presentes até as 23 horas, quando o ex-presidente se retirou. O evento de pré-campanha se aproximou da estimativa no Rio de Janeiro, na Cinelândia, que reuniu mais de 50 mil pessoas, dias antes. No Piauí, o candidato de Lula ao governo é Rafael Fonteneles, um petista de 37 anos, que, se eleito, será o governador mais jovem do Piauí. Ele representa uma nova geração de petistas no estado, em uma versão mais teen e engomada. 

Independentemente do cenário político que se confirmar nas eleições de outubro, Ciro Nogueira não tem nada a perder. O mandato de senador está garantido até 2026. Desde que ele virou ministro, a cadeira tem sido ocupada pela sua mãe, Eliane Nogueira. Quando foi convidada a assumir o posto do filho, a matriarca não tinha experiência em cargos políticos. Se Nogueira precisar voltar ao Senado, pelo menos com sua suplente não deverá ter problemas. 

piauí procurou a assessoria de Nogueira, mas recebeu como resposta que o ministro não comentaria as vaias.

Fonte: Revista Piauí/Folha UOL

Foto: Reprodução

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