Análise: É hora de Lula pôr à prova fama de negociador hábil
Foi a primeira vez em dois anos que os quatro presidentes do Mercosul se reuniram: devido à pandemia de covid-19 e ao desinteresse do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, as últimas conferências de cúpula da comunidade econômica sul-americana vinham sendo pouco mais do que eventos protocolares.
Mas agora ficou constatado: os governos do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai discordam em pontos decisivos – um fato que poderá atrasar a implementação do acordo atualizado de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia(UE).
Dentro de duas semanas, as lideranças da UE e da América Latina se encontrarão em Bruxelas para uma cúpula. A esperança era que, até então, estaria pronta uma nova versão o acordo, negociado em 2019 mas nunca implementado. Porém agora o Mercosul se encontra dividido: por um lado, devido à Venezuela; por outro, o motivo das diferenças de opinião é a China.
Os presidentes conservadores paraguaio e uruguaio não gostam do modo como Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega argentino Alberto Fernández desenrolam o tapete vermelho para o ditador de Caracas. Lula quer de volta o país excluído do Mercosul desde 2016, devido a insuficiências democráticas.
Contudo, a principal candidata oposicionista venezuelana acaba de ser declarada inelegível por 15 anos. Sobretudo o presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, exige da comunidade econômica um posicionamento claro contra a contínua erosão da democracia na Venezuela.
Mercosul no impasse entre prosperar e proteger
Além disso, Pou quer negociar sozinho com Pequim um acordo de livre-comércio. Isso infringe os princípios do Mercosul, abrindo as portas da comunidade aos chineses e, no fim das contas, acarretando a exclusão do Uruguai. Mas o presidente explicou que prefere fechar um acordo com a China a seguir paralisado.
Até agora, Lula tem consolado Pou com a promessa de que primeiro se quer alcançar o acordo com a UE, para depois negociar também com Pequim. Mas aí o brasileiro enfatizou que não aceita o pacto com os europeus em sua forma atual: a UE quer incluir cláusulas de sanção para o caso de seguirem crescendo as taxas de desmatamento na Amazônia, e, segundo Lula, parceiros estratégicos não negociam na base de desconfiança e ameaças de punição.
Com o fim de proteger a indústria nacional, o presidente brasileiro também pretende impedir que empresas europeias possam concorrer a contratos estatais na América do Sul. Assim como a Argentina, o Brasil deverá continuar concedendo a firmas locais os projetos estatais de infraestrutura, defende Lula.
Está claro que ele eleva as exigências sul-americanas no acordo para dispor de volume de negociação perante a UE nos próximos meses. Ao mesmo tempo, porém, diante dos crescentes conflitos de interesse no Mercosul, seria altamente bem-vindo para os brasileiros um acordo com a UE, a fim de unir a comunidade econômica atrás de si.
Sucesso seria ganho de prestígio para Lula
Agora é tarefa para Lula, que acaba de assumir por seis meses a presidência do Mercosul, implementar o acordo com a União Europeia. Mas não será fácil. Na Espanha, uma importante defensora do pacto, o chefe de governo Pedro Sánchez convocou novas eleições para o fim de julho – portanto mal poderá se ocupar da presidência rotativa do Conselho da União Europeia, que seu país acabou de assumir em 1º de julho.
Também na França, pressionado pelos distúrbios de massa, o presidente Emmanuel Macron não vai se engajar por um acordo com a América do Sul veementemente rejeitado pelos agricultores, os quais dispõem de grande peso político.
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico é possível que em breve tenham fim os tempos de apoio mútuo automático entre o Brasil e Argentina, pois há grande probabilidade de que, após as eleições gerais de 22 de outubro, os peronistas em Buenos Aires sejam substituídos por um governo mais conservador.
Aí Lula passaria a ser o único chefe de Estado esquerdista do Mercosul. Então é hora de provar sua reputação de negociador habilidoso: levar adiante com sucesso o acordo com a UE seria para o presidente brasileiro um enorme ganho de prestígio, tanto na política externa como interna.