Em abril de 2021, Guilherme Boulos deu uma entrevista à coluna afirmando que estava disposto a disputar o governo de São Paulo pelo PSOL. A fala surpreendeu especialmente o PT, que temia perder votos à esquerda para ele.
Boulos entabulou conversas com outras legendas, viajou pelo interior do estado e chegou a lançar um pré-candidato a vice em sua chapa. O PSOL aprovou a pré-candidatura em um Congresso partidário.
Quase um ano depois daquela decisão, ele anuncia agora, com exclusividade, que está recuando da pretensão de disputar o governo.
E explica suas razões na entrevista abaixo:
O senhor falou numa entrevista exclusiva à coluna, no ano passado, que tinha disposição de disputar o governo de São Paulo. Depois disso, conversou com partidos em busca de uma aliança e até anunciou nomes para a vaga de vice na chapa. Vai manter a sua candidatura até o fim? Depois de conversar com muitos companheiros do meu partido e de analisar o cenário, eu decidi que não vou ser candidato ao governo de São Paulo. Defendo que a unidade [da esquerda] é essencial para acabar com o “tucanistão” e para derrotar o [presidente Jair] Bolsonaro em São Paulo. E não foi possível uma unidade da esquerda em torno do meu nome. Eu me pauto por projeto político. E não por ego ou por vaidade pessoal.
E quais são seus planos agora? Eu tomei a decisão de ser candidato a deputado federal neste ano, pela importância de fortalecer e de criar uma grande bancada da esquerda no Congresso Nacional. Nós precisamos derrotar o centrão, que hoje está mandando no país. E eu acho que posso ajudar mais nesta tarefa. E ajudar também o PSOL não apenas a ultrapassar a cláusula de barreira [de votos] como também a aumentar sua bancada [de deputados federais na Câmara]. O PSOL é um partido fundamental para o Brasil, que traz pautas e que traz agendas que precisam ter mais espaço e visibilidade no Congresso Nacional.
O partido hoje tem três deputados federais por São Paulo. Vocês estão fazendo o cálculo de que, com a sua candidatura, a bancada poderia saltar para quantos parlamentares? Esses cálculos são muito difíceis. Não se ganha eleição de véspera. Mas eu tenho certeza de que nós temos todas as condições de aumentar a bancada do PSOL, não apenas em São Paulo, mas no Brasil todo. O PSOL cresceu em 2020.
Multiplicou o seu número de vereadores, ganhou a prefeitura de Belém. Fomos ao segundo turno aqui na capital, aqui em São Paulo [na disputa pela prefeitura]. O PSOL vai ter uma bancada muito forte a partir do ano que vem no Congresso.
Imagino que, nesse processo de decisão, o senhor manteve diálogo com o PT e com Lula em torno de um acordo. Como foram essas conversas? Eu tenho conversas, eu tenho uma boa relação com o Lula. Ela é pública e conhecida. Eu tenho uma boa relação com [o ex-prefeito Fernando] Haddad também. Mas essa definição [de recuar da candidatura a governador] foi minha, em diálogo com os meus companheiros de partido. Foi uma decisão tomada por entendermos a gravidade do momento, a importância de termos uma unidade em nível nacional para derrotar o Bolsonaro e de buscar construir uma unidade aqui em São Paulo para derrotar esses 27 anos do PSDB, que deixaram o Estado parado no tempo. A definição de construirmos uma unidade, uma frente [contra Bolsonaro] não é minha. Ela será tomada pelo PSOL, junto com a nossa militância.
E já é certo que vocês vão apoiar Haddad ao governo, em uma coligação? Como eu disse, essa definição vai ser tomada pelo PSOL junto com a nossa militância. Eu defendo que a gente possa construir a unidade.
Você defende o apoio ao Haddad, portanto? O Haddad é hoje o candidato que está melhor posicionado dentro do campo progressista. Mas essa definição não é individual minha.
Hoje há dois candidatos do campo que se define como progressista: Fernando Haddad e o ex-governador de SP Márcio França. Haddad está na frente nas pesquisas. E Márcio França diz, por seu lado, que teria chances muito maiores de derrotar o bolsonarismo no segundo turno em SP, já que teria uma rejeição menor do que o PT. Como você analisa essas ponderações? Hoje o Haddad lidera as pesquisas. Agora, o xadrez de São Paulo ainda vai se definir nos próximos meses. Nós temos a candidatura do Tarcísio [de Freitas, ministro da Infraestrutura de Bolsonaro], que representa o bolsonarismo.
Nós temos a candidatura do [vice-governador tucano] Rodrigo Garcia, que representa a máquina do PSDB, e que tem muita força, sobretudo no interior do Estado. Considerando os nossos adversários, eu acredito que o melhor é que se possa construir uma unidade.
A unidade feita apenas no segundo turno já mostrou, em 2020, os limites e as dificuldades que tem.
Mas o ex-governador tem alguma razão ao dizer que, se for o candidato de consenso do centro e da esquerda, tem mais chance de derrotar o bolsonarismo? Eu acho mais difícil. Até porque esse debate de ter mais chances precisa ser mensurado. E hoje não é o que as pesquisas mostram.
O PT já vinha propondo um acordo em que, se o senhor recuasse da candidatura ao governo para concorrer a deputado federal, puxando votos para a bancada do PSOL, poderia ter o apoio petista para ser candidato a prefeito de São Paulo em 2024. O senhor pretende concorrer, e acredita no apoio do PT? Nós [PSOL] fomos ao segundo turno [das eleições municipais] em 2020, quando ninguém acreditava nisso. Fizemos uma bela campanha, que mobilizou muita esperança na cidade.
Eu espero que o campo progressista tenha a compreensão da unidade necessária para que a gente possa vencer a eleição na maior cidade do país em 2024. Mas o meu foco agora é na batalha deste ano.
Partidos de esquerda sempre criticam o que seria uma vocação do PT para ser sempre hegemônico, não ceder espaço a outras legendas. O senhor mesmo já deu declarações nesse sentido, de que na política é preciso ter uma via de mão dupla, e que o PT precisa ceder também. A esquerda é um campo diverso. Eu acho que o hegemonismo é muito ruim como uma prática política na esquerda. Mas as relações precisam ser construídas com respeito e confiança, respeitando o projeto político de cada uma das forças e de cada um dos partidos.
Agora, o PSOL tem crescido. E o partido não vai conquistar mais espaço pedindo favor ou licença a ninguém. Vai ser crescendo e ganhando força na sociedade, ganhando o voto e ganhando mentes e corações. Esse é o caminho que nós vamos seguir.
Mas o senhor continua com a visão de que o PT tem essa pretensão hegemônica e dificuldade em ceder?
O PT é o maior partido da esquerda brasileira, mas não é o único. É importante que se pense para agora e para o futuro. É preciso que se pense no espaço de cada um dos partidos, com os projetos e as ideias que eles representam. Eu sou militante do Partido Socialismo e Liberdade por me identificar com as propostas e com os projetos do PSOL. Não me cabe ficar dando pitaco no que as outras legendas têm que fazer, mas sim construir um partido cada vez mais enraizado, com trabalho de base para que ele ganhe mais força na sociedade.
Não foi, portanto uma intransigência do PT que levou a esse gesto, de recuar da candidatura?
O que está em jogo neste ano não é só ganhar uma eleição. Nós precisamos tirar o Brasil do buraco, resgatar a esperança. O Brasil está destruído. O ano de 2023 não é igual ao de 2003 [quando Lula assumiu pela primeira vez a Presidência da República]. O cenário atual vai exigir muita ousadia. Eleger o Lula é fundamental, mas nós vamos precisar de um Congresso diferente para revogar a reforma trabalhista, para revogar o teto de gastos, para aprovar as mudanças de que o povo brasileiro precisa.
E eu quero estar na linha de frente dessa batalha.
Mais do que isso: nós não podemos deixar o Eduardo Bolsonaro (PSL) ser de novo o deputado mais votado no Estado de São Paulo. São Paulo precisa dar uma outra mensagem: derrotar o Bolsonaro na eleição presidencial e derrotar o seu filhote na eleição para deputado. Essa é a missão que eu quero cumprir neste ano.
Ser o mais votado, na frente do deputado federal Eduardo Bolsonaro? É o que eu disse: eleição não se ganha de véspera, né? Mas eu espero que a gente possa ter uma votação bastante expressiva e puxar mais deputados para o PSOL, para a esquerda brasileira e ter uma bancada forte no Congresso, capaz de derrotar o centrão.
Hoje, o centrão manda no país. Com o orçamento secreto, essa turma fatiou o orçamento da União. Criou um cenário de ingovernabilidade.
Todo mundo [referindo-se aos presidentes da República], desde a redemocratização, governou com o centrão. O Bolsonaro deu um passo além. Ele entregou o governo, ele terceirizou o governo para o centrão. Nós precisamos derrotar essa lógica que deixa o Brasil refém. E eu acho que eu posso contribuir para isso no Congresso Nacional.
O senhor já disse que vai apoiar a candidatura de Lula. Como se vê subindo no mesmo palanque de Geraldo Alckmin, que vai ser o candidato a vice? O senhor vai fazer campanha com ele aqui em São Paulo? Eu defendo que o PSOL apoie o Lula. Minha posição é pública. Lula é quem tem melhores condições de derrotar o Bolsonaro, e nosso maior desafio este ano é acabar com esse pesadelo. O PSOL só vai tomar sua definição em abril, na sua frente eleitoral. Minha posição em relação ao Geraldo Alckmin é mais do que clara.
Eu acho que já disse em várias ocasiões: é um sinal ruim. O Alckmin representa aqui para São Paulo também essa tradição do “tucanistão”, de governos que atacaram servidores públicos, que atacaram os sem teto, que não governaram para as maiorias.
Então, enfim, apoiar o Lula e o é o que eu defendo por todas essas circunstâncias. E me posiciono contrariamente a ter o Geraldo Alckmin na vice.
As pesquisas mostram Bolsonaro paulatinamente recuperando intenção de voto. O governo propaga que, em julho, ele pode ultrapassar Lula. O senhor acha que existe esse risco?
A eleição não está ganha. É muito importante que todo o campo progressista tenha consciência disso. Essa vai ser uma eleição acirrada. Apesar de toda a tragédia que é o governo Bolsonaro, do genocídio que ele cometeu na pandemia, da crise econômica brutal —olha o preço da gasolina, a inflação de alimentos, o desemprego no país.
Apesar de tudo isso, ele tem a máquina [de governo] na mão, tem o centrão junto com ele e tem o submundo das fake news e do gabinete do ódio. Vai ser uma eleição acirrada e por isso vai exigir do lado de cá muita mobilização Não vai ser uma eleição de banho maria, não vai ser uma eleição de fair play. Vai exigir uma posição firme. Eu também quero contribuir para isso.
Caso vença a eleição, Lula vai governar com um Congresso que, tudo indica, terá não apenas uma maioria de direita, mas também o que vocês definem como extrema direita muito organizada. Ele vai conseguir, em 2023, repetir seus dois governos anteriores, de 2003 a 2010, que deixou com mais de 80% de aprovação também graças a um contexto econômico internacional extremamente favorável? Ou será um governo diferente? O Brasil de 2023 não é o Brasil de 2003. Agora, eu não acho que a direita está numa onda de fortalecimento. Essa onda foi em 2018. Essa onda já refluiu depois do que foi o governo Bolsonaro, dessa turma que dizia que iria acabar com a corrupção, que era de fora da política e que hoje está no colo do centrão. Que está envolvida com milícia, orçamento secreto e rachadinha.
Houve uma desmoralização do bolsonarismo e dessa direita que quis se apresentar como novidade. Diziam que defendiam a família e um dos expoentes dessa direita foi assediar mulheres no meio de uma guerra na Ucrânia [referindo-se ao deputado estadual Arthur do Val, do MBL]. Diziam que era Brasil acima de tudo e estão fazendo o governo mais entreguista da nossa história, subserviente.
Então eu acho que tem um espaço importante para a esquerda crescer.
Nós temos que nos atentar para as eleições parlamentares. Não adianta só eleger um presidente, um governador, e ter um parlamento que expresse o pior da sociedade brasileira. Eu acho que a esquerda tem todas as condições de fazer mais de um terço do Congresso Nacional e, com isso, não ter no pescoço a faca de um impeachment. Precisa eleger 172 deputados que não permitam que a todo momento o centrão e a direita façam essa barganha [pois estaria garantido o número mínimo de votos para evitar o afastamento de um presidente].
E tem que ter uma governabilidade, mas não apenas na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Tem que chamar a sociedade, tem que fazer plebiscito, tem que chamar os movimentos sociais. Para fazer as mudanças que o Brasil precisa agora, vai ser preciso ter mais ousadia.
Fonte: Folha de S. Paulo