Unesco alerta para acusações de crime financeiro usadas para silenciar jornalistas
Estudo da agência identificou 120 casos de alegações indevidas contra meios de comunicação e profissionais do setor
Os últimos três anos foram marcados por um aumento alarmante de acusações contra jornalistas e meios de comunicação a respeito de supostas irregularidades financeiras, como fraude, lavagem de dinheiro e evasão fiscal.
O alerta é da Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura, Unesco, em relatório divulgado na quarta-feira. A agência analisou 120 casos entre 2005 e 2024 e identificou um padrão de acusações infundadas “destinadas a pressionar, intimidar e silenciar” os profissionais do setor.
Censura indireta
O chefe da Seção da Liberdade de Expressão e Segurança dos Jornalistas da Unesco explica que a maioria dos casos envolve profissionais que investigam situações de corrupção ou reportam momentos relevantes para as democracias como protestos e campanhas eleitorais.
Em entrevista à ONU News, Guilherme Canela, afirmou que essa via de intimidação está sendo explorada principalmente por atores estatais.
“Uma hipótese relevante é que os atores que usam ou que estão mal utilizando esse tipo de legislação, o que eles desejam é não atacar diretamente aquilo que o jornalista ou a jornalista diz, mas usar o que, por exemplo, a Convenção Americana de Direitos Humanos chama de censura indireta, que são outros mecanismos, como neste caso, por exemplo, o uso de legislação financeira. Outros mecanismos, mas que ao final chegam ao mesmo resultado, que é tentar impedir que a matéria saia, que a história continue. Então a nossa hipótese é que há uma tendência de substituir elementos tradicionais de ataque ao jornalismo por outros, outros expedientes, outros mecanismos, outras estratégias”.
Falando da sede da Unesco em Paris, Canela disse que 60% dos casos de uso de legislações fiscais ou financeiras para gerar assédio contra os jornalistas ocorreram entre 2019 e 2022.
Perda de confiança no jornalismo
O chefe de Liberdade de Expressão destacou como uma das consequências mais graves o descrédito da profissão para criar a falsa impressão na sociedade, por meio de acusações infundadas, de que o jornalismo como um todo não é confiável.
“É importante que a sociedade esteja atenta a esses processos. A sociedade e os vários atores, incluindo os organismos internacionais, no sentido de criar esses alertas e desconfiar desse crescimento de casos contra jornalistas, especialmente quando os jornalistas estão apontando para irregularidades importantes. E, do nada começa uma investigação sobre lavagem de dinheiro. Algo pode estar errado aí. É importante que a sociedade esteja atenta”.
O representante da Unesco também mencionou a preocupação com correspondentes estrangeiros que em alguns contextos são acusados de serem “agentes estrangeiros” que estariam envolvidos, entre outras coisas, em atividades terroristas.
Perseguição a correspondentes estrangeiros
Canela ressaltou que esse tipo de abordagem usa legislação financeira para questionar o fato desses correspondentes receberem recursos vindos de fora do país.
“O que é um contrassenso, porque se eles são correspondentes estrangeiros, é claro que eles precisam receber recursos que vêm de fora do país. Então, quando a gente começou a perceber que isso já estava acontecendo ao longo dos anos, quando a gente fez essa investigação específica sobre a segurança de correspondentes estrangeiros, a gente viu que era importante dar um passo além e entender um pouco melhor o que hoje a gente está lançando, que é esse estudo sobre o uso da legislação financeira”.
O representante da Unesco explicou que embora as legislações fiscais e financeiras sejam absolutamente legítimas, há uma tendência de “uso ilegítimo para atacar jornalistas que estão fazendo o seu trabalho”.
Outras consequências individuais identificadas na pesquisa incluem congelamento de ativos, levando à falência, multas elevadas e prisão por até 15 anos.
Em alguns casos, jornalistas e suas famílias foram forçados a deixar seus países devido a acusações financeiras ou por medo de enfrentar tais acusações e perseguições legais.
Fonte: ONU News- Imagem: ONU/Mark Garten