Turquia se prepara para 2° turno das eleições
Deutsche Welle – A Turquia realiza neste domingo (28/05) o segundo turno da sua eleição presidencial, que decidirá se o presidente Recep Tayyip Erdogan, há 20 anos no poder, seguirá no cargo até 2028, ou se o país terá uma alternância de poder encarnada em Kemal Kiliçdaroglu, candidato da oposição.
No primeiro turno, realizado em 14 de maio, Erdogan teve 49,5% dos votos válidos e Kilicdaroglu, 44,89%. O terceiro candidato mais votado foi o nacionalista Sinan Ogan, que recebeu 5,17% e declarou apoio a Erdogan.
O resultado da eleição é encarado como um referendo sobre o governo de Erdogan, que na sua gestão deu uma guinada autoritária e conservadora-religiosa no país de 85 milhões de habitantes, afastou-se do Ocidente e se aproximou da Rússia.
Segundo as pesquisas mais recentes, Erdogan está pelo menos cinco pontos percentuais à frente de Kilicdaroglu.
Mais de 64 milhões de pessoas poderão votar neste domingo. Dessas, mais de 3,4 milhões moram no exterior. No primeiro turno, o comparecimento eleitoral total foi de 87%, e no exterior, de cerca de 53%
Refugiados em foco
A questão dos refugiados na Turquia foi uma das que mais mobilizaram os dois candidatos na campanha do segundo turno. Erdogan tentou associar Kiliçdaroglu aos migrantes e aos militantes curdos – um dos partidos que integra a aliança de oposição é o pró-curdo Partido Democrático dos Povos (HDP), que tem cerca de 10% dos votos no país.
Kiliçdaroglu, que no primeiro turno fez uma campanha apelando à unidade nacional, alterou seu discurso na reta final e prometeu expulsar do país milhões de migrantes e militantes armados. “Assim que assumir o poder, vou mandar todos os refugiados embora”, disse ele em seu primeiro pronunciamento após o primeiro turno.
Nesta semana, o líder da oposição anunciou ter recebido o apoio de um grupo de ultradireita, o que quase fez o HDP abandonar sua aliança – o partido pró-curdo disse ter decidido não boicotar o pleito pois isso só ajudaria a alongar o “regime de um homem” de Erdogan. “É errado tentar obter ganhos políticos às custas de imigrantes ou refugiados”, afirmou Pervin Buldan, co-líder do HDP.
Atualmente, cerca de 3,4 milhões de sírios moram na Turquia, lar atual da maior parcela dos cerca de 5 milhões de refugiados da Síria em todo o mundo.
Alguns observadores apontam que esta é a campanha eleitoral mais suja na Turquia na história recente do país. “Acompanhei dezenas de campanhas desde 1979, e nunca vi ambos os candidatos mentindo tão descaradamente desta forma”, disse Can Dundar, ex-editor do jornal Cumhuriyet, hoje exilado na Alemanha.
Riscos na economia
A campanha eleitoral transcorreu em meio à deterioração de alguns pilares econômicos da Turquia. Kiliçdaroglu prometeu resolver a crise com medidas ortodoxas, rejeitadas por Erdogan.
Em junho de 2018, quando Erdogan venceu sua última eleição, um dólar valia 4,5 liras. Na última sexta-feira, pela primeira vez, um dólar chegou a valer 20 liras. Há indícios de que muitos turcos estão se desfazendo de suas liras e comprando ouro e dólares, buscando se antecipar a uma possível desvalorização da moeda após a eleição.
Para tentar segurar o valor da moeda, o Banco Central vendeu em um mês 25 bilhões de dólares, e a reserva internacional líquida da Turquia entrou no vermelho pela primeira vez desde 2002.
A resposta lenta do governo Erdogan ao terremoto devastador em fevereiro no sudeste da Turquia, que matou 50 mil pessoas, também é outro ponto de insatisfação entre os eleitores.
Como é o sistema político na Turquia
A República da Turquia era uma democracia parlamentar desde a sua criação, em 1923. Mas Erdogan queria mudar isso, e o conseguiu em 2017, com os votos do seu partido, o islâmico-conservador Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), e do ultranacionalista Partido de Ação Nacionalista (MHP).
Com as eleições de 2018, a mudança para um sistema presidencialista foi concluída. Desde então, o presidente é o chefe de Estado e exerce o poder Executivo. O cargo de primeiro-ministro foi abolido.
O presidente é eleito pelo voto direto a cada cinco anos e tem amplas competências no novo sistema. Ele nomeia e destitui ministros e altos funcionários públicos e preside o gabinete de governo. O presidente também escolhe os governadores das províncias, e o ministro do Interior, os chefes das subdivisões das províncias. Na prática, a influência do presidente chega até a administração local.
O presidente também pode editar decretos e preencher inúmeros cargos no Judiciário, nas finanças e no sistema educacional. Também os cargos mais importantes no serviço secreto ou na poderosa autoridade religiosa Diyanet estão subordinados diretamente ao presidente.
A introdução do sistema presidencialista também acabou com a exigência de o presidente ser apartidário – até então, o presidente era obrigado a cortar seus laços políticos e governar de forma neutra. Com a mudança, Erdogan pôde manter a presidência do AKP, mesmo exercendo o cargo de presidente da República. Uma distinção entre o cargo e o mandato quase não existe mais.
Principais alianças
Três alianças partidárias desempenham papéis decisivos na eleição: a Aliança Popular, de Erdogan, a Aliança da Nação, do principal bloco oposicionista, liderada pelo centro-esquerdista Partido Republicano do Povo (CHP), e a União pelo Trabalho e Liberdade, liderada pelo Partido Democrático dos Povos (HDP), de esquerda e pró-curdo.
Os islamistas conservadores do AKP, que governam a Turquia desde a sua vitória nas eleições legislativas de novembro de 2002, encabeçam a Aliança Popular e têm como aliados o ultranacionalista MHP, e dois partidos menores, o islamista e ultranacionalista Partido da Grande Unidade (BBP) e o islamista Partido da Prosperidade (YRP).
A Aliança Popular inclui ainda a formação radical islamista e pró-curda Partido da Livre Causa (Hüda-Par), que tem ligações com o Hisbolá curdo. Também comunidades ortodoxas muçulmanas, que têm muitos membros, apoiam abertamente Erdogan, pois desfrutam de inúmeros privilégios que poderão perder em caso de troca de governo.
As eleições parlamentares foram realizadas em 14 de maio, junto com o primeiro turno das eleições presidenciais. Dos 600 assentos do Parlamento, o AKP conquistou 267 cadeiras, 28 a menos que no último pleito. Se Erdogan vencer a eleição, ele recorrerá ao ultranacionalista MHP, que terá 50 assentos e será a quarta maior força no Legislativo, para a aprovação de projetos de lei.
A principal coligação oposicionista, a Aliança da Nação, é composta por seis partidos de posições políticas bem distintas. O de Kiliçdaroglu, que conseguiu a façanha de reunir essas formações, é o CHP, que se vê como herdeiro do fundador da República da Turquia, Mustafá Kemal. O CHP conquistou 169 assentos na eleição parlamentar de 14 de maio – a segunda maior força do novo Parlamento.
Também integra a aliança de oposição o nacionalista O Bom Partido (IYI), liderado por Meral Aksener, que será a quinta maior força, com 43 assentos. A eles se unem outros quatro partidos, que formam a chamada Mesa dos Seis.
Uma terceira aliança, a União pelo Trabalho e Liberdade, apoia Kiliçdaroglu. O partido líder dessa aliança, o pró-curdo HDP, terceira força no Parlamento, está envolvido num processo judicial de proibição sob a acusação de terrorismo. Milhares de integrantes do partido estão presos pela mesma acusação, e quase todos os prefeitos do partido perderam o cargo.
Erdogan popular na Alemanha
A maior comunidade turca no exterior fica na Alemanha, onde cerca de 1,5 milhões de turcos estão aptos a votar. No primeiro turno, Erdogan teve cerca de 65% dos votos no país europeu, contra cerca de 32% de Kiliçdaroglu.
Especialistas atribuem essa votação a motivos históricos. A imigração turca para a Alemanha, no pós-Guerra, era sobretudo de pessoas vindas do interior da Anatólia, com uma visão de mundo religiosa e conservadora.
O presidente da Comunidade Turca na Alemanha, Gökay Sofuoglu, diz que, além disso, Erdogan soube construir uma boa estrutura entre a comunidade turca na Alemanha.
“Ele se apresentou como alguém que se importa com os turcos na Alemanha”, comentou.
Sofuoglu diz que muitas pessoas de ascendência turca que vivem há anos na Alemanha são cotidianamente confrontadas com racismo. Por isso, principalmente entre os jovens existe uma espécie de atitude de protesto, e esses eleitores se identificam com Erdogan.
Fonte: bl (DW, AFP, ots) – Foto de Anna Berdnik/Unsplash