Turcos culpam negligência do governo por mortes em terremoto
Deutsche Welle – A apatia se instala ao cair da noite. O ruído das máquinas de construção diminui, e os gritos desesperados de socorristas ressoam mais esporadicamente dos montes de escombros. Envoltos em cobertores, os sobreviventes olham para longe.
Cinco dias após o poderoso terremoto que devastou o sul da Turquia e o norte da Síria, a esperança de que entes queridos sejam encontrados vivos sob as toneladas de concreto e aço dobrado que cobrem as ruas está se esvaindo. A única luz na escuridão vem das fogueiras e lanternas das equipes de busca.
É uma repetição assombrosa de uma cena que muitos lembram de outro grande terremoto, em 1999, quando mais de 17 mil pessoas morreram. Desta vez, o número de mortos será ainda maior, e superou os 25 mil neste sábado (11/02).
As imagens que surgem dos esforços de resgate desta semana são semelhantes às do terremoto anterior. Trabalhadores exaustos usando picaretas, marretas ou até mesmo suas próprias mãos por falta de equipamento adequado. Pessoas viajando de todas as partes do país para ajudar, carregando alimentos, cobertores e barracas.
Ainda assim, muitas pessoas desesperadas ainda esperam por ajuda dias após o terremoto. Um idoso está sentado numa cadeira de plástico em frente a um edifício completamente desmoronado em Antakya, no extremo sul da Turquia. Seu irmão havia comprado no ano passado um dos “apartamentos de luxo” do prédio. Agora ele está provavelmente morto sob os escombros da “casa dos sonhos”, construída de forma frágil.
“Construímos ótimas residências, não é mesmo?”, diz o homem, com amargor.
Raiva por toda parte
Tais reclamações são semelhantes às que se seguiram ao último desastre sísmico, há quase 24 anos. Por que o Estado não nos ajuda mais rapidamente? Por que novos edifícios estão desmoronando como castelos de cartas? As normas de construção – reforçadas depois de 1999 – não foram cumpridas? Por que, numa região propensa a terremotos, como o sudeste da Turquia, os empreiteiros foram autorizados a construir prédios com alturas aparentemente ilimitadas? Por que os hospitais construídos pelo Estado não resistiram ao terremoto?
Tais perguntas não são permitidas para a imprensa, que é quase toda controlada pelo governo, liderado pelo partido do presidente Recep Tayyip Erdogan. Mas vozes iradas podem ser ouvidas em todos os lugares. Na cidade de Adiyaman, o ministro dos Transportes foi forçado a fugir em meio a insultos violentos dos cidadãos.
Hasan Aksungur, presidente da Câmara de Engenheiros Civis da cidade de Adana, onde 11 edifícios também colapsaram, disse à DW que as leis não são as culpadas. “A questão sobre construir três ou dez andares de altura relaciona-se a grandes somas de dinheiro. Então, é feita vista grossa”, diz. No epicentro do terremoto, cerca de 70 quilômetros ao norte de Gaziantep, o único edifício que ficou de pé pertence à Câmara de Engenheiros local.
Advertências de geólogos foram ignoradas
Outro refrão frequentemente repetido é que este foi o terremoto do século e que teria deixado qualquer país arrasado. Especialmente dada sua magnitude – 7,8 na escala Richter – e uma área afetada que tem metade do tamanho da Alemanha, incluindo várias cidades que são o lar de milhões de habitantes. Mas as pessoas também querem saber por que os avisos dos geólogos turcos sobre tensões crescentes ao longo das placas tectônicas não foram levados a sério. Os principais pesquisadores turcos sobre terremotos reclamaram que nunca foram consultados por um único prefeito na região.
Dezenas de milhares de trabalhadores de resgate de toda a Turquia e do exterior estão agora trabalhando em Adiyaman, Antakya e Kahramanmaras, grandes cidades que foram praticamente destruídas no terremoto. Locais mais remotos ainda estão esperando por ajuda.
Tuncay Sahin, um estudante de Berlim, é da aldeia de Tokar, perto de Adiyaman. Sua mãe foi enterrada nos escombros de sua casa na noite do terremoto. Os vizinhos recuperaram o corpo dela com as próprias mãos. Ela era uma das seis pessoas que morreram apenas naquela vila.
Seu pai estava fora no dia do desastre. Dois dias depois, Sahin conseguiu voltar de Berlim para casa. Agora, ele chora no túmulo de sua mãe. “Todos nós sabíamos que poderia haver um terremoto aqui, mas ele nos afetar tanto vai além da nossa compreensão”, diz.
Seus pais construíram sua casa de dois andares nos anos 1990. Mas um novo edifício de apenas um ano de idade também colapsou. “O Estado deveria ter mais controle sobre as práticas e materiais de construção nas vilas”, afirma Sahin.
Alguns vizinhos se unem a ele. “De agora em diante, vamos construir aqui apenas um andar”, grita um. “Como nossos antepassados.”
Fonte: DW – Foto: Burak Kara/Getty Images