O TCU (Tribunal de Contas da União) determinou que o governo Jair Bolsonaro (PL) suspenda repasses de dinheiro do MEC (Ministério da Educação) para compra de kits de robótica. A pasta deve também interromper celebração de novos termos de compromisso com prefeituras para esse fim.
A decisão cautelar é do ministro Walton Alencar e tem como base as revelações da Folha sobre repasses de dinheiro federal que priorizaram prefeituras com contratos com uma mesma empresa, a Megalic.
Os donos têm ligação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que controla a distribuição de parte das bilionárias emendas de relator do Orçamento, fonte do dinheiro para robótica.
Sete cidades alagoanas receberam neste ano R$ 26 milhões de dinheiro do MEC para robótica, apesar de sofrerem com deficiências de infraestrutura básica, como falta de salas de aula, internet, computadores e até água encanada.
Ao somar os valores recebidos por outros dois municípios pernambucanos, também com contratos junto a Megalic, o valor chega a R$ 31 milhões.
Isso representa 79% do que foi gasto no 1º trimestre na rubrica específica para compra de equipamentos e mobiliário, na qual se inclui o gasto com kits de robótica.
Os valores foram transferidos a jato e sob ausência de critérios técnicos –em abril, após publicação da Folha, o FNDE manteve mais transferências a municípios.
Os recursos são gerenciados pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). O órgão do MEC é controlado por políticos do centrão. Questionados, MEC e FNDE não responderam até a publicação deste texto.
“Os indícios de irregularidades apontados são graves e, caso confirmados, podem ocasionar prejuízo ao Erário relevante e a ineficácia da política pública de educação, caso os kits de robótica sejam destinados à municípios sem capacidade de utilizá-los adequadamente”, diz o despacho.
O processo foi aberto no TCU após representação do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) a partir de reportagens da Folha.
No despacho, o TCU também dá um prazo de cinco dias para que o FNDE comprove notificação a todos os municípios que receberam recursos de robótica sobre a suspensão dos termos de compromisso com o governo federal.
O tribunal pede ainda informações detalhadas sobre todos os beneficiados com os recursos, pareceres sobre aquisição de de kits de robótica.
Diligências no FNDE e nas prefeituras beneficiadas de Alagoas e Pernambuco também são determinadas pelo TCU. O entendimento é estendido tanto a municípios que já receberam os recursos quanto a outros para os quais o governo Bolsonaro já efetivou empenhos (reserva de dinheiro) para kits.
A área técnica do tribunal, que subsidia os ministros na análise dos processos, identificou que o governo já empenhou de R$ 146 milhões para a compra de kits de robótica. O recurso é destinado a 29 municípios de Alagoas e 10 de Pernambuco.
Há questionamentos no processo sobre a falta de critério para priorizar pagamentos a Alagoas, com “três vezes mais empenhos para o Programa Educação Conectada [que inclui os kits] do que o estado em segunda posição (PE) e mais de cinquenta vezes o estado em quinto lugar (SC)”.
Neste domingo (24), a Folha mostrou que o governo Bolsonaro liberou mais dinheiro para municípios que contrataram kits de robótica do que investiu na construção de creches em todo o país neste ano.
Enquanto 11 municípios receberam R$ 35 milhões para robótica, o governo só gastou R$ 30 milhões para construção de creches em 206 prefeituras.
O tribunal também questiona os valores dos kits e pede ao FNDE a memória de cálculo. O fundo não tem ata de registros de preços sobre isso mas os técnicos do TCU identificaram que, no sistema do órgão, a solução robótica já aparece com valor definido, de R$ 176 mil.
Além de comprar cada kit por R$ 14 mil, os contratos incluem outros custos como material didático para alunos e professores e formações para docentes.
O que eleva os contratos —em alguns contratos, cada solução de robótica, que inclui um conjunto de kits e o pacote de materiais e formações, é orçado por R$ 176 mil.
A Megalic tem vendido os robôs para prefeituras por R$ 14 mil, valor 420% superior ao pago por parte deles, como a Folha também revelou —essa informação foi considerada na análise do TCU.
A empresa Megalic funciona numa casa em Maceió e tem como sócio Edmundo Catunda, pai do vereador de Maceió João Catunda. A relação entre eles e Lira é pública. O vereador, a empresa e o presidente da Câmara negam irregularidades.
Os empenhos identificados pelo TCU incluem as cidades que já receberam os recursos e que foram citadas pela Folha.
São elas: União dos Palmares, Canapi, Santana do Mundaú, Branquinha, Barra de Santo Antônio, Maravilha, Flexeiras e Joaquim Gomes, de Alagoas, Bom Jardim, Carnaubeira da Penha e João Alfredo, de Pernambuco.
O presidente, Marcelo Lopes da Ponte, era assessor de Ciro Nogueira (PP-PI), atual ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro, do mesmo partido de Lira e um dos líderes do bloco de apoio à atual gestão federal.
Em 28 de março o ministro Milton Ribeiro foi exonerado após vir à tona a existência de um balcão de negócios na pasta, com participação de pastores evangélicos sem vínculo oficial com o poder público e acusações de cobrança de propina até em barra de ouro.
Ele perdeu o cargo sete dias após a Folha revelar áudio em que ele dizia que privilegiava um dos pastores lobistas a mando de Bolsonaro.
Com Milton Ribeiro no comando do MEC e políticos do centrão no controle das transferências do órgão, o fundo virou uma espécie de balcão político. Dados oficiais da pasta mostram uma explosão de aprovações de obras, ausência de critérios técnicos, burla no sistema e priorização de pagamentos a aliados.
Fonte: Folha de São Paulo