á 20 anos o Governo Federal, com o presidente Lula, lançava o Fome Zero. A iniciativa articulava uma série de programas e políticas para tirar o Brasil do mapa da fome. O objetivo foi alcançado em 2014, com o reconhecimento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Com a desarticulação das ações no governo anterior, falta de investimentos e empobrecimento da população, o país voltou ao mapa da fome.
Em 2022, a Rede de Pesquisadores em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional revelou que 33 milhões de pessoas viviam em condições de insegurança alimentar grave. O Brasil também voltou a ser incluído no mapa da fome da ONU. No relatório de 2023, que cobre o período de 2020 a 2022, 4,7% da população não tinha acesso a uma quantidade mínima de alimentos. Índice mais grave do que os 4,2% do relatório de 2022.
A fome e a segurança alimentar são multisetoriais. Se você quiser combater a fome, você tem que garantir o acesso à renda, à informação, à terra, garantir a produção e oferta de alimentos adequados e saudáveis e que esses alimentos tenham um preço justo”
Valéria Burity, secretária extraordinária de Combate à Pobreza e à Fome
Ainda na campanha, o presidente Lula assumiu o compromisso de tirar o Brasil novamente do mapa da fome. A estratégia macro para atingir o objetivo até 2030 está no Plano Brasil Sem Fome, que será lançado nesta quinta-feira (31.08), em Teresina. Mas o trabalho foi iniciado ainda no governo de transição e se intensificou a partir de 1º de janeiro deste ano.
São exemplos a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do Plano Safra da Agricultura Familiar, do Programa Cisternas, do Bolsa Verde, o novo Bolsa Família, o reajuste no valor do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), a valorização do salário mínimo, a qualificação do Cadastro Único, mapeamento e fortalecimento de cozinhas solidárias, restaurantes comunitários, banco de alimentos dentre inúmeras outras ações que integram o Plano Brasil Sem Fome.
Valéria Burity, secretária extraordinária de Combate à Pobreza e à Fome do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome detalha na entrevista abaixo a construção dessa estratégia que envolve 80 ações e programas, com 100 metas propostas, organizadas em torno de três eixos, pelas 24 pastas que compõe a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan).
“A gente tem essa responsabilidade de fazer articulações de programas, políticas, ações, tanto para o enfrentamento da fome como para a garantia da segurança alimentar e nutricional”, definiu. “Por que é importante a gente envolver esse tanto de ministério? Porque a fome e a segurança alimentar são multisetoriais. Se você quiser combater a fome, você tem que garantir o acesso à renda, à informação, à terra, garantir a produção e oferta de alimentos adequados e saudáveis e que esses alimentos tenham um preço justo”, resumiu Valéria Burity.
Dentre as novas ações propostas está o protocolo de acolhimento às pessoas que passam fome nos sistemas públicos de Saúde (SUS), de Assistência Social (Suas) e de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). “A ideia é que os programas, as ações, as estratégias de cada eixo tenham as suas metas e não só metas, mas também tenham essa capacidade de integração. Por exemplo, no Eixo 1, a gente está fazendo articulação com a Saúde, o SUS, o Sisan e o SUAS, para quando a saúde identificar alguém que está passando fome, notificar como um caso de fome, o que não acontecia antes, e que a gente consiga direcionar essa pessoa para os outros sistemas.”
- Confira a entrevista completa
Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
Secretaria Extraordinária de Combate à Pobreza e à Fome, Valéria Burity
A Secretaria Extraordinária de Combate à Pobreza e à Fome do MDS tem a função de gestão do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), que por lei, é responsável pela garantia do direito humano à alimentação. E a gente também tem essa responsabilidade de fazer articulações de programas, políticas, ações, tanto para o enfrentamento da fome como para a garantia da segurança alimentar e nutricional.
O Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional é composto pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Consea, que escuta a sociedade civil, mas também dialoga com o governo para assessorar o Presidente da República. É o Conselho que vai discutir os programas, as políticas que são necessárias para o enfrentamento da fome.
A gente fez o Consea voltar, assim como retomou a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), que reúne, hoje, 24 ministérios para articular ações de combate à fome e garantia da segurança alimentar e nutricional.
Por que é importante a gente envolver esse tanto de ministério? Porque a fome e a segurança alimentar são multisetoriais. Se você quiser garantir, de fato, o combate à fome, você tem que garantir o acesso à renda, o acesso à informação, a disponibilidade, a oferta de produtos adequados, saudáveis, a produção de alimentos adequados e saudáveis, garantir acesso à terra, garantir que esses alimentos tenham um preço justo.
Então, é muito importante colocar esses 24 ministérios para a gente compreender as ações que cada um pode desenvolver para a gente alcançar os públicos que estão passando fome e garantir que essas ações sejam efetivas.
A gente também quer monitorar essas ações para garantir que elas estejam chegando onde tem que chegar, que sejam efetivas e que consigam alcançar o seu propósito no menor tempo possível.
A gente está fazendo um processo de mobilização nos estados e municípios, a gente tem todos os estados aderidos ao Sisan, mas a gente está num processo de mobilizar os municípios para que eles façam parte do Sistema. E a gente também está criando aqui todo um processo para recompor o orçamento do Sisan.
E uma coisa muito importante é a gente não discutir o Sisan como essa governança que permite juntar nos territórios a produção da agricultura familiar ao consumo da alimentação adequada e saudável, levar para as escolas, para os hospitais, para os restaurantes, para as cozinhas.
E a gente tem outra função aqui, que é o de monitoramento. Então, hoje a gente monitora, por exemplo, as situações de insegurança alimentar. A gente também começou a acompanhar as crianças e, vai acompanhar durante um tempo, para entender como o Bolsa Família interfere no estado nutricional delas. E a gente quer fazer um sistema de vigilância, compreender o que está impedindo as pessoas de terem a alimentação.
Esse ano, a gente quer fazer a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que nos permite que as pessoas que estão nos diferentes estados tragam a sua percepção dos seus territórios e indique como a política deve ser executada. A gente sempre acha esse processo de participação fundamental, porque é o sujeito de direito ali, a pessoa que mais entende do seu contexto, que pode trazer de fato a informação de como que a política pode ser efetiva.
Plano Brasil Sem Fome
A gente começou fazendo um resgate das estratégias que o Brasil já desenvolveu e que foram muito efetivas para o combate à fome. A gente está falando do Programa Fome Zero, a gente está falando do Brasil Sem Miséria. Fomos nessa fonte entender como que esses programas se organizavam. E a gente também leu tudo a respeito de estratégias de combate à fome que vinham da Organização das Nações Unidas, da FAO.
Ali a gente entendeu que no Brasil uma questão é a garantia de proteção social, seguridade social, acesso à renda, acesso aos serviços de assistência social. Essa é uma questão muito importante no Brasil. Muita gente passa fome porque não consegue comprar sua comida. Então, pobreza e fome são fenômenos distintos, mas que são inter-relacionados.
A gente também viu que outro eixo de ação importante para a garantia do direito à alimentação, é a produção e a oferta, disponibilizar alimentos adequados e saudáveis. E a gente fala de alimentos adequados e saudáveis porque hoje a gente tem um problema grave de obesidade e sobrepeso no Brasil. Estamos num outro momento, a gente tem as experiências anteriores, mas a gente tem que olhar para esse contexto que a gente está agora.
O segundo passo foi fazer reuniões bilaterais com os ministérios que compõe a Caisan. A gente fez mais de 50 reuniões para entender o que cada ministério tinha para apresentar, as últimas pesquisas de fome, quem é o público afetado pela fome e quais ações os ministérios tinham para atender no combate à fome.
A partir daí, fazemos um primeiro desenho, uma primeira proposta, e depois uma oficina para validar essa proposta. E depois a gente ainda fez algumas quatro reuniões com os ministérios que estão responsáveis pelos eixos da estratégia.
Eixos
O primeiro eixo é o acesso à renda e a proteção social. O Cadastro Único vai dar pistas para a gente de quem devemos atender, porque ali está a grande parte das pessoas que estão passando fome. Mas a gente sabe que também tem que olhar mais forte para quem passa mais fome.
Quem é o público que as pesquisas indicam que passa mais fome hoje? Mulheres negras, lares chefiados por mulheres com crianças até dez anos, pessoas em situação de insegurança hídrica, desempregados, empregados informais que têm situação muito precária de trabalho, povos e comunidades tradicionais, população de rua. Esse primeiro eixo vai identificar essas pessoas, garantir que elas estejam em programas como Bolsa Família.
E dentro desse eixo, também está toda a política de valorização do salário mínimo, que foi muito importante para que o Brasil saísse do mapa da fome em anos anteriores.
O segundo eixo é de produção, oferta de alimentação adequada e saudável. Nele, entram as ações de apoio à agricultura familiar, de acesso à água, de acesso aos alimentos, como entrega de cestas, equipamentos de segurança alimentar e nutricional.
E o terceiro eixo é de participação e mobilização. Coordenado pela Secretaria Geral da Presidência da República, que visa identificar iniciativas de combate à fome da sociedade civil, esse eixo visa dar visibilidade a essas iniciativas, premiá-las e passar informação para a sociedade entender a importância que esses programas têm no combate à fome, ou seja, tem todo esse caráter de participação e mobilização.
A ideia é que os programas, as ações, as estratégias de cada eixo tenham as suas metas e não só metas, mas também tenham essa capacidade de integração. Por exemplo, no Eixo 1, a gente está fazendo articulação com a Saúde, o SUS, o Sisan e o SUAS, para quando a saúde identificar alguém que está passando fome, notificar como um caso de fome, o que não acontecia antes, e que a gente consiga direcionar essa pessoa para os outros sistemas.
No próprio Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que hoje existe um acordo de cooperação entre o MEC, MDA, MDS e Saúde, para fortalecer a agricultura familiar, um segmento importante para o abastecimento, mas onde existe muita pobreza, falta de acesso aos serviços públicos. Esse é um exemplo também de como que essas ações podem ser integradas e podem ser potencializadas por essa junção de esforços para a garantia do direito à alimentação.
Desafios
O governo já está retomando alguns programas que a gente sabe que deram certo e criando novas estratégias. Temos o grande desafio do orçamento, que a gente aí eu acho que tem toda essa proposta de novo arcabouço fiscal e a reforma tributária. Elas são muito importantes, porque é a partir daí que a gente espera ter mais orçamento para a gente garantir esses programas, garantir efetividade das ações do Governo Federal.
A gente assumiu o Governo Federal numa situação muito precária de recursos humanos, de recursos orçamentários. Tem todo esse esforço de recompor o orçamento, porque é a grande fala do nosso presidente: “Colocar o pobre no orçamento”. Esse é um dos passos que está sendo dado também para a gente conseguir ter condições concretas de ter políticas que vão chegar nas pessoas que estão passando fome, políticas com capacidade de escala, com capacidade de chegar aonde tem que chegar.
Assessoria de Comunicação – MDS