Aliados dos governadores João Doria (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS) passaram a monitorar uma série de casos de pressões, negociações e até demissões no momento em que a busca pelo voto de filiados e mandatários tucanos, nas prévias presidenciais do partido, entra em sua última semana.
Com a disputa acirrada entre os dois governadores, tucanos que acompanham o processo não arriscam prever quem vencerá a votação marcada para o dia 21 de novembro. Também participa da eleição interna o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio.
O caso mais emblemático foi a demissão, pelo prefeito de São Paulo e aliado de Doria, Ricardo Nunes (MDB), do então secretário de Habitação da capital, Orlando Faria (PSDB), logo após este ter declarado voto em Leite. O governador paulista nega que haja tal relação.
Mas, no estado todo, aliados de Leite afirmam que a pressão para que tucanos paulistas votem em Doria parte do argumento de que será possível identificar os votos dos filiados e que haverá divulgação da contagem por cidades, o que não é verdade.
O receio é o de que os investimentos do governo do estado, que chegarão a R$ 50 bilhões no período pré-eleitoral, sejam cortados caso a cidade não entregue votos a Doria. No entanto, de acordo com organizadores do pleito, o voto é secreto e só haverá a divulgação do total geral e por grupos de mandatários.
A Folha identificou quatro casos de prefeitos, vereadores ou servidores que relataram cobranças pelo voto em Doria por meio de demissões de cargos públicos ou retaliações partidárias —mas a maioria pediu que não tivesse os nomes revelados. Há ainda dois casos, já noticiados, de vereadores do interior, apoiadores de Leite, alvos de pedidos de expulsão.
Outra situação que circulou entre tucanos durante a semana foi o caso do ex-prefeito e atual secretário da cidade de Espírito Santo do Pinhal, João Alborgheti, que é presidente do PSDB local e foi a um evento de apoio a Leite no último dia 6.
Segundo relatos, a prefeita da cidade, Cristina Domingues (Podemos), teria sido cobrada a demiti-lo, em uma reunião na Secretaria de Habitação do Governo de São Paulo. Na quinta (11), Alborgheti afirmou que a demissão era um boato, mas que a prefeita lhe contara que houve comentários sobre ele na reunião.
“Alguém comentou com ela na reunião da Habitação, mas ficou por isso mesmo. Eu acho que eu tenho trabalhado direitinho aqui”, afirmou à Folha.
Na noite de sexta (12), Domingues afirmou à reportagem que exonerou Alborgheti, não por causa das prévias, mas a pedido dele, e que isso fora decidido em uma reunião. Mas o próprio secretário, na mesma noite, afirmou não ter sido comunicado de demissão e disse não acreditar que seria retaliado —insistiu que havia só boatos.
Procurado, o secretário de Habitação estadual, Flavio Amary (PSDB), afirmou que, em momento algum da reunião com a prefeita, tocou nesse assunto.
“Há uma preocupação, que vem aumentando entre o partido, de que meu caso não foi isolado. Esse modus operandi que por ventura esteja acontecendo acaba sendo um tiro no pé, porque a pressão tem o efeito contrário, ninguém aceita ser coagido”, diz Faria à Folha.
O presidente do PSDB-SP, Marco Vinholi, que é secretário da gestão Doria, ao ser questionado, afirmou que a narrativa de perseguição é fantasiosa. “Não há entre os nosso militantes esse tipo de postura em momento algum.”
“Não há nenhum caso concreto que se possa apontar, são casos de invenções. Estou vendo a tentativa absurda de se criar uma narrativa, mas é algo que não existe”, disse ele a respeito de Faria e outros casos. Em relação a Espírito Santo do Pinhal, afirmou tratar-se de uma questão local, da prefeitura, e não do governo estadual.
No Rio Grande do Sul, aliados de Doria também afirmam haver receio de perder cargos públicos e pressão de partidários de Leite. De acordo com o prefeito de Vacaria (RS), Amadeu Boeira, que apoia Doria, a campanha de Leite já conseguiu reverter o voto de dois vice-prefeitos, que inicialmente apoiariam o paulista.
Para o ex-dirigente do PSDB de Porto Alegre, Rafael Furtado, que também apoia Doria, há uma insatisfação dos tucanos gaúchos com as medidas de Leite. “Mas muitas pessoas acabam não declarando o voto em Doria no estado”, afirma à Folha.
O presidente do PSDB-RS, deputado federal Lucas Redecker, afirma que os gaúchos que se posicionaram a favor de Doria “nunca foram pressionados”.
“O que a gente faz é dialogar com líderes, mostrando a importância de ter um candidato com o perfil de Leite. Não é nenhuma pressão vinda do governo, de secretários do governo, em relação a benefícios para as cidades, isso não existe no estado”, completa.
Da parte da campanha de Doria, além da busca por votos em São Paulo, há um esforço pela conquista de apoios de deputados estaduais em todo o país. Para isso, foram escalados o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Carlão Pignatari (PSDB), e o secretário da Casa Civil, Cauê Macris (PSDB).
Aliados de Leite afirmam que as viagens da dupla pelos estados servem para negociar acordos e que ambos abandonaram suas funções institucionais para fazer campanha. O próprio Pignatari registrou os deslocamentos, feitos em dias de semana, em suas redes sociais.
Desde setembro, eles estiveram em Rondônia, Ceará, Paraíba, Sergipe, Piauí e Mato Grosso —Pignatari não compareceu à sessão plenária no dia dessas viagens.
Embora o presidente da Assembleia afirme que as agendas são para dialogar com outros Legislativos estaduais, jornais locais registram que as prévias são a pauta dos encontros com os deputados.
Questionados pela Folha, Pignatari e Macris afirmaram que as viagens não são pagas pela Assembleia de São Paulo nem pelo Governo do Estado, mas não revelaram a fonte de financiamento. O PSDB de São Paulo diz que seus gastos com as prévias serão divulgados apenas em dezembro.
Em nota, a assessoria de Pignatari afirmou que as viagens são oficiais e fazem parte das funções do chefe do Poder Legislativo, mas incluem outros compromissos e por isso não foram financiadas pela Casa. “O intercâmbio de experiências entre Assembleias Legislativas é importante para melhoria contínua”, diz.
Macris aponta ter se licenciado do cargo de 8 a 19 de novembro, período que engloba a ida a Rondônia, mas não as viagens aos demais estados. Em nota, a Casa Civil afirma que “quaisquer viagens que não sejam exclusivamente voltadas a assuntos governamentais não são pagas pelo governo” e que a “Casa Civil faz a interlocução permanente do governo com representantes de todos os poderes, de diferentes estados e partidos”.
De acordo com deputados federais tucanos, um argumento que Doria tem usado para convencer os parlamentares é a promessa de não utilizar recursos do fundo eleitoral e bancar a sua eventual campanha à Presidência com recursos próprios e doações —o que faria com que sobrasse mais verba para os candidatos ao Legislativo.
Em 2018 e 2016, Doria utilizou, em parte, os recursos partidários. Na campanha para Prefeitura de São Paulo, o PSDB bancou 39,4% dos gastos, outros 39,5% vieram de doações e 18,2% do bolso de Doria. Em 2018, as proporções foram, respectivamente, 28,4%, 35,9% e 35,7%.
A questão das pressões e negociações em São Paulo, inclusive, foi levantada no debate entre os tucanos realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo na sexta (12).
“Tem aqui em São Paulo um boato de que você está constrangendo prefeitos, com condicionamento de assinaturas de convênios. Houve a demissão do secretário de Habitação em São Paulo, houve suspensão de filiação de vereadores que me declararam apoio”, disse Leite a Doria.
O governador paulista respondeu que a demissão de Faria deveria ser esclarecida pelo prefeito Nunes e declarou que Leite estava “nervoso e tenso”.
Já a crise de imagem em relação a Leite em parte da legenda foi causada pelos votos de deputados de estados que apoiam o gaúcho a favor da PEC dos Precatórios.
O voto de apoiadores de Leite a favor da medida que beneficia o presidente Jair Bolsonaro também foi explorado no debate. Para aliados de Doria, a campanha de Leite está sob influência de Aécio Neves (MG) e se deixa manchar pelo bolsonarismo.
“A bancada do PSDB está rachada muito por culpa dos deputados de Minas Gerais e do Rio Grande Sul. O PSDB não pode ser oposição ao governo Bolsonaro se essas duas bancadas comem nas mãos do [presidente da Câmara, Arthur] Lira [PP-AL] e do Bolsonaro”, afirma o deputado federal Alexandre Frota (SP), aliado de Doria.
Os deputados paulistas votaram contra a medida, mas houve deputados pró-Doria que também votaram a favor.
“Os três parlamentares que coordenam sua campanha, Aécio Neves, Paulo Abi-Ackel [MG] e Rodrigo de Castro [MG], votaram a favor do governo de Bolsonaro. Eu respondo por São Paulo”, disse Doria no debate.
“Da bancada, 21 deputados votaram sim e 11 votaram não”, afirma Redecker, negando relação entre o placar e os apoios a Leite.
O presidente do PSDB-RS afirmou que votar a favor dos precatórios não traz benefício apenas para Bolsonaro, “mas serve para o futuro presidente da República”.
O deputado federal disse ainda que aliados de Doria “atribuem a Aécio uma influência maior do que ele tem no partido e na bancada”.
Fonte: Folha de São Paulo