Putin até 2030: o que esperar da relação da Rússia com o Ocidente?
Após garantir a reeleição com votação recorde de 87%, o presidente russo, Vladimir Putin, deu o tom sobre o papel que o país deve exercer na guerra da Ucrânia e na política internacional. Em discurso a apoiadores logo após o anúncio do resultado da votação no último domingo (17), Putin reforçou a retórica de força e unidade da Rússia em contexto de guerra com o país vizinho e atrito com o Ocidente.
“Temos muitas tarefas pela frente. Mas quando nós estamos consolidados, por mais que queiram nos intimidar […] ninguém na história, como já disse, já conseguiu algo desse tipo. Não funcionou agora e não funcionará no futuro, nunca”, disse o presidente.
Em termos de reação internacional, a esperada vitória de Vladimir Putin também teve resposta previsível das principais lideranças ocidentais, que, em uníssono, fizeram veementes críticas ao processo eleitoral do país.
O Chefe da diplomacia da União Europeia, Joseph Borrell, por exemplo, falando em nome dos países do bloco europeu, declarou que as eleições russas não foram “livres e justas”, e não reconheceu a legitimidade da votação realizada nos territórios do leste ucraniano anexados pela Rússia – Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporozhye, oficialmente incorporados à Constituição da Rússia como territórios do país desde outubro de 2022.
“Não houve uma observação da OSCE [Organização para a Segurança e Cooperação na Europa]. Ambiente altamente restrito, isto é o que posso dizer diplomaticamente. Além disso, esta eleição foi baseada na repressão e na intimidação, e foi realizada em território ucraniano ocupado, violando a soberania ucraniana”, afirmou.
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O líder europeu, entretanto, não chegou ao ponto de não reconhecer o resultado das eleições. Como disse a vice-representante do Gabinete de Ministros Alemão, Christiane Hoffmann, o governo alemão não se recusará a se comunicar com Putin, apesar de não enviar as protocolares felicitações pela vitória.
O mesmo tom foi adotado pelos EUA, condenação, com reconhecimento forçado.
“Ele continuará sendo o presidente da Rússia, mas, novamente, acho que o ponto principal aqui, é que, como eu disse, este foi um processo incrivelmente antidemocrático e certamente o fato de ele ser presidente da Rússia não o isenta de sua autocracia”, disse o vice-porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Vedant Patel.
Apesar de o Ocidente não ter poupado críticas à lisura das eleições da Rússia, a ausência de um passo mais drástico dos EUA ou da União Europeia de não reconhecer o resultado da votação deixa uma janela aberta para futuras negociações. Ou como afirma o cientista político Vladimir Dzharalla, em entrevista ao Brasil de Fato, há uma postura realista do Ocidente de que não “tem como ignorar a Rússia”.
“Em todos estes anos de agravamento das relações com o Ocidente ficou claro que não dá pra ninguém ignorar a Rússia, não só por seu tamanho, seu potencial militar, mas também pela sua importância e força em todas as questões internacionais”, afirma.
A ríspida posição do Ocidente em relação ao processo eleitoral russo, atacando, mas, ao mesmo tempo, preservando algum protocolo diplomático, está firmemente ancorada na atual conjuntura da política internacional.
Por um lado, EUA e União Europeia mantêm firme a posição de aliada da Ucrânia na estratégia de contenção da Rússia no Leste Europeu, e, por isso, não medem esforços no tom acusatório a Moscou. De acordo com o analista Vladimir Dzharalla, no contexto interno russo, sobretudo no eleitoral, essa estratégia pode ser “tiro no pé”, pois reforça a ideia na sociedade russa de que o Ocidente é, de fato, um “inimigo”.
“Os países do Ocidente reservam a si uma certa possibilidade, no caso de necessidade, de rejeitar a liderança da Rússia, ou não reconhecê-la, e manter um gatilho pronto para exercer pressão sobre seu governo. Por um lado, é uma certa autoconfiança da parte deles, mas, ao mesmo tempo, para analistas russos e para a sociedade russa em geral, é mais uma confirmação da política hostil do Ocidente em relação à Rússia, e com isso apenas reforçam a unidade dentro do país”, argumenta.
Por outro lado, a retórica hostil à manutenção de Putin no poder na Rússia por parte do Ocidente tem um limite imposto pela ideia de “equilíbrio de poder” nas Relações Internacionais: a Rússia detém o maior arsenal nuclear do mundo.
Em meados de março, o presidente russo alertou o Ocidente que o país está “tecnicamente pronto para uma guerra nuclear”, caso os Estados Unidos enviassem tropas para a Ucrânia. De acordo com ele, a incursão de tropas ocidentais no conflito ucraniano seria considerada uma “escalada significativa” da guerra.
Sul Global reconhece Putin
Ao mesmo tempo, a ampla rejeição e crítica do Ocidente ao resultado das eleições na Rússia contrasta com o reconhecimento da autoridade de Vladimir Putin por parte do chamado Sul Global. Países como China, Venezuela, Brasil, entre outros Estados latino-americanos e africanos, cumpriram o protocolo e parabenizaram Putin pela vitória.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian, destacou que “a China e a Rússia são os maiores vizinhos e parceiros cooperativos estratégicos abrangentes na nova era”. “Acreditamos que, sob a liderança estratégica do Presidente Xi Jinping e do Presidente Putin, as relações China-Rússia continuarão a avançar em o futuro”, acrescentou.
Já o o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, foi um dos primeiros líderes mundiais a cumprimentar o presidente russo. “Com mais de 87%, Putin venceu completamente a guerra, [contra] todo o império coletivo do Ocidente. […] É uma demonstração dos valores do povo russo que marca o longo caminho com a vitória do presidente Vladimir Putin. Está marcando um longo caminho para reivindicar a nova Rússia, a grande Rússia”, disse Maduro em mensagem de vídeo.
A diferença de tratamento ao resultado das eleições russas escancara a atual divisão política internacional, sobretudo na forma como o Ocidente e os países do Sul global encaram os desdobramentos na guerra da Ucrânia.
De acordo com o cientista político Vladimir Dzharalla, há uma compreensão por parte dos países do Sul Global de que a Rússia escolheu um caminho independente na arena internacional, e que, consequentemente, a interação com Moscou para além dos auspícios do Ocidente, é mutuamente benéfica.
“Um dos princípios mais importantes da política internacional é o ‘equilíbrio de poder’ e a possibilidade de alguns centros de poder atuarem. Com isso, o fato de que a ‘maioria global’ [Sul Global] apoiou a Rússia e o seu presidente, bem como a escolha que fizeram os russos, é justamente exemplo disso. Estes países entendem isso e veem o papel independente da Rússia, apoiando a relação mutuamente benéfica da parceria com a Rússia”, analisa.
O cenário de tensão com o Ocidente em que Putin assume seu quinto mandato presidencial foi, em particular, amplificada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que sugeriu a possibilidade de enviar tropas do país à Ucrânia.
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A possibilidade de confronto direto entre tropas russas e ocidentais cria risco real de uso de armas nucleares. A atual doutrina militar russa prevê o uso de armas nucleares em caso de ameaça à existência do estado da Rússia. E a expansão da Otan (a aliança militar do Ocidente) para perto de suas fronteiras, sobretudo no campo de batalha, é encarada pela Rússia como uma ameaça.
O analista Vladimir Dzharall observa que a posição “extremamente agressiva” do presidente francês “parece jogar com certa tecnologia [política] de chantagem, de que eles estariam prontos para entrar diretamente no conflito na Ucrânia. Mas a questão é que uma participação direta assim de um país da Europa não poderia ser limitado, ela praticamente passaria para uma guerra irrestrita e isso já é um perigo direto de uma guerra nuclear”, afirma.
“Por isso, infelizmente, em vez de uma discussão de paz e de abordagens diversas de como alcançá-la, o conflito ucraniano vai em direção a uma escalada. Ao mesmo tempo, muitos políticos apenas não reconhecem o quão perigoso é o jogo que eles fazem, sobretudo os europeus”, completa.
Brasil de Fato, por Serguei Monin / Imagem: Twitter / Edição: Rodrigo Durão Coelho