Criado em outubro de 2003 — a partir da fusão de benefícios sociais lançados no governo de Fernando Henrique Cardoso —, o Programa Bolsa Família (PBF) vive o fim de seu ciclo como principal política pública de distribuição de renda e de redução das desigualdades sociais do país. No momento em que contempla mais de 13 milhões de famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, o programa, lançado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), está prestes a ser substituído por outro, de cobertura mais ampla, chamado Renda Cidadã, a ser financiado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ao longo de todos esses anos, o PBF escreveu histórias de esperança e superação, ao mesmo tempo em que se transformou em poderosa arma eleitoral.
Capaz de reduzir a pobreza em até 15% e a extrema pobreza em até 25%, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Bolsa Família ganhou ainda mais relevância em meio à crise do novo coronavírus. O Cadastro Único do programa, por exemplo, foi usado pelo governo federal para organizar os pagamentos do auxílio emergencial — lançado para mitigar os efeitos da pandemia junto aos trabalhadores informais e desempregados.
É com os auxílios de complementação à renda que, atualmente, Poliana Menesio, 35 anos, consegue manter os dois filhos e ela própria. Beneficiária do PBF desde 2013, Poliana começou recebendo R$ 289 por mês. Depois, o valor do seu benefício caiu para R$ 170, quando ela começou a trabalhar com carteira assinada. No entanto, por estar desempregada desde 2016, o valor sofreu um novo reajuste e, desde então, passou a R$ 211,00. Segundo ela, a filha mais nova, Ana Júlia, de 4 anos, ainda não está contemplada pelo PBF. O valor é gasto com a alimentação e outras necessidades dos dois filhos — além de Ana Júlia, ela é mãe de João Lucas, 7.
Poliana diz que encontra dificuldades para conseguir trabalho formal, pois, nas entrevistas, os empregadores questionam quem ficará com seus dois filhos no horário de expediente. “Eu até fiz várias entrevistas, mas há barreiras, porque, hoje, meus filhos dependem muito de mim. Além de eu ser mãe e pai, tenho de colocar alimento dentro de casa e lidar com a educação dos dois”, relata.
A beneficiária também conta que é complicado conseguir, apenas com o Bolsa Família, colocar alimento dentro de casa e pagar aluguel. Neste ano, ela perdeu o pai de sua filha para a covid-19. Era ele quem ajudava, ocasionalmente, com a alimentação e os gastos de casa. Diante da situação, para complementar a renda, faz diárias na casa de uma amiga e conta com a ajuda de quem conhece a sua história.
Assim como Poliana, 14,28 milhões de famílias estão cadastradas no PBF, o que corresponde, segundo o Ministério da Cidadania, a, aproximadamente, 43,6 milhões de pessoas. Em 2004, quando o programa virou lei, seis milhões de famílias eram assistidas e, na década seguinte, o número mais que dobrou. Já em 2017 — ano em que 3,4 milhões de pessoas deixaram a situação de pobreza extrema e outras 3,2 milhões superaram a pobreza, por meio do PBF —, os beneficiários passavam de 13,3 milhões, de acordo com dados do Ipea.
As filas para aderir ao programa, no entanto, são constantes. Em abril, o governo ampliou a verba do PBF, repassando R$ 3 bilhões adicionais para contemplar 1,2 milhão de famílias que estavam à espera do benefício. Mesmo assim, a demanda não consegue ser suprida e, em agosto, do total de 14,28 milhões de famílias cadastradas, foram efetivamente contempladas 13,6 milhões.
“O Bolsa Família só pode atender ao número de famílias que seu orçamento comporta, por força legal. No mês de agosto, a folha de pagamento foi custeada, quase em sua totalidade, por recursos do auxílio emergencial. Foram destinados mais de R$ 15,1 bilhões para atender 13,6 milhões de famílias (de um total de 14,28 milhões de famílias)”, justifica o Ministério da Cidadania.
O governo federal afirma que 95% dos beneficiários do Bolsa Família foram contemplados pelo auxílio emergencial e essa parcela da população está incluída na prorrogação do benefício emergencial. “Vale ressaltar que, após encerrar o prazo do auxílio emergencial, essas mesmas famílias continuarão no Bolsa Família e vão receber por meio da folha de pagamento do programa, observando sempre a disponibilidade orçamentária”, afirma a pasta.
Lixão
Para a subsistência, Helenilde Maria da Conceição, 46, moradora de Santa Luzia, na Estrutural, conta com a contribuição do governo. Desde que veio morar em Brasília, em 2002, a ex-catadora tinha o lixão da Estrutural como fonte de renda. Os objetos de casa, roupas, brinquedos e comidas vinham das montanhas de descartes, daquilo que, para alguns, não servia mais. Com o fechamento do lixão, em 2018, Helenilde ficou sem ter de onde tirar o sustento e passou a viver apenas com a ajuda do governo.
“O Bolsa Família é pouquinho, mas serve. Nessa pandemia, comecei a receber o auxílio emergencial. A situação não está nada boa, mas é melhor do que nada”, declara a baiana natural de Bom Jesus da Lapa, que vive numa casa improvisada com o marido e três dos sete filhos.
Enquanto o valor médio do Bolsa Família gira em torno de R$ 190 por núcleo familiar, o auxílio emergencial começou com R$ 600, sendo que 58,6 milhões de pessoas receberam, pelo menos, alguma das cinco parcelas do benefício desde que o programa foi criado, em abril. Os valores acabaram reduzidos para R$ 300, bem como o número de beneficiados, e o pagamento vai até o fim do ano.
É por meio de um de seus balizadores, o Cadastro Único de Programas Sociais (plataforma que reúne as informações sobre as famílias brasileiras mais vulneráveis), que a prestação do auxílio emergencial conseguiu ser implementada na pandemia. O canal serve como porta de entrada para as famílias acessarem diversas políticas públicas, como a Tarifa Social de Energia Elétrica, o Programa Minha Casa Minha Vida, a Bolsa Verde, entre outros.
Conseguir a contribuição do governo por meio de outros programas, como de assistência à moradia, pode até estar nos planos de Helenilde, mas não passa nem perto do que ela realmente almeja. “Hoje, eu não posso perder a ajuda do governo, principalmente nesta época de pandemia, mas eu quero um emprego. O meu maior desejo, agora, é conseguir minha carteira assinada, seja numa área de limpeza, serviços gerais, tenho experiência nisso. O que vier será uma bênção”, diz. Para conseguir avançar, a baiana não conta com a sorte, mas com a fé, “porque o pouco com Deus é muito, mas o muito sem Deus é nada”. (CB)
Redação