A Precisa Medicamentos, empresa que tentou intermediar a venda e importação da vacina indiana Covaxin junto ao governo federal e que está na mira tanto do MPF (Ministério Público Federal) como da CPI da Covid, manteve conversas para lançar no Brasil uma joint venture com o laboratório indiano Bharat Biotech.
Por meio Bharat Latam, originária da associação das duas empresas, a ideia seria usar o Brasil como polo de distribuição de diversos tipos de imunizantes em futuras negociações. Maximiano mirava acordos não só com governos. Parte das doses da Covaxin que haviam sido contratadas já estava reservada à iniciativa privada, por exemplo.
O sócio-administrador da Precisa, Francisco Emerson Maximiano, cujo depoimento na CPI da Covid foi adiado depois que ele conseguiu um habeas corpus para se manter em silêncio, chegou a viajar à Índia para negociar com a Bharat Biotech mais doses da Covaxin a serem compradas e discutir a possibilidade de estabelecimento da joint venture no Brasil com a companhia indiana, segundo a diplomacia brasileira.
As expectativas de Maximiano são relatadas em ofícios do Ministério das Relações Exteriores enviados ao Ministério da Saúde e à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), datados de janeiro e março deste ano, após as viagens à Índia para acertar a compra da Covaxin. Os documentos estão em mãos da CPI da Covid.
Na viagem do início de janeiro, Maximiano falou em nome dos membros da delegação, formada por representantes da Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas e presidentes das Câmaras de Comércio Brasil-Índia no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, de acordo com o Itamaraty.
A Precisa negociou 37 milhões de doses do imunizante produzido no país asiático, segundo o Itamaraty. Desse montante, 32 milhões seriam reservadas ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e 5 milhões ao setor privado nacional.
O contrato assinado em fevereiro deste ano pelo Ministério da Saúde com a Precisa Medicamentos prevê a aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin, ao custo final de R$ 1,6 bilhão —o preço negociado foi de US$ 15 por dose, o valor mais caro entre as vacinas que foram compradas pelo governo federal até agora. Paralelamente, 12 milhões de doses ficariam à espera de um segundo acordo entre as partes.
Trecho de um dos ofícios enviados pelo Itamaraty relata:
“Maximiano adiantou que a relação da Precisa Medicamentos com a Bharat Biotech, que tem-se estreitado nas últimas semanas, deverá evoluir, no futuro próximo, para o estabelecimento de uma joint venture no Brasil, a chamar-se Bharat Latam. Destacou que, com a joint venture, seria possível utilizar a expertise e a capacidade produtiva da Bharat Biotech em diversos tipos de vacina, para explorar o potencial do mercado privado de vacinação do Brasil, aludindo à concentração desse mercado entre três empresas tradicionais do setor farmacêutico.”
As três empresas citadas pelo dono da Precisa são a GSK, Pfizer e Sanofi, que possuem contratos com o Ministério da Saúde para comercialização de imunobiológicos, insumos e suprimentos que são utilizados em instalações da Fiocruz, do Instituto Butantan e de universidades públicas, entre outros destinatários finais, segundo o ofício do Itamaraty.
Durante as conversas na Índia, Maximiano manifestou o interesse em fazer parte dessa rota comercial e quebrar o que chamou de “oligopólio”.
O empresário também mencionou no decorrer das agendas realizadas na viagem à Índia um suposto diálogo com o Ministério da Economia para “eventual abertura de linhas de crédito para que clínicas privadas pudessem adquirir vacinas contra a covid-19”.
Ainda, Maximiano disse que, “com a divulgação de dados de eficácia pela Bharat Biotech e a iminência da aprovação da autorização para uso emergencial sem restrições da vacina na Índia”, uma autorização semelhante poderia ser obtida em breve no Brasil, aponta documento do governo.
Para tanto, citou “nova redação” da medida provisória que acabou permitindo que a Anvisa concedesse “autorização para a importação e distribuição de quaisquer vacinas” e medicamentos sem registro na agência desde que aprovadas por determinadas autoridades sanitárias de outros países.
Emenda ao texto da MP que acrescentou autoridade sanitária da Índia na lista de órgãos habilitados foi apresentada pelo líder do governo na Câmara, deputado federal Ricardo Barros (PP-PR).
Em depoimento à comissão parlamentar de inquérito, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, afirmaram que o presidente Bolsonaro relacionou o nome de Barros a um “rolo” na negociação da compra da Covaxin ao ouvir denúncia de pressão atípica para a importação de doses da vacina indiana.
Outra possibilidade aventada pela Precisa seria apresentar pedido de autorização definitiva para uso da Covaxin no Brasil diretamente pela empresa brasileira, com base nos dados preliminares de eficácia.
Após suspeitas de irregularidades virem a público, o governo federal suspendeu o contrato com a Precisa.
A importação da Covaxin não aconteceu até o momento. A Precisa apresentou à Anvisa pedido de uso emergencial da Covaxin no dia 29 de junho. No dia seguinte, a Anvisa suspendeu o prazo para concluir a análise sob a justificativa de que faltam documentos obrigatórios para avaliação da eficácia e segurança da vacina.
O UOL entrou em contato com o Itamaraty e a Precisa Medicamentos, mas não houve manifestação do governo nem da empresa até a publicação deste texto.
Vice-presidente da CPI quer informações sobre voo
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentou requerimento em que pede informações à Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), à Infraero, à Receita Federal e à Polícia Federal sobre o voo supostamente fretado de Maximiano para a Índia em janeiro.
Isso porque Maximiano teria apresentado à Receita renda mensal de menos de R$ 5.000 em 2020, o que não é compatível para arcar com os custos de um voo internacional fretado, informou o senador.
O requerimento ainda precisa ser votado pela CPI.
Fonte: UOL