Por meio das associações, preocupadíssima com a possibilidade de boicote à Copa América, a Conmebol mandou o recado aos jogadores das dez seleções participantes: batam em mim, mas joguem. Traduzindo: podem criticar publicamente a organização da competição, não haverá retaliação.
O conteúdo do manifesto divulgado pelos atletas da seleção brasileira na noite desta terça-feira (8), após a vitória de 2 a 0 sobre o Paraguai, em Assunção, pelas Eliminatórias, faz da Conmebol o alvo principal. É o único ente citado nominalmente: não há menção à CBF ou ao governo federal, que abraçaram a realização da Copa América no Brasil, motivo de críticas do elenco.
“Somos um grupo coeso, porém com ideias distintas“, começa o segundo parágrafo. Essas ideias distintas, algo natural quando falamos de um grupo de mais de 20 pessoas, dificultaram a elaboração do texto. Ele precisou, por exemplo, passar pela avaliação de agentes e assessores dos jogadores — a CBF teve acesso antes da divulgação, mas não interferiu.
A palavra errada poderia atrapalhar contratos comerciais, e cada atleta tem o seu. Há no grupo aqueles críticos ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido), mas há também aqueles que têm simpatia e apoiam — e a maioria das pessoas que cuida da carreira desses atletas, por terem também envolvimento em outras áreas do entretenimento, têm afeição pelo governo federal.
O consenso foi: criticar a Conmebol, já que havia carta branca para isso, mas evitar politizar, já que a Fifa proíbe manifestos políticos. Por isso que as palavras pandemia ou covid-19 não foram usadas, já que poderia haver a interpretação de críticas ao governo em um país com mais de 470 mil mortos.
A CBF também foi poupada do Manifesto de Assunção por um motivo específico: o afastamento do presidente Rogério Caboclo, o homem que maquinou assumir o torneio que a Colômbia (por motivos políticos) e a Argentina (por causa da pandemia) rejeitaram.
Caboclo foi retirado da presidência por 30 dias pelo Comitê de Ética da CBF, no domingo (6), para se defender de acusação de assédio sexual por uma funcionário, caso revelado pelo Ge.com. O grupo vinha tendo atritos com o dirigente, por ele não ter avisado que a Copa América seria no Brasil, soube pela imprensa, e por há algum tempo Caboclo ter uma relação fria com o técnico Tite, a quem os jogadores amam. Sem Caboclo, que dificilmente retornará à CBF, pareceu desnecessário criticar a CBF.
Um trecho menos repercutido até o momento chama a atenção no Manifesto de Assunção, por dois motivos, nesse parágrafo: “Por diversas razões, sejam elas humanitárias ou de cunho profissional, estamos insatisfeitos com a condução da Copa América pela Conmebol, fosse ela sediada tardiamente no Chile ou mesmo no Brasil“.
1) O grupo revela que as críticas à Copa América não ocorrem somente por questão humanitária, o mais perto aliás que conseguiram citar a pandemia, mas também por cunho profissional.
Ou seja, há atletas, ou quem conduz suas carreiras, insatisfeitos em ter que participar da quarta edição de um campeonato em seis anos — a Copa América foi realizada também em 2015 no Chile, 2016 nos EUA e 2019 no Brasil. Há risco de lesão, o que prejudicaria o início da temporada em agosto, para os que jogam na Europa, além de atrapalhar compromissos comerciais realizados nas férias dos campeonatos.
2) Para reforçar que a crítica à realização da Copa América não é somente por ela ter vindo ao Brasil, o grupo cita o Chile e que estaria insatisfeito do mesmo jeito se o torneio migrasse da Argentina/Colômbia para estádios chilenos.
O Chile esteve entre os candidatos a herdar a competição, ou parte dela, mas o acordo entre o país e a Conmebol nunca esteve próximo de sair. O governo chileno não aceitava isentar a confederação de impostos e não queria receber na totalidade, apenas a parte que era da Colômbia.
Citar o Chile, portanto, foi uma maneira de os atletas desviarem de qualquer conotação política, isentando o governo brasileiro — o problema, segundo o texto, é a Conmebol empurrar o torneio para qualquer lado, a qualquer custo.
Por fim, ao afirmarem que nunca pensaram em boicote, ou a negar uma convocação, mostram que a articulação que envolveria outras seleções fracassou, inclusive a de um manifesto conjunto — só o Brasil divulgou um texto. Por que se já é difícil um grupo de 20 e poucas pessoas ter as mesmas ideias, imagina mais de 200? Impossível.
A Copa América começa no próximo domingo (13), com Brasil x Venezuela em Brasília (18h). A final está marcada para 10 de julho, no Maracanã.
Leia a íntegra da nota:
“Quando nasce um brasileiro nasce um torcedor. E para os mais de 200 milhões de torcedores escrevemos essa carta para expor nossa opinião quanto à realização da Copa América.
Somos um grupo coeso, porém com ideias distintas. Por diversas razões, sejam elas humanitárias ou de cunho profissional, estamos insatisfeitos com a condução da Copa América pela Conmebol, fosse ela sediada tardiamente no Chile ou mesmo no Brasil.
Todos os fatos recentes nos levam a acreditar em um processo inadequado em sua realização. É importante frisar que em nenhum momento quisemos tornar essa discussão política. Somos conscientes da importância da nossa posição, acompanhamos o que é veiculado pela mídia e estamos presentes nas redes sociais. Nos manifestamos, também, para evitar que mais notícias falsas envolvendo nossos nomes circulem à revelia dos fatos verdadeiros.
Por fim, lembramos que somos trabalhadores, profissionais do futebol. Temos uma missão a cumprir com a história camisa verde amarela pentacampeã do mundo. Somos contra a organização da Copa América, mas nunca diremos não à seleção brasileira.”
(Com informações Uol)