Polícia da Colômbia assassinou e abusou sexualmente de manifestantes, diz ONG Human Rights Watch
Num primeiro momento, o levante era contra uma proposta de reforma tributária do governo de centro-direita do presidente Iván Duque. O projeto colocava peso maior na arrecadação de impostos sobre a classe média, em grande parte para arcar com os gastos do combate à pandemia do coronavírus.
Os confrontos entre manifestantes e policiais foram violentos desde o início, com detenções, feridos e mortos —oficialmente, são 46 civis e 2 policiais. Esse número, porém, é questionado por ONGs de direitos humanos, como a Indepaz, que afirma serem mais de 50 mortos. A própria HRW contabiliza 68.
Duque recuou da proposta de tributação, mas os protestos não pararam, e a brutalidade na repressão policial, aumentou. Os manifestantes então passaram a pedir, também, mais empregos, melhor assistência de saúde —cujo sistema está saturado devido à pandemia— e maior qualidade na educação.
Dívidas históricas do país entraram na pauta, como os pedidos de melhorias nas condições de vida dos “desplazados” (deslocados) pelo conflito com as guerrilhas desde os anos 1960, que vivem em situações precárias nos subúrbios das grandes cidades, e a demanda pela reinserção na sociedade dos ex-combatentes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), item aprovado no acordo de paz.
O discurso do governo é o de que os atos são respeitados e que os abusos, atribuídos a “vândalos”, estão sendo punidos. Duque também sugere que grupos estrangeiros atuam nos protestos, a mando da ditadura venezuelana liderada por Nicolás Maduro, para tentar desestabilizar a gestão colombiana.
No relatório, a HRW apresenta relatos de assassinatos realizadas por agentes da polícia nacional, assim como uso de violência, armas de fogo e abusos sexuais. Muitas das detenções foram classificadas como arbitrárias. “Esses abusos brutais não são incidentes isolados. Estão relacionados a um modo sistêmico de formação dos policiais colombianos”, diz José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da entidade.
O documento atesta, ainda, a presença de agentes disfarçados de civis nos atos —eles teriam matado quatro pessoas. Dos mortos pela polícia, diz o relatório, 16 foram assassinados com armas de fogo.
Após mais de um mês de protestos, o governo anunciou no domingo (6) um conjunto de medidas para modernizar o Ministério da Defesa e promover a “transformação integral” das forças policiais. Duque prometeu a criação de um novo estatuto disciplinar e de um novo sistema de recebimento de reclamações e denúncias para “alcançar a excelência” no trabalho policial.
As mudanças incluem ainda uma revisão nos protocolos para o “uso legítimo da força”, a mudança do nome da pasta da Defesa, que passará a ser Ministério da Defesa Nacional e Segurança Cidadã, e novos modelos de uniforme para os policiais, em cor azul, que, segundo Duque, “transmite empatia, cortesia, tranquilidade e confiança aos cidadãos”.
A Human Rights Watch recomenda que a reforma priorize a formação dos novos agentes e o treinamento mais respeitoso dos que já estão na ativa, “para evitar novos abusos”. Vivanco também afirma ser aconselhável separar a polícia do Exército, algo que funciona de modo conjunto na Colômbia. “Assim, seria possível manter um padrão específico de cobrança e vigilância da ação policial.”
A ONG menciona os atos de vandalismo como pontuais —houve ataques a policiais e o incêndio de um posto policial, além da morte de dois agentes. O relatório afirma que “a violência contra policiais é injustificável, assim como os bloqueios de estradas que deixam cidades sem abastecimento”. A HRW cobra a investigação do caso de uma oficial que foi estuprada por manifestantes em Cali.
O documento foi baseado em entrevistas com mais de 150 pessoas, por telefone e presencialmente, entre as quais vítimas, parentes, advogados e representantes do Judiciário, em 25 cidades da Colômbia. A ONG também entrevistou a atual vice-presidente e chanceler do país, Marta Lucía Ramírez, e analisou relatórios médicos e policiais, além de vídeos e fotos publicados em redes sociais.
(Com informações Folha de São Paulo)