O novo reajuste no preço dos combustíveis anunciado nesta sexta-feira (17) pela Petrobras encurralou o governo e a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL), que vê no avanço da inflação o principal obstáculo para o seu projeto de reeleição em outubro.
Pouco depois do anúncio da companhia, Bolsonaro e aliados dispararam ameaças de retaliação contra a empresa, seu presidente, José Mauro Ferreira Coelho, e os demais executivos —entre elas a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigá-los.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse à Folha que “vai para o pau” para “rever tudo de preços” de combustíveis. A política de preços da companhia, alinhada ao mercado internacional, é um alvo constante de críticas da ala política.
Também viraram instrumentos de pressão uma possível taxação de lucros extraordinários das empresas de petróleo e eventuais sanções do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) à Petrobras em caso de comprovado abuso de poder dominante. A companhia detém a maior fatia do mercado de refino de combustíveis.
De acordo com aliados, a revolta de integrantes do Planalto e de congressistas alinhados ao governo se deve ao fato de o reajuste ofuscar os efeitos esperados com a aprovação, pelo Congresso, de um teto para o ICMS, imposto estadual, sobre combustíveis.
O projeto deve ser sancionado até a próxima segunda-feira (20), e os primeiros resultados nas bombas eram esperados pela classe política para a próxima semana. Agora, porém, o alívio deve ser anulado pela decisão da Petrobras.
A previsão de Dietmar Schupp, consultor especialista em tributação, era que o teto do ICMS levasse a uma redução média do valor da gasolina de R$ 0,657 por litro. Já o impacto sobre o diesel seria quase nulo, uma vez que muitos estados cobram alíquotas menores sobre esse combustível.
Um impacto maior, de até R$ 0,76 no litro do diesel e R$ 1,65 na gasolina, era projetado com o pacote mais amplo, que inclui o corte de tributos federais sobre gasolina e etanol (aprovado no mesmo projeto) e uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para repassar até R$ 29,6 bilhões aos estados em troca de eles zerarem alíquotas de ICMS sobre diesel e gás.
Integrantes da campanha do presidente sempre viram o aumento nos combustíveis como o maior empecilho para a chapa encabeçada por Bolsonaro.
Um deles chegou a dizer reservadamente que um reajuste durante o período eleitoral seria “fatal” para as ambições do chefe do Executivo. Bolsonaro está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O novo reajuste nas bombas também joga lenha na fogueira da inflação, que atingiu o pico de 12,13% em 12 meses até abril e dava mostras de desaceleração em maio, com alta acumulada de 11,73%.
Com uma logística dependente do transporte rodoviário de cargas, a alta do diesel acaba respingando nos preços de outros produtos, como alimentos, e pressiona os custos dos caminhoneiros. A categoria integra a base de apoio do presidente, mas mesmo assim é constantemente monitorada pelo Planalto devido aos riscos de greve.
Assessores no governo dizem que a situação atual ainda é muito diferente de 2018, quando os caminhoneiros pararam o país devido a aumentos nos preços de combustíveis. Entretanto, admitem que o novo aumento é “péssimo” e pode resultar em aumento de mais de R$ 1 por litro de diesel.
Desde a noite de quinta (16), Bolsonaro, Lira e os ministros Paulo Guedes (Economia), Adolfo Sachsida (Minas e Energia) e Ciro Nogueira (Casa Civil) vinham conversando entre si com a certeza de que haveria um reajuste.
Diante da iminência do anúncio, Lira chegou a ligar para o presidente da Petrobras ainda na quinta para tentar reverter a decisão.
“Eu liguei para Zé Mauro [presidente da Petrobras] ontem [quinta, 16]. Pedi para ele não dar aumento, [disse]: ‘você está trabalhando contra, o que se espera da Petrobras é outra coisa’; e falei que ia fazer um trabalho para demitir ele, vou propor com o governo para taxar o lucro da Petrobras. Ele [respondeu]: ‘não é bem assim, é o conselho [de administração], não estou postergando a minha saída'”, disse Lira.
O presidente da Câmara também afirmou que José Mauro “está sacaneando” e que um aumento do tipo “é um absurdo”.
Na visão de Bolsonaro e aliados, o aumento foi aprovado porque o presidente da Petrobras e outros executivos da empresa já foram demitidos publicamente em maio (após um primeiro reajuste nos preços do diesel), ainda que permaneçam temporariamente nos cargos.
O ministro Adolfo Sachsida encaminhou a indicação de Caio Paes de Andrade, atual secretário especial no Ministério da Economia, para presidir a companhia. Outros nomes do governo foram indicados para compor o conselho de administração.
A efetivação da troca, porém, ainda depende da análise da conformidade dos currículos em relação às regras da empresa e da convocação de uma assembleia de acionistas —trâmite que ainda pode levar mais de um mês.
O governo já pressionou José Mauro a renunciar ao posto, o que abriria caminho a uma troca mais acelerada no comando da empresa, mas ele tem resistido. A investida ganhou novo reforço nesta sexta, com Lira reivindicando publicamente que o atual presidente da Petrobras renuncie ao cargo.
Em entrevista a uma emissora do Rio Grande do Norte nesta sexta, Bolsonaro acusou José Mauro de boicotar Sachsida e elencou os instrumentos de pressão a serem usados pelo governo contra o atual comando da empresa.
“Conversei agora há pouco com o Arthur Lira, ele está neste momento reunido com líderes partidários. A ideia nossa é propor uma CPI para investigarmos o presidente da Petrobras, os seus diretores e também o conselho administrativo e fiscal”, declarou.
Uma CPI tem o poder de determinar a realização de diligências, tomada de depoimentos, requisição de informações de órgãos públicos e até mesmo a quebra de sigilos telefônico, bancário, fiscal e telemático de investigados.
Bolsonaro também deixou claro que a substituição de José Mauro tem por objetivo segurar os preços. “Na troca, a gente pode colocar gente competente lá dentro [da Petrobras] para poder entender o fim social da empresa e não conceder esse reajuste, que destrói a economia brasileira e leva inflação para toda a população”, afirmou na entrevista.
O presidente do Cade, Alexandre Cordeiro, também voltou a colocar pressão sobre a Petrobras e sinalizou que a empresa pode sofrer sanções por causa da alta de preços.
À Folha, Cordeiro disse que “a Petrobras não parece muito preocupada com sua imagem”. Segundo ele, que é ligado a Ciro Nogueira, existe concentração de mercado no setor e isso pode levar o Cade a coibir “abuso de posição dominante”.
“O Cade, no cumprimento de sua missão institucional, não se furtará em coibir qualquer abuso de posição dominante. Já temos um inquérito administrativo aberto e em estágio avançado”, disse.
A Petrobras também pode sentir a pressão pela via financeira, com a proposta de aumento da taxação do lucro da companhia sobre a mesa. Hoje, a empresa paga uma alíquota de 9% de CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Lira chegou a sugerir dobrar a cobrança, e técnicos do governo já foram mobilizados para discutir o tema.
Fonte: Folha de São Paulo