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PGR enterra CPI da Covid e facilita discurso eleitoral de Bolsonaro sobre a pandemia

O pedido da vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, para arquivamento das principais frentes de investigação decorrentes do trabalho da CPI da Covid foi visto como uma vitória de Jair Bolsonaro (PL) na campanha à reeleição e como o sepultamento da comissão parlamentar de inquérito.

A manifestação de Lindôra, apontada pela oposição como “testa de ferro” do procurador-geral da República, Augusto Aras, deve livrar Bolsonaro de suas cinco principais acusações no relatório final da CPI.

Entre elas, ser relacionado ao aumento de mortes na pandemia, além dos crimes de prevaricação, charlatanismo, uso irregular de verbas e infração de medidas sanitárias. As manifestações da PGR ainda serão analisadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Na corte ainda tramitam duas acusações contra o presidente. Em relação a uma delas, que trata da suspeita de que Bolsonaro incitou a população a desrespeitar medidas sanitárias, Lindôra pediu a prorrogação com o objetivo de promover novas diligências.

Não houve divulgação pela PGR sobre uma apuração que tramita sob sigilo no STF em que Bolsonaro é suspeito de falsificação de documento.

Para embasar sua teoria de supernotificação de mortes pela Covid, ele utilizou um suposto relatório do Tribunal de Contas da União que teria concluído que 50% das mortes por coronavírus teriam sido por outras doenças. Desmentido pelo órgão, o presidente chegou a voltar atrás.

Nesta terça-feira (26), sete senadores que atuaram na CPI da Covid protocolaram no STF um pedido para que Lindôra seja investigada por prevaricação. Afirmam que houve irregularidades nos pedidos de arquivamentos e solicitaram a manifestação direta de Aras nos casos.

Em nota, a Procuradoria afirmou que as manifestações “estão devidamente motivadas” e “atendem a critérios técnicos e aos regramentos específicos que regulam o direito penal”.

A PGR também reiterou que, “embora importantíssimo”, o papel da CPI “tem caráter político”, enquanto o Ministério Público age sob limites dos princípios jurídicos, “o que inclui o respeito ao devido processo legal”.

Com a imagem desgastada por causa da postura anticiência na pandemia, Bolsonaro adaptou o discurso a partir de meados de 2021 e começou uma ofensiva para tentar estancar sua perda de popularidade às vésperas da tentativa de reeleição.

Pressionado por aliados do centrão, o presidente adotou uma retórica pró-vacina, destoando das mensagens contra a imunização que sustentou desde o início da crise da Covid-19. Ele passou a dizer que o governo ofereceu vacinas a quem quisesse tomá-las.

A estratégia eleitoral abrangeu ainda mudanças na comunicação governamental, com o início de uma campanha em redes sociais para mostrar esforços da gestão federal na compra de imunizantes e investimentos feitos no setor da saúde.

Auxiliares também buscaram convencer Bolsonaro a reduzir frentes de tensão criadas por ele ao longo da pandemia, o que, na avaliação de assessores presidenciais, diminuiu o apoio a ele nas redes sociais e impactou em sua aprovação em pesquisas de opinião.

Veja o que concluiu a CPI e o que diz a PGR:

CRIME DE EPIDEMIA

O que diz a CPI?

A CPI da Covid entendeu que Bolsonaro cometeu “o crime de epidemia” majorado pelo resultado morte. Como justificativa, citou comportamentos do presidente, como a insistência no tratamento precoce com medicamentos comprovadamente ineficazes, como a cloroquina, e o atraso na compra de vacinas.

Além disso, o presidente editou normas que apontam para uma estratégia de propagação do vírus e consequente morte dos brasileiros para atingir a imunidade de rebanho. Também incitou a população a não se vacinar e resistiu “fortemente” à implementação de medidas uso de máscaras e distanciamento social.

O que disse a PGR?

A Procuradoria disse que as narrativas apresentadas e os elementos de prova no inquérito parlamentar não foram capazes de confirmar a presença das elementares típicas do crime de epidemia majorado pelo resultado morte nas condutas do presidente e dos demais indiciados pela CPI.

Segundo escreveu Lindôra, só pode ser sujeito ativo do crime de epidemia aquele que, comissiva ou omissivamente, dolosa ou culposamente, efetivamente contagia alguém.

Ou seja, para que pudessem ser punidos por essa infração penal, seria exigível que houvesse provas de que, portando o vírus, os indiciados tivessem promovido a sua difusão ou propagação, transmitindo-o a quantidade incerta de pessoas. Sem comprovação de que tenham, pessoalmente, transmitido a doença, não haveria crime.

USO IRREGULAR DE VERBAS NA PANDEMIA

O que disse a CPI?

A CPI apontou que Bolsonaro e os demais indiciados cometeram crime de emprego irregular de verbas públicas ao ordenar a produção de cloroquina para o combate à Covid-19, sem o aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

O documento afirma que o presidente e o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, teriam continuado a empregar recursos “mesmo depois de se demonstrar que a cloroquina era ineficaz no combate à Covid-19”.

A comissão ainda lembrou que Bolsonaro ordenou que o Laboratório Químico do Exército aumentasse a produção de cloroquina, além do uso do Fundo Nacional de Saúde para a compra de hidroxicloroquina e cloroquina em diversos formatos.

O que disse a PGR?

A procuradora afirmou que, para configuração deste crime, é necessário que o gestor dos recursos efetivamente aplique a verba em finalidade diversa daquela previamente estabelecida em lei, o que não foi comprovado pela CPI, segundo ela.

Lindôra argumentou que as condutas citadas ocorreram em um contexto emergencial, de pandemia, em que havia urgência no combate à doença e cujo tratamento ainda não existia, seja por medicamentos ou vacina.

Lindôra acrescentou que, na época, considerou-se a inexistência de outro tratamento específico eficaz disponível e que o uso da cloroquina seria de baixo custo, fácil acesso e haveria capacidade nacional de produção.

A PGR argumentou que o presidente “acreditava sinceramente que o uso desses fármacos auxiliaria no combate à doença”.

“Cumpre enfatizar, inclusive, a posição da Sociedade Brasileira de Infectologia em março de 2020, no sentido de que o uso da hidroxicloroquina seria uma forma de ‘terapia de salvamento experimental'”, disse. “O acerto ou desacerto da decisão, que se revestiu de caráter de urgência, lado outro, não é objeto do crime em apreço, mas se insere na órbita da gestão pública”, acrescentou a vice-PGR.

PREVARICAÇÃO

O que disse a CPI?

A comissão apontou que Bolsonaro prevaricou ao deixar de comunicar à Polícia Federal o relato feito pelo deputado Luis Miranda (Republicanos-DF) de suposta pressão atípica no Ministério da Saúde para que a compra da vacina Covaxin fosse aprovada, em março de 2020. O caso veio a público em junho, em depoimento à CPI.

Em 12 de julho, após pedido da PGR, a Polícia Federal instaurou inquérito para investigar tal suspeita. A comissão apresentou como provas mensagens do celular do deputado e uma foto dele com o presidente, na data do encontro.

A vacina Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, foi negociada no Brasil pela empresa Precisa Medicamentos. O negócio acabou cancelado após ser destrinchado pela CPI.

O que disse a PGR?

A procuradora declarou que os referidos elementos já foram objeto de apreciação pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal.

Além disso, afirma que os elementos trazidos pela CPI não indicam concretamente que houve irregularidades na contratação da vacina, assim como o Ministério da Saúde, o Tribunal de Contas da União e Controladoria-Geral da União não encontraram “quaisquer ilicitudes”, “o que rechaça a plausibilidade dos supostos alertas feitos por Luís Claudio Miranda às autoridades indiciadas pela CPI”.

Também afirma que “não há indícios mínimos de omissão” por parte das autoridades citadas no acompanhamento e apuração de eventuais irregularidades no procedimento.

CHARLATANISMO

O que disse a CPI?

O relatório indicou que o presidente praticou o crime de charlatanismo ao fazer propaganda do uso da cloroquina.

“O presidente da República foi o principal responsável pela propagação da ideia de tratamento precoce”. O documento cita uma fala de Bolsonaro, em outubro de 2020: “No Brasil, tomando a cloroquina no início dos sintomas, 100% de cura”.

O que disse a PGR?

Para arquivar a acusação, a Procuradoria argumentou que Bolsonaro não cometeu o crime porque ele mesmo confiava na eficácia do medicamento.

Também citou que o presidente afirmou, ele mesmo, ter usado o medicamento quando recebeu diagnóstico positivo para a Covid-19, em 7 de julho de 2020.

“Assim, tem-se que o presidente, ao declarar, no dia 23 de outubro de 2020, que, ‘no Brasil, tomando a cloroquina no início dos sintomas, 100% de cura’, expôs uma percepção pessoal e empírica, evidenciando sua plena convicção na utilização desse fármaco como uma possível intervenção terapêutica no combate à doença”, diz o documento.

INFRAÇÃO DE MEDIDAS SANITÁRIAS

O que diz a CPI?

Os parlamentares mencionavam que o presidente promoveu e incentivou atos com aglomerações e sem o uso de medidas que freiam a transmissão da Covid-19, como máscaras ou distanciamento.

A CPI aponta diferentes leis e decretos que Bolsonaro descumpriu em eventos públicos e que o dolo (intenção) está configurado.

O que diz a PGR?

A vice-PGR justificou que, “quanto às aglomerações, o acúmulo de pessoas não pode ser atribuído exclusiva e pessoalmente ao presidente da República”.

“Todos que compareceram aos eventos noticiados, muito embora tivessem conhecimento suficiente acerca da epidemia de Covid-19, responsabilizaram-se, espontaneamente, pelas eventuais consequências da decisão tomada”, afirmou.

Ela acrescentou que a norma que impõe o uso de máscara protetiva e que teria sido descumprida pelo presidente da República “somente prevê sanção de multa como mecanismo de coerção ao cumprimento da obrigação, não ressalvando a aplicação cumulativa da sanção penal”.

Fonte: Folha de São Paulo

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