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Pequim encerra Jogos Olímpicos marcados por tensão política

Depois de quase três semanas de competições atravessadas por tensões políticas, os Jogos de Inverno de Pequim-2022 foram encerrados neste domingo (20).

A China de Xi Jinping, que usou o evento como símbolo de sua consolidação como potência global, vive momento tenso em sua relação com os Estados Unidos e outros países do Ocidente. Violações de direitos humanos, como a repressão das liberdades civis em Hong Kong e a opressão dos muçulmanos na região autônoma de Xinjiang, têm motivado críticas da comunidade internacional.

No fim de 2021, a censura imposta à tenista Peng Shuai, após ela ter acusado um líder chinês de agressão sexual, alimentou pressões externas antes de os Estados Unidos anunciarem um boicote diplomático aos Jogos. Shuai assistiu às finais do Big Air ao lado de Thomas Bach, presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional).

Enquanto Joe Biden e outros líderes ocidentais boicotaram a cerimônia de abertura dos Jogos de Pequim, Vladimir Putin apareceu ao lado de Xi Jinping. Foi algo visto como uma demonstração de solidariedade do presidente russo e de fortalecimento dos vínculos entre russos e chineses.

Isso no momento em que a Rússia está no centro de uma grave crise de segurança com os países da aliança militar Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), sob os temores de que Putin possa ordenar uma invasão militar à Ucrânia.

A tensão foi levada para dentro dos Jogos. Vladyslav Heraskevych, atleta ucraniano de skeleton, mostrou um cartaz em protesto (“Sem guerra na Ucrânia”) depois de uma prova. O também ucraniano Oleksandr Abramenko, do esqui estilo livre, foi abraçado no pódio por seu rival russo Ilia Burov.

Outra atleta russa, Kamila Valieva, esteve no centro da maior controvérsia de Pequim-2022. Grande promessa da patinação artística, Valieva, 15, estreou nos Jogos com uma apresentação memorável, que levou o Comitê Olímpico Russo ao ouro na disputa por equipes. Ela se tornou a primeira mulher a realizar um salto quádruplo na história das Olimpíadas de Inverno.

Em seguida, no entanto, a Wada (Agência Mundial Antidoping) informou que um exame da atleta no final de dezembro havia indicado a presença de trimetazidina, medicamento com função vasodilatadora usado para o tratamento de angina. Em razão disso, a cerimônia de entrega de medalhas da prova por equipes foi suspensa.

Sob a alegação de não ter responsabilidade pela substância por ser adolescente, Kamila Valieva foi liberada para competir na prova individual pela Corte Arbitral do Esporte (CAS) enquanto o caso era investigado, mas o COI (Comitê Olímpico Internacional) anunciou que, se Valieva ganhasse uma medalha, não haveria pódio.

Pressionada e visivelmente abalada, a atleta fez uma apresentação inferior na prova individual, caiu duas vezes e chorou no final. Ficou na quarta colocação.

Bach, presidente do COI, disse ter ficado muito perturbado ao assistir à competição e criticou o tratamento dos técnicos de Valieva. “Eu vi quão alta deve ter sido a pressão sobre ela. Você podia ver na linguagem corporal, isso foi um imenso estresse mental”, disse.

Com três anos a mais do que Valieva, a esquiadora Eileen Gu, 18, teve um percurso nos Jogos em tudo diferente ao da russa. Chinesa nascida na Califórnia, a esquiadora conquistou ouros no halfpipe e no Big Air e prata no slopestyle e se tornou a primeira competidora a subir três vezes no pódio do esqui estilo livre em uma mesma edição das Olimpíadas de Inverno.

Além da consagração esportiva, Eileen Gu ganhou os holofotes com a sua enorme força publicitária. A atleta tem contrato com cerca de 30 marcas e já trabalhou como modelo em campanhas de grifes como Gucci, Louis Vuitton, Carolina Herrera e Tiffany & Co.

Os Jogos na China também foram marcados por problemas ligados à Covid-19. Nos dias que antecederam o início das competições, pipocaram reclamações sobre as condições que atletas obrigados a ficar em quarentena enfrentaram —houve protestos a respeito do tamanho e da higiene dos quartos, da conexão de internet e das refeições oferecidas.

De acordo com o jornal The New York Times, pelo menos 508 pessoas com credenciais olímpicas, incluindo 183 atletas e membros de delegações, tiveram diagnóstico de infecção pelo coronavírus na China, na entrada no país ou já na “bolha sanitária” dos Jogos.

Seguindo a política chinesa de “Covid zero”, a organização dos Jogos isolou os participantes em escala e vigilância inéditas. Nenhum atleta, treinador ou profissional ligado aos Jogos podia pisar fora do chamado circuito fechado: locais de competição, vilas olímpicas, alguns hotéis e uma rede de transporte específica.

As medidas, que incluíam testes diários, parecem ter tido sucesso: na segunda metade dos Jogos, menos de dez casos de Covid-19 foram diagnosticados por dia.

Se os organizadores chineses conseguiram aplacar os temores de disseminação da variante ômicron durante os Jogos, não conseguiram emplacar a imagem de Olimpíadas ecológicas.

O país reaproveitou arenas das Olimpíadas de 2008 e prometeu usar apenas energias limpas no evento, mas a produção de neve artificial nos locais de competição acentuou a percepção do alto custo ambiental dos Jogos de Inverno.

Foi na neve artificial de Pequim que a esquiadora Jaqueline Mourão, 46, cravou uma marca na história esportiva do Brasil. Ela se tornou a recordista brasileira em participações olímpicas –na China, ela ultrapassou Robert Scheidt, Formiga e Rodrigo Pessoa, que estiveram em sete Olimpíadas.

Jaqueline, 82ª nos 10 km estilo clássico e 84ª no sprint livre em Pequim, participou de três Olimpíadas de verão (2004, 2008 e 2020) e de cinco de inverno (2006, 2010, 2014, 2018 e 2022). A mineira se destacou primeiro no ciclismo mountain bike antes de conhecer o esqui e se dividir entre as duas modalidades —viraram três quando ela incluiu o biatlo (união de esqui e tiro) em seu currículo.

O Brasil, no entanto, permanece sem medalhas em Jogos de Inverno. A Noruega garantiu o primeiro lugar na classificação de medalhas de Pequim-2022, com 16 ouros, 8 pratas e 13 bronzes (37 no total), seguida da Alemanha (12 ouros, 27 no total). Os anfitriões conquistaram 9 ouros e 15 medalhas no total.​

Na cerimônia de encerramento, quem carregou a bandeira verde-amarela foi o esquiador Manex Silva, que estabeleceu um recorde e se tornou o primeiro brasileiro a atuar em quatro torneios olímpicos em uma mesma edição dos Jogos. Silva competiu nas modalidades de esquiatlo, sprint, 15km e 50km.

A cerimônia de encerramento prestou homenagem aos voluntários que trabalharam no evento, auxiliando turistas e atletas ao longo das disputas. Um vídeo mostrou a atuação destas pessoas e seis estudantes universitários, voluntários de destaque, foram convidados a subir ao pódio no estádio. Eles receberam as tradicionais lanternas chinesas em agradecimento por sua dedicação.

Em seu discurso, Bach parabenizou a China por um evento seguro e destacou a infraestrutura das vilas olímpicas, chamando de “excelente” e “extraordinária” a organização dos Jogos de Inverno no país.

Pequim passou o bastão para as cidades italianas de Milão e Cortina d’Ampezzo, que irão receber os Jogos de Inverno em 2026.

Fonte: Folha de São Paulo

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