Para a ONU, Governo Bolsonaro incentiva “cultura de impunidade” no garimpo
Às vésperas das eleições no Brasil, o governo de Jair Bolsonaro é alvo de críticas formais por parte de um documento que será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em setembro.
O informe foi preparado pelo relator Marcos Orellana e denuncia como o comportamento do governo incentiva, na prática, ações ilegais por parte de garimpeiros na Amazônia. O relator é o responsável por examinar o impacto de medidas ambientais nos direitos humanos e seu informe, neste ano, é dedicado ao impacto do mercúrio e do garimpo.
“A falta de proteções e medidas eficazes para os danos causados pela mineração de ouro em pequena escala usando mercúrio revela racismo estrutural contra os povos indígenas”, alerta o documento.
Apesar de mencionar casos em diferentes partes do mundo, o informe apresenta acusações diretas ao governo de Jair Bolsonaro e destaca as consequências dos projetos do Executivo, ao serem transformados em uma espécie de sentimento de impunidade por parte daqueles que cometem crimes.
“O Brasil alega ter restrições de mercúrio e cláusulas legais para proteger os povos indígenas, mesmo quando tenta regredir nos padrões existentes e abrir as terras indígenas à mineração de ouro e outras indústrias extrativistas”, diz. “Isto levou a uma cultura de impunidade entre os garimpeiros, que acreditam ter o apoio do governo”, afirmou. O relator se refere aos projetos de lei da base governista que tentam legalizar o garimpo em áreas indígenas e de proteção.
Os relatórios que são debatidos no Conselho de Direitos Humanos não são transformados imediatamente em ações. Mas o informe promete ampliar ainda mais o constrangimento internacional do país em temas como proteção de indígenas e o meio ambiente.
Os relatórios e análises dos organismos internacionais ainda contribuíram para aprofundar o status de pária que o país passou a exercer nos últimos anos, questionando o compromisso do governo Bolsonaro com alguns dos principais consensos relacionados aos direitos humanos.
Contaminação e destruição
Segundo ele, a pressão dos garimpeiros em terras protegidas afeta os povos indígenas mais remotos através do contato direto, da destruição de habitat e fontes de alimento, e da contaminação dos peixes do rio.
“Pesquisas recentes realizadas com os povos indígenas Munduruku no Estado do Pará, Brasil, detectaram mercúrio em todas as amostras de cabelo analisadas de 200 pessoas – homens e mulheres, adultos (incluindo idosos) e crianças – sem exceção”, diz o informe.
“Os níveis mais altos de contaminação por mercúrio foram relatados nas aldeias mais próximas às atividades de mineração de ouro em pequena escala. As pessoas com os mais altos níveis de contaminação tinham uma maior frequência de sintomas neurológicos, tais como mudanças na sensibilidade táctil e à dor, no motor e na memória”, afirma o documento.
Segundo ele, a taxa de desmatamento na região Kayapó devido à mineração de ouro dobrou desde 2000. “Embora seja ilegal a mineração em terras indígenas no Brasil, os povos indígenas dizem que isto não impediu a invasão generalizada pelos garimpeiros em suas terras”, destaca, lembrando que um estudo da Funai (Fundação Nacional do Índio) identificou quase 3.000 povos indígenas contaminados por resíduos de mineração.
O relatório também cita como cerca de mil Yanomami vivem em casas comunitárias em Palimiú, uma aldeia às margens do rio Uraricoera, na maior reserva indígena do Brasil. O local só pode ser alcançado por barco ou avião leve. “Em maio de 2021, vários barcos operados por garimpeiros abriram fogo sobre a tribo Yanomami nas margens do rio com armas automáticas. Os aldeões responderam com flechas e espingardas de caça. Houve feridos em ambos os lados e dois jovens garimpeiros se afogaram no caos, com os garimpeiros ameaçando voltar por vingança”, apontou.
“A polícia chegou no dia seguinte e os garimpeiros voltaram de barco, abrindo fogo sobre os agentes federais, que os expulsaram com contra-ataques. Os promotores públicos do Estado de Roraima acreditam que os garimpeiros podem ter contratado uma das maiores gangues criminosas do Brasil – conhecida como Primeiro Comando da Capital, que possui rotas de contrabando na região – para aterrorizar os indígenas”, destacou o documento.
Procurado, o Itamaraty não respondeu sobre o conteúdo do informe e nem se irá rebater as acusações durante a reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que começa no dia 12 de setembro.
Fonte: UOL/Jamil Chade