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O que falta para concluir o acordo UE-Mercosul

Deutsche Welle – Na visita do chanceler federal alemão Olaf Scholz a Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu concluir o acordo comercial entre União Europeia (UE) e Mercosul até a metade de 2023. “Vamos fechar esse acordo até o final do semestre”, disse o brasileiro.

É uma meta audaciosa, levando em conta os obstáculos que envolvem a ratificação. O tratado está em negociação entre os dois blocos desde 1999 e foi assinado em junho de 2019, no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro.

O acordo UE-Mercosul é importante principalmente pela magnitude dos números. Ele prevê a criação da maior zona de livre comércio do mundo, com um mercado de 780 milhões de pessoas e que representaria cerca de 20% do PIB mundial e mais de 30% das exportações globais.

Segundo estudo da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do governo federal, o tratado poderá incrementar o PIB do Brasil em 87,5 bilhões de dólares nos próximos 15 anos, com esse número podendo chegar a 125 bilhões de dólares se consideradas a redução de barreiras não tarifárias. No mesmo período, a entidade prevê um aumento de 113 bilhões de dólares em investimentos no Brasil, e 100 bilhões de dólares em ganhos das exportações brasileiras para a UE até 2035.

Há, no entanto, uma série de entraves por parte de setores agrícolas e industriais, tanto do lado dos quatro países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), quanto dos 27 Estados-membros da UE, que podem dificultar a ratificação do texto ainda neste semestre. A conclusão da parceria depende da aceitação dos termos pelos parlamentos de todos os países envolvidos e também do próprio bloco europeu.

Para especialistas em política internacional ouvidos pela DW, a sinalização de Lula para a UE é uma tentativa de recolocar o Brasil como protagonista no cenário internacional – principalmente num contexto de carestia de recursos energéticos e agrícolas causado pela guerra entre Rússia e Ucrânia.

Meio ambiente: pedra no sapato dos parceiros europeus

Após a assinatura do acordo, em 2019, os reflexos da política ambiental do ex-presidente Bolsonaro bloquearam as negociações. Holanda, Áustria e a região da Valônia, na Bélgica, votaram contra a ratificação, com temores de que o tratado poderia ter impactos negativos no meio ambiente. Governos de França, Irlanda e Luxemburgo também mostraram resistência.

“A grande questão que vem sendo levantada pelo lado europeu é o compromisso do Brasil e dos países sul-americanos com a manutenção dos bons padrões ambientais, de economia verde. Essas são as grandes questões sobre a mesa, que precisam ser discutidas até que se chegue a um bom termo entre as partes”, explica Dawisson Belém Lopes, professor de relações internacionais da UFMG.

No início do ano, a ministra do Meio Ambiente de Lula, Marina Silva, declarou a intenção de ajudar na negociação para que o acordo saia do papel. No Parlamento alemão, a secretária de economia do governo alemão, Franziska Brantner, que fez parte da comitiva de Scholz na viagem à América do Sul, disse que “é preciso um claro comprometimento dos países do Mercosul para que o acordo com a UE não ocorra em detrimento da Amazônia, da natureza e da população da região”.

O atual governo brasileiro deu fortes sinais nessa direção, avalia o professor de relações internacionais da UnB Alcides Costa Vaz. “O novo governo fez todos os acenos possíveis e imagináveis. Podemos dizer que estamos voltando à pauta, aos espaços multilaterais e a agendas, principalmente a ambiental”, afirma.

Próximos passos

Em tese, o acordo está concluído, explica Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do governo federal e consultor do Banco Ourinvest. “Oficialmente, estamos na parte de revisão jurídica, mas essa revisão tem mais de quatro anos e não dá sinais de que quer avançar. Para fechar o acordo neste semestre, não pode reabri-lo”, explica Barral, que também é sócio da consultoria BMJ Consultores Associados.

Se passar pela revisão jurídica, o acordo será enviado para votação pelo Parlamento Europeu e para os 27 congressos nacionais na União Europeia e legislativos dos quatro países do Mercosul. Os termos econômicos, no entanto, podem valer provisoriamente, se o tratado for aprovado pelo Parlamento Europeu e pelos congressos dos países do Mercosul, sem precisar da aprovação imediata dos Estados-membros europeus.

Entraves econômicos

Além das questões ambientais, porém, há reclamações tanto por parte de setores agrícolas europeus quanto de industriais sul-americanos. “No caso da Europa, desde commodities até carnes, esses produtores perderiam para os sul-americanos”, afirma Barral. Já do lado contrário, haveria resistência na indústria automotiva argentina quanto à abertura do setor.

Outra questão é o ponto do acordo que trata das compras governamentais, prevendo que fornecedores de bens e serviços possam participar de licitações em qualquer país do tratado, sendo tratadas como empresas domésticas.

No encontro com Scholz, esse ponto foi criticado por Lula. “Em um país em desenvolvimento, como o Brasil, compras governamentais são uma forma de você fazer crescer pequenas e médias empresas. Se a gente abre mão disso, a gente está jogando fora a oportunidade das nossas pequenas e médias empresas crescerem”, disse o presidente.

Situação geopolítica favorável

O aceno de Lula à União Europeia também ocorre num momento oportuno para o bloco europeu, que enfrenta uma crise energética e de inflação causada pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Na avaliação do ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral, esse contexto fez o Mercosul se tornar mais importante para a Europa, pela garantia de energia e de alimentos.

“O Mercosul tem um enorme potencial de exportar gás da Argentina e hidrogênio verde para Europa. Esse acordo facilitaria muito, com tarifas, investimentos. Tem também a parte dos alimentos, com a Europa tendo uma garantia muito maior de segurança alimentar”, afirma Barral.

O fato de Lula ter condenando, pela primeira vez, a invasão da Ucrânia pela Rússia no encontro com Scholz dá significado geopolítico ainda maior para o Brasil, avalia o analista político Thomas Traumann, da FGV.

As visitas programadas de Lula aos Estados Unidos também indicariam uma atualização nas prioridades da política externa brasileira. Para Traumann, isso indica que o eixo Sul-Sul, tradicional dos governos anteriores do PT, não é mais o único balizador das relações com os outros países.

“É cedo para falar que é menos Sul-Sul. Mas não é só Sul-Sul. Tem agora um Lula muito mais pronto a conversar no setor externo e mais aberto à Europa do que estávamos vendo durante a campanha”, diz Traumann.

União Europeia versus Brics

O aceno à UE marca o retorno das relações entre Brasil e Europa, que se enfraqueceram durante o governo Bolsonaro, num momento de menor integração entre os Brics (bloco criado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), destaca Dawisson Belém Lopes, da UFMG.

“O bloco [Brics] ficou meio paralisado, já que a Rússia é hoje um país mais ou menos desligado das redes de cooperação internacional. Diante da paralisia dos Brics, a UE aparece como uma boa opção para substituí-lo”, diz. “Mas a Europa, por si só, tem seus encantos. Não é um second best.”

Mas isso não significa que o Brasil abrirá mão totalmente dos Brics, diz Costa Vaz. “Meu palpite é que o governo procurará acomodar interesses numa e outra direção. Tentar impulsionar os Brics, sem que isso seja interpretado como endosso à Rússia. É um equilíbrio fino, difícil, mas não vai abdicar de ter os Brics na agenda”, completa.

Fonte: DW Brasil/Imagem: Uslei Marcelino/Reuters

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