“O direito indígena está à margem do direito brasileiro”, afirma especialista
Em abril, a ONU abrigou o Fórum Permanente sobre Questões Indígenas, em sua sede em Nova Iorque. No encerramento, o apresentador do evento, Darío Mejía Montalvo, ressaltou a importância do conhecimento e participação dos povos indígenas em tomadas de decisão.
Segundo ele, os debates do Fórum mostraram que não é possível separar a saúde humana da saúde do planeta. Mejía Montalvo declarou que é “inaceitável” que lideranças indígenas sejam “ameaçadas, assediadas e mortas por defenderem seus lares”.
Acesso à justiça negado
Durante a realização do Fórum, a ONU News conversou com as especialistas brasileiras em direito indígena, Tatiana Ujacow e Samia Barbieri, em Nova Iorque. Ambas integram o Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena, ICT.
De acordo com Ujacow, a “relação espiritual” dos povos indígenas com a terra tem muito a contribuir para a meta do desenvolvimento sustentável. Ela destaca que seu estado, o Mato Grosso do Sul, possui a segunda maior população indígena do Brasil e é marcado por conflitos.
“O direito indígena está à margem do direito positivo brasileiro. Porque não se considera o direito próprio das comunidades indígenas, as peculiaridades de cada povo indígena, com línguas diferentes, com costumes diferentes. Muitas vezes, lhes é negado o direito à tradução, que a convenção 169 da OIT traz como premissa, como condição de se comunicar. Como uma pessoa pode ter direito à ampla defesa se ela não pode se comunicar adequadamente? Se muitas vezes ela não está entendendo o que lhe está sendo atribuído como crime.”
Segundo a advogada, os povos indígenas enfrentam muitas situações de criminalização devido a reprimendas policiais e ordens judiciais que não consideram essas especificidades. Tatiana Ujacow alerta para o risco de “arbítrios maiores que no passado” contra estes povos que foram “tantas vezes massacrados”.
Autossuficiência dos povos indígenas
Já a especialista Samia Barbieri acredita que devido à falta de compreensão geral a respeito desses direitos específicos, os povos indígenas passaram a buscar um aumento da representação política.
Para ela, há uma “virada de chave”, no Brasil, em relação aos direitos indígenas, com aumento de protagonismo deles em diversas áreas.
“Hoje, a gente tem as articulações dos povos indígenas, tem a rádio dos indígenas. Os indígenas conseguiram aprender e se tornarem cineastas, produtores, fotógrafos. Isso tudo veio da própria organização deles. Eles têm que cada vez mais se sentirem autossuficientes, porque a luta é deles. Eu sempre digo, eu não sou ativista deles, eles que nos emprestam uma causa para que a gente tenha uma missão de apoio.”
Barbieri considera que o direito indígena precisa ser visto como algo que permeia toda a Constituição brasileira. Para ela, artigos sobre qualidade de vida para futuras gerações, usufruto da terra e preservação ambiental são alguns pontos de conexão.
Juventude Indígena
O tema do próximo Fórum ficou definido como “Melhorar o direito dos povos indígenas à autodeterminação no contexto da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas: enfatizando as vozes da juventude indígena”.
O evento será realizado de 15 a 26 de abril de 2024.
Além de representantes da sociedade civil e líderes indígenas, compareceu ao Fórum na ONU, a ministra dos Povos Indígenas, do Brasil, Sonia Guajajara.
Confira a entrevista à ONU News.
Fonte: ONU News – Foto: ONU/Manuel Elias