No Irã, jovens corajosas desafiam as autoridades
Deutsche Welle – Uma das diferenças fundamentais entre os atuais protestos no Irã e os anteriores é a participação de alunas secundaristas. Fotos e vídeos nas redes sociais mostram que, desde o início dos protestos, as estudantes em várias cidades deixaram de usar o lenço islâmico nas salas de aula e gritaram slogans contra o governo e a obrigatoriedade do véu ou os escreveram no quadro-negro.
Também retratos do fundador da República Islâmica, aiatolá Ruhollah Khomeini, e seu sucessor, o aiatolá Ali Khamenei, pendurados em todas as salas de aula iranianas, foram removidos e pisoteados. As crianças em idade escolar do Irã estão familiarizadas com o pisotear ordenado pelo Estado nas bandeiras israelense e americana, ou seja, os “inimigos da pátria”. Assim, dispensar o mesmo tratamento aos mais altos símbolos do poder estatal no Irã tem uma conotação especialmente mordaz.
Advertência sobre geração rebelde
“Os estudantes de hoje são a geração da internet e da comunicação e, graças às redes sociais, eles têm uma consciência política mais forte do que as gerações anteriores. Eles perceberam quem é responsável pela situação no Irã e, portanto, atacam diretamente Khamenei e a República Islâmica em palavras e atos”, diz o advogado iraniano Saeed Dehghan, que vive no Canadá e é membro da associação de juristas International Bar Association (IBA).
A rebeldia dos jovens não pegou a liderança do país de surpresa. Mesmo antes dos protestos, o aparato de segurança já havia expressado preocupação com a falta de lealdade dos jovens à ideologia do Estado. O semanário Sobeh Sadegh, órgão da Guarda Revolucionária iraniana, alertou em março de 2021: “Esta geração não será tão fácil de governar quanto a anterior”. A Guarda Revolucionária é a principal instituição militar e de segurança da República Islâmica e está sob o controle direto de Khamenei.
“Os jovens não têm nada que ver com a revolução de 1979 e com a ideologia da República Islâmica, então eles têm mais coragem para expressar suas demandas”, explica Dehghan. Nos últimos anos, o governo islâmico enviou milhares de clérigos para escolas em todo o país, alguns como professores, para doutrinar os nascidos a partir do ano 2000.
Isso inclui cantar a música Alô, comandante (em homenagem a Khamenei) juntos e ao ar livre, acompanhados por música nos alto-falantes e uma coreografia militar apresentada pelas turmas da escola. Até os pais tinham que participar da apresentação musical patriótica.
Ataque à ideologia do Estado
A ampla participação de adolescentes nos atuais protestos mostra que medidas toscas como essa não trazem resultados. Os jovens foram às ruas e também estão entre os mais de 130 mortos devido à repressão — a contagem é da Anistia Internacional. Ao menos três tinham entre 15 e 17 anos de idade.
O fato de os protestos atingirem, até aqui, sobretudo regiões consideradas conservadoras ou apolíticas mostra como é profunda a insatisfação com o governo dentro da sociedade iraniana. Manifestações aconteceram mesmo na cidade “sagrada” de Qom, onde mais de 100 mil clérigos ou futuros clérigos estudam em dezenas de instituições religiosas. E também na ilha turística de Quis, no Golfo Pérsico, com seus hotéis de luxo e sua ampla oferta de prazeres mundanos, muitas pessoas saíram às ruas e gritaram slogans contra o governo em Teerã.
Fonte: DW Brasil