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‘Missão de paz’: Orban busca mediação entre Ucrânia e Rússia e incomoda Ocidente

Por BdF – No dia 1º de julho, a Hungria assumiu a presidência rotativa do Conselho Europeu e o seu primeiro-ministro, Viktor Orban, mostrou que vai aproveitar o momento para projetar os interesses nacionais do país e buscar um protagonismo de mediação entre Rússia e Ocidente no contexto da guerra da Ucrânia.

Em menos de duas semanas, o líder manteve conversações com Ucrânia, Rússia, China e, em particular, o candidato republicano à presidência dos EUA, Donald Trump. Lideranças ocidentais já demonstraram o seu descontentamento com a movimentação de Viktor Orban na presidência do Conselho Europeu.

Na última quinta-feira (11), o líder húngaro se reuniu com o ex-presidente e atual candidato nas eleições dos EUA, Donald Trump, após o fim da cúpula da Otan, realizada entre os dias 9 e 11 de julho, em Washington, e a pauta do encontro foi a guerra da Ucrânia. Segundo Orban, a “boa notícia do dia” é que Trump, se for reeleito para a presidência, pretende ajudar a resolver a crise ucraniana. O primeiro-ministro chamou a sua visita aos EUA como “missão de paz 5.0”. Não foram relatados mais detalhes sobre os supostos planos de Trump para resolver a crise ucraniana.

Em entrevista ao Brasil de Fato, a cientista política especializada em política dos EUA, Alexandra Filippenko, observa que o histórico de Trump “mostra que na realidade não existe tal plano” para a resolução da guerra. Segundo a pesquisadora, as falas do republicano sobre a guerra da Ucrânia não passam de campanha pré-eleitoral, ou sejam “não é uma promessa de um político, mas é uma promessa de um candidato à presidência, em primeiro lugar”.

“Apesar das falas de Donald Trump de que ele tem certa estratégia e um plano para acabar com a guerra em 24 horas, o histórico de Trump mostra que na realidade não existe tal plano, pois isso não faz parte de sua cultura política, pois isso não está na sua cultura de tocar os negócios, e a abordagem dele para a presidência é como um ‘business’, ele nunca foi de sentar à mesa de negociações com um plano bem pensado, por isso chegou à conclusão que agora ele não pretende ter um plano bem pensado para negociar a paz”, afirma.

Anteriormente, um dia após ter assumido a presidência do Conselho Europeu, Orban iniciou a turnê pela Ucrânia, Rússia e China. A visita a Kiev foi a primeira que o primeiro-ministro fez em 12 anos. Orban era o único líder da UE que ainda não tinha visitado a Ucrânia após o início da guerra.

Na Ucrânia, o primeiro-ministro fez um apelo para que o presidente Volodymyr Zelensky considerasse sentar à mesa de negociações com a Rússia para chegar a um cessar-fogo. Zelensky não respondeu à proposta.

Já em relação às reuniões com Putin e Xi Jinping, foi relatado pela imprensa internacional na última quarta-feira (10) que o primeiro-ministro húngaro teria afirmado que Rússia e China manifestaram a intenção de realizar negociações de paz sobre a guerra da Ucrânia até o final de 2024. A informação foi divulgada pelo El País, citando um documento no qual Orban relata os detalhes dos encontros com os líderes da Rússia e da China aos seus colegas da União Europeia.

Segundo o cientista político Ivan Mezyukho, ainda é cedo para definir os resultados da visita de Viktor Orban à Ucrânia, Rússia e China. Em entrevista ao Brasil de Fato, o analista aponta que “o próprio fato desta visita comprova que existem países na União Europeia que estão orientados para a realização de uma agenda pacífica e não de guerra”.

“É claro que neste sentido a Hungria é minoria, e é claro que Viktor Orban se utiliza da presidência da Hungria no Conselho Europeu para que mais uma vez o país se reafirme como um Estado soberano e independente, mesmo que tenha que periodicamente ir contra a sua vontade durante votações nas estruturas da União Europeia e da Otan”, afirma

A ‘missão de paz’ de Viktor Orban, considerado próximo de Vladimir Putin, não passou sem críticas dos líderes ocidentais. O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, disse que Orban não representa o bloco nas negociações com Putin. Já o chefe do Conselho Europeu, Charles Michel, afirmou que “a presidência rotativa do Conselho não lhe dá autoridade para conduzir o diálogo com a Rússia em nome da UE”.

O presidente russo, Vladimir Putin, por sua vez, destacou a importância da visita do colega húngaro, sobretudo na condição de representante da UE. “Entendo que desta vez você veio não apenas como nosso parceiro de longa data, mas como presidente do Conselho Europeu. Espero que você me diga a sua posição e a dos parceiros europeus [em relação à Ucrânia]”, disse o líder russo.

Durante a reunião com o presidente Vladimir Putin, Viktor Orban destacou o fato de que a Hungria é um dos únicos países da Europa que mantém diálogo tanto com a Rússia quanto com a Ucrânia.

Para o cientista político Ivan Mezyukho, as críticas dos líderes do bloco europeu em relação à atuação da Hungria na presidência do Conselho Europeu têm um efeito político de manter uma posição crítica à Rússia e de um apoio irrestrito à Ucrânia, mas não deixa de ter um caráter importante de mediação.

“É claro que Orban recebeu muitos comentários críticos de políticos europeus e de seus colegas líderes dos países da União Europeia, mas, na minha visão, hoje toda a Europa está interessada em saber o que Orban falou concretamente com os líderes da Ucrânia, Rússia e China, o que ele conseguiu, e quais resultados intermediários que ele alcançou. Ou seja, no discurso, os líderes da UE podem criticar Orban, mas nos canais diplomáticos fechados eles vão buscar saber o que ele falou, em primeiro lugar, com o presidente russo, Vladimir Putin”, argumenta.

O pesquisador acrescenta também que a movimentação de Orban revela mais um aspecto pragmático, de considerar os interesses nacionais da Hungria, do que um apoio explícito à Rússia.

“Um país pequeno como a Hungria precisa se orientar pelos diferentes centros de poder para que não seja um país apequenado e supérfluo no âmbito da estrutura da UE. Viktor Orban não sai da UE, não sai da Otan, ele permanece nestas estruturas. Ele é simplesmente um político orientado pelos interesses nacionais. Os clichês de que ele seria ‘pró-Rússia’ são atribuídos a ele pelos seus oponentes. Pode ser que nós aqui na Rússia gostaríamos de ver ele como um político pró-Rússia, mas ele não é isso”, completa.

Edição: Leandro Melito/Imagem: Kremlin

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