Quase 20 anos após vencer as eleições que o levariam ao seu primeiro mandato presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva, 76, busca a volta ao poder tendo ao seu lado boa parte do PT de 2002, mas patrocina uma tentativa de trazer para seu entorno políticos de centro e centro-direita, entre eles, figuras históricas do —por décadas— rival PSDB.
Muito mais do que representar uma nova Carta ao Povo Brasileiro, a possível composição com o ex-tucano Geraldo Alckmin é a face mais visível da convicção de Lula, dizem, de que tão importante quanto a vitória é garantir um arco de apoio político suficiente para governar.
Na sexta-feira (21), Lula encontrou-se com o ex-senador e ex-ministro Aloysio Nunes Ferreira, figura emblemática para o PT por ter sido vice de Aécio Neves (PSDB) na eleição de 2014 e por ter integrado, depois, as fileiras da articulação política que resultou no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Foi a segunda vez que eles se reuniram em pouco mais de de dois meses.
Segundo o tucano, Lula listou o que, na sua opinião, são retrocessos produzidos pelo governo Bolsonaro e defendeu a colaboração suprapartidária, à exceção da extrema-direita, para superação desses desafios.
“Ele disse o seguinte: ‘Se eu for candidato, e se eu for eleito, preciso de um mutirão para governar'”, afirmou Aloysio. Ainda segundo ele, Lula não falou em alianças eleitorais. Mas na reconstrução de um espírito colaborativo.
No encontro, ocorrido a convite de Lula, os dois lembraram momentos em que PT e PSDB se uniram em torno de uma agenda convergente, como na política de transferência de renda, no Código Florestal e no Marco Civil da Internet.
Após uma hora e meia de conversa, o ex-senador manifestou-se a favor da chapa Lula-Alckmin para a corrida presidencial. De acordo com o tucano e também com petistas, Lula tem dito que, se voltar ao poder, terá pela frente a administração de um país em condições mais desafiadoras do que recebida de Fernando Henrique Cardoso em 2003.
E que, para isso, é imprescindível que tenha uma base sólida no Congresso para conseguir governar.
Além de Aloysio, Lula já se encontrou com FHC —ocasião em que trocaram afagos mútuos—, com o ex-governador de Goiás Marconi Perillo e com os ex-senadores Arthur Virgílio (AM) e Tasso Jereissati (CE).
Em uma deferência, Lula foi à casa de FHC, em São Paulo, e ao escritório de Tasso, em Fortaleza. Outros encontros aconteceram em campos neutros, como a casa ou escritórios de amigos em comum.
A grande maioria dos políticos que criaram PT e PSDB militaram contra a ditadura militar. Os tucanos surgiram de uma dissidência do MDB, partido de oposição ao regime. Na redemocratização, houve um ensaio de aproximação entre as duas siglas, mas não prosperou.
Com isso, petistas e tucanos acabaram se tornando rivais e polarizaram as eleições nacionais de 1994 a 2014, com duas vitórias do PSDB (1994 e 1998) e quatro do PT (2002, 2006, 2010 e 2014).
“Eu sou dos que sempre defenderam que foi um azar histórico, na retomada da democracia, se contraporem PT e PSDB. As duas novidades pós-governo militar foram PT e PSDB”, afirmou no final de dezembro, em entrevista à Folha, o ex-ministro, ex-governador da Bahia e hoje senador Jaques Wagner.
Ele é um dos defensores da chapa Lula-Alckmin: “Quem quiser montar uma chapa competitiva terá que montar uma chapa em que presidente e vice sejam complementares. Eu entendo que o Alckmin é uma possibilidade porque ele é complementar ao Lula. Não se faz sanduíche de pão com pão, tem que botar um recheio”.
Além da busca de alianças e apoios mais ao centro, Lula tem orientado seus emissários a tentar ao máximo fechar federações com siglas de esquerda, como PSB, PC do B e PSOL. De acordo com aliados, Lula diz que esse novo modelo de união, que exige atuação conjunta por ao menos quatro anos, é mais desejável do que coligações eleitorais, que podem ser desfeitas a qualquer momento.
Vinte anos depois de conseguir seu primeiro mandato presidencial, Lula tem em seu círculo mais próximo várias pessoas que já figuravam com destaque na campanha de 20 anos atrás —muitos, assim como Lula, estão na casa dos 60 e 70 anos de idade.
Um dado emblemático é que o PT cresceu nos anos 80 e 90 bastante identificado com a juventude. Hoje a bancada de deputados federais da sigla é a mais velha da Câmara, na média (58 anos).
“Um problema que toda esquerda brasileira enfrenta é uma necessidade de renovação na faixa dos 20 e 30 anos. A gente tem poucas pessoas com destaque mais amplo. A nossa bancada, quando entrei na bancada federal, era a mais jovem da Câmara”, diz o ex-ministro e ex-presidente do PT Ricardo Berzoini, 61.
Jaques Wagner tem opinião semelhante: “Eu sou um cara quase obsessivo com negócio de renovação. Nada contra a terceira idade, até porque eu estou nela, mas acho que não podemos ficar dependendo só de uma geração. Tem que puxar a moçada. Acho que o PT precisa cuidar disso, está cuidando menos do que deveria, na minha opinião”, diz ele.
Aos 70 anos e prestes a disputar novo mandato como governador da Bahia, ele brinca, fazendo uma comparação com empresas: “Eu acho que a gente, a moçada da terceira idade, deveria ir para o ‘Conselho de Administração’, para opinar”.
O documentário “Entretatos“, que acompanhou a campanha de Lula na reta final da eleição de 2002, tem uma cena simbólica que mostra a porta se fechando para uma primeira reunião decisiva entre o núcleo mais próximo do petista, ainda no hotel de São Paulo em que ele assistiu à sua vitória sobre José Serra (PSDB) no segundo turno.
Na sala estava sete pessoas, além de Lula. Duas delas já morreram —Marisa Letícia, mulher de Lula, em 2017, aos 66 anos, em decorrência de um AVC, e Luiz Gushiken, em 2013, vítima de câncer, aos 63 anos.
Dos outros cinco, um caiu em desgraça dentro do PT. Antonio Palocci, que seria ministro da Fazenda do governo Lula e da Casa Civil do governo Dilma, rompeu com a sigla após ser preso e se tornar um dos delatores da Lava Jato.
Os outros quatro, todos acima dos 65 anos hoje, permanecem no PT, três deles em postos de comando e com certa proximidade a Lula.
Aloizio Mercadante (eleito senador em 2002; viria a ser ministro da Ciência e Tecnologia, Casa Civil e Educação nos governos Dilma), 67, hoje preside a Fundação Perseu Abramo, o órgão de estudos e pesquisas do PT. Ele não foi ministro do governo Lula e é visto com desconfiança por setores do PT, que o consideram em “estágio probatório”. Ele é apontado como um dos responsáveis pelo lançamento de Dilma à reeleição ao invés de ceder lugar para Lula.
Gilberto Carvalho (chefe de gabinete da Presidência na gestão Lula e secretário-geral da Presidência na gestão Dilma), 71, hoje é diretor da Escola Nacional de Formação Política do partido. Luiz Dulci (ministro da Secretaria-Geral da Presidência nas gestões Lula), 66, hoje é membro da Executiva nacional do PT. Ele ainda hoje participa das reuniões com Lula.
O sétimo integrante da primeira reunião formal de Lula eleito em 2002, José Dirceu, 75, se tornaria viria ministro da Casa Civil, mas saiu no escândalo do mensalão (2005). Ele sofreu condenações e prisões no mensalão e na Lava Jato e foi solto em 2019 após o STF voltar atrás em entendimento anterior que determinava o cumprimento da pena após julgamento do caso em segunda instância.
Atualmente participa informalmente das discussões internas do PT. Em entrevista em dezembro dada ao jornalista Breno Altman, do site Opera Mundi, Dirceu fez várias considerações sobre campanha e um possível futuro novo governo.
Entre elas, a de que “Lula e o PT precisam de uma política mais ampla que a esquerda para derrotar o bolsonarismo e governar o país” (falando sobre a aliança com Alckmin) e de que o programa de eventual governo tem que se contrapor ao das duas últimas gestões —”O programa nosso será, no fundo, um contraprograma a tudo o que foi feito pelo Temer e pelo Bolsonaro. É só contrapor cada reforma previdenciária, trabalhista ou administrativa que tentaram, teto de gasto, regra de ouro, essa política de concentração de renda e riqueza do país”.
De fora daquela reunião no hotel de São Paulo, mas já com militância de destaque no PT e ainda hoje no círculo próximo de Lula, estão, entre outros, Rui Falcão, 78 —que presidiu a sigla em 2011 e 2017 e hoje é membro da Executiva Nacional—, e Paulo Okamotto, 65, amigo de longa data do ex-presidente e fundador do Instituto Lula.
Dos nomes novos que surgiram pós-2002, o principal é o de Fernando Haddad, 58, que despontou para o primeiro time do PT após comandar o ministério da Educação nos governos Lula e Dilma. Muitas vezes chamado de “o mais tucano dos petistas”, Haddad é um dos responsáveis pela aproximação com o PSDB.
Ele foi escolhido por Lula para ser candidato a prefeito de São Paulo em 2012 (ganhou) e a presidente em 2018 (perdeu). Hoje é o nome do partido para o governo de São Paulo.
Gleisi Hoffmann (senadora e ministra da Casa Civil na gestão Dilma), 56, ganhou destaque por sua atuação à frente do PT no período da prisão de Lula. Ela preside o PT desde 2017 e é uma das pessoas mais influentes junto ao ex-presidente.
Fonte: Folha de São Paulo